Hera x Zeus, o Caos e a Ordem

Cézar

Acordou cedo, morava bem longe da faculdade, na verdade nem conseguiu dormir a noite, aquilo por que tinha lutado durante longos 3 anos finalmente tinha acontecido. Tinha pensado em fazer engenharia e começou bem passando em primeiro lugar no CEFET em mecânica no ensino médio. Se formou e trabalhou três anos até perceber que não queria estudar mais cinco sobre a mesma coisa. Não era mais um desafio e perdeu a graça para ele. Colocou na cabeça o próximo, medicina, um dos mais concorridos. Conseguia se ver dedicando a sua vida para cuidar de outras pessoas, queria uma vida grandiosa dessas que vão além de si mesmo e se estendem atingindo a vida de muitas outras. Queria ser mais, talvez porque já fosse. Passou por vários cursinhos, estudou incontáveis horas. Possuía uma determinação incomum como se conseguisse dobrar o caos a sua vontade, durasse quanto tempo tivesse que durar.
Se levantou, colocou uma calça jeans, uma blusa listrada branca e azul e um tênis. Tomou um café bem forte que era seu vício adquirido de estudar muitas horas seguidas. Pegou seu carro que já não era muito novo e começou sua viajem as 6h da manhã acompanhado de muitas divagações. Se tivesse feito engenharia como teria sido a sua vida? Que pessoas conheceria? É engraçado como costumamos não dimensionar como um todo as influências que as decisões implicam. "Eu poderia estar formando já". Sem falar da sorte, tinha passado no Rio primeiro e já estava fazendo as malas quando saiu o resultado da UFMG, passou em último lugar. "Se eu tivesse errado uma questão, se tivesse me distraído com o mosquito que passou na minha frente podia ter perdido uma linha de raciocínio e a minha vida teria sido muito diferente", "eu posso gostar de alguém que nunca ia conhecer em outra realidade", "e por que damos tanta importância para aleatoriedades?". Viu as cerejeiras rosas ainda considerando se o universo era regido pela desordem ou existia algum sentido que pode ser chamado destino, avaliando a sua própria vida não conseguiu descobrir, mas talvez ainda pudesse.

Foi difícil achar um lugar para estacionar, por sorte tinha chegado cedo e poderia se dizer que caminhou calmante até o auditório se não estivesse um pouco agitado demais para isso. Subiu as escadas como quem pisa em uma nuvem ou alcança o ápice de uma montanha e finalmente pode ver a vista.
Sentou em um dos últimos lugares sentindo o alívio de todas as incertezas que o acompanhavam nos últimos anos e dos sonhos que não o davam paz. Agora podia viver com menos consciência de que o mundo é uma anarquia inconstante com pretensões de coerência, que pode revelar a sua verdadeira natureza a qualquer momento, insurgindo com o inesperado. Tinha pagado seus sacrifícios e se achou no direito de apreciar aquela segurança adquirida sem ressalvas. Então aquela pergunta que anda na cabeça de todos: "e se alguma coisa acontecer?" começou a se afundar lentamente na arrogância de quem vence o jogo e, por isso, acha que vai vencer todas as vezes. Não que ele fosse dissociado da vida e da realidade, mas começou a viver como todos gostaríamos, sem a pergunta: "o que vai ser de mim?".

A apresentação começou e estava prestando atenção quando entrou atrasada uma menina de cabelo muito escuro, "nossa como tem mulher bonita nesse lugar", pensou empolgado. Olhou em volta reparando em todos os tipos de meninas com as mais variadas feições e belezas, queria todas, não apenas pelo desejo mas também queria provar que poderia ter todas. Não que ele pudesse ter, mas gostava de imaginar e gostava mais ainda de jogar esse jogo. Apostava sua própria vaidade e até mesmo seu valor, tinha que ganhar e quanto mais ganhava melhor se sentia sobre si mesmo. Não era assim só com as mulheres, gostava de fascinar a todos e sempre ser o centro das atenções. Encantar as outras pessoas era apenas um reflexo do quanto encantava a si mesmo e quando isso não acontecia tendia a manipular a realidade. Preferia chamar isso de astúcia e conseguia viver assim sem sequer perceber. Mas que tipo de pessoa confiante tem dúvidas quando não vê isso nos olhos dos outros? Não conseguia delimitar claramente quem ele seria sem que todos o amassem, mas infelizmente estava acostumado demais a ser amado para descobrir.

Os professores ressaltaram o privilégio de estar ali, em um lugar de mil oportunidades dando a entender o desperdício que seria não aproveitar e não se envolver nas atividades extracurriculares. Escutou aquilo se lembrando de como seu pai tinha dito que não chegaria em lugar nenhum. A raiva fez com que ele se distraísse por uns instantes. Sentiu um certo orgulho de ter conseguido sem ele, mas não era muito maior do que a desolação de ter que lutar sozinho para isso. Por sorte tinha sua mãe, que era sua rocha, quase uma santa. Tinha criado ele sozinha e conseguido fazer dele um homem que, diferente do seu pai, não era um covarde que fugia das suas responsabilidades.
Quando deu por si tudo tinha acabado e as pessoas já estavam descendo as escadas. Estava quase saindo quando pisou no pé de alguém, a menina se virou "nossa ela é mais bonita de perto". O seu lindo rosto triangular possuía a mandíbula levemente marcada que perdia para maçãs do rosto altas, ficou automaticamente atraído por sua boca grande e voluptuosa como uma rosa vermelha que contrastava com sua pele alva. Deu seu melhor sorriso quando percebeu o quão transparente a sua atração tinha se tornado. Ela sorriu de volta e foi embora, ele pensou que deveria ser menos óbvio da próxima vez.
Foi em direção ao ICB ainda com a sua imagem na cabeça. Combinou de encontrar com seu primo mais velho, Pedro, que estava no final do seu curso de biologia marinha. Se assentou em um banco dentro do prédio, o vão vazio e o piso de pedra amenizavam o calor insuportável que estava fazendo. Viu Pedro vindo a distância, ele tinha os cabelos azuis a pele queimada de quem não saia da piscina