bright soul

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fevereiro, 1997

new jersey

Sam me deixou em casa por volta das onze da noite após uma despedida manhosa de Atticus. Ainda que estivesse dormindo pelas últimas quase três horas, quando o acordei para que saísse de cima do meu corpo para que eu fosse embora, uma careta pouco receptiva foi desenhada em seu rosto. Tenho certeza que ele já estava dormindo de novo antes que eu deixasse os limites da mansão, mas foi engraçado ver uma reação como aquela quando o deixei.

Meus pais não reclamaram a hora que cheguei porque havia dito que estava na casa de uma amiga que morava bem perto. Contando que minha mãe não tenha ligado para ela para confirmar minha presença, não há motivos para temer que algo deu errado.

Subi para o meu quarto silenciosamente enquanto meu pai roncava no sofá e minha mãe resolvia pendências do seu trabalho na mesa da cozinha. Acredito que ela tenha me visto me esgueirando pelas paredes até alcançar a escada, mas não disse nada, e eu agradeço por isso.

A missa desse domingo foi cancelada e é o primeiro sábado que passo em casa nos últimos quatro meses. Por isso, juntando a completa falta de sono e a vontade de aproveitar que posso acordar tarde, começo a procurar coisas que possam me entreter no meu quarto e, por acidente, encontro um diário velho que eu havia me esquecido completamente. É um pequeno caderno que comprei numa feira de artesanato quando viagei à cidade dos meus avós, muitos anos atrás. Como não tenho nada melhor, me aconchego em minha cama e começo a folhear as páginas que já estão amareladas. Logo quando o abro, o ingresso do único show do Semisonic que fui cai em meu colo e abro um sorriso me lembrando daquela noite bizarra.

As primeiras folhas do caderno estão limpas e decoradas com adesivos, canetas coloridas e pequenos rabiscos que eu costumava fazer nas bordas das páginas. Respiro fundo antes de mergulhar no que quer que seja que vou encontrar ali já que esse diário se tornou um completo borrão em minha memória, contudo as primeiras palavras me fazem lembrar o motivo de ter começado o documentar minha vida.

Querido diário,

meu nome é Harper Green.

Eu não sei bem por onde começar, mas precisava contar para alguém sobre o dia de hoje e não consigo pensar em ninguém que realmente possa confiar para fazer isso.

Há uma livraria há algumas quadras da minha casa que eu costumo frequantar todos os dias depois da aula. Às 15h da tarde nunca é um horário bom para se estar em casa porque é quando minha mãe chega estressada do trabalho e encontra meu pai, atualmente desempregado, esparramado no sofá. São discussões constantes que quase sempre me afetam também, então prefiro ficar fora até que o humor dela esteja menos nublado.

Já haviam alguns dias desde que eu andava observando um garoto que começou a frequentar este lugar junto comigo. Um menino misterioso, provavelmente mais velho. Está sempre sozinho, sempre calado. Pelo que vi pega livros de ensino superior, biologia, anatomia, medicina... o que me leva a pensar que talvez seja universitário (?)
Mas hoje aconteceu algo SUR-RE-AL.

Estava distraída na estante de livros de fantasia e retirei algum exemplar, que com toda essa situação não lembro nem qual foi. Para o meu espanto ele estava do outro lado da estante e em alguma probabilidade provavelmente impossível em números infinitos, retiramos um livro exatamente no mesmo lugar, um a cada lado do corredor da estante.

Eu o olhei confusa e ele parecia espantado. Provavelmente não estava esperando por isso. Esbocei um sorriso gentil, mas ele permaneceu imóvel, logo devolveu o livro ao mesmo lugar. Eu não tive tempo nem de entender tudo o que aconteceu antes de ouvir passos apressados seguidos pelo sino da porta balançando quando ela foi aberta e fechada rapidamente. Ainda tentei ir atrás dele, mas quando saí na rua ele já tinha desaparecido.

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