Capítulo 1

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Os flocos brancos e redondos descarregados pelas nuvens torna congelante a tarde desse período de fim de inverno. Todos os reinos se encontram enfeitados pela neve, e no mais populoso deles não seria diferente. Hutbus Island, lar da grande e bela diversidade humana, embora não tão aceita.


A esse momento, reais e nobres dessa terra devem estar abraçados por seus tecidos macios e felpudos, que acaloram seus corpos e desde que estes não entrem em contato com a neve, o frio é apenas um amigo passageiro. Uma lástima que nem para todos essa seja a realidade.

Dentro de uma casa de madeira tão antiga que já começa a apodrecer e deixar brechas entre elas, permitindo que a brisa gélida sopre para o interior, um jovem homem abraça seu corpo com vestes gastas de linho grosseiro, insuficientes para lidar com a temperatura do ambiente. Suspirou com força, observou uma fumaça sair de sua boca e se dissipar no ar.

Mirou seus olhos escuros para onde adentrou um vento constante que fez sua pele branca arrepiar por inteiro. O inverno só poderia estar zombando com ele. Percebeu o chão de pedra acumular neve que vinha do lado de fora, então em prontidão pegou uma almofada do canto da sala e enfiou dentre as brechas na parede, tapando o buraco dentre as madeiras.

— Sinceramente? Eu odeio esse maldito inverno — murmurou irritado enquanto esfregava as mãos. — Se eu encontrei ar quem teve a ideia de criar isso, juro que arrebento.

Fitou a divisória entre a sala e a cozinha somente para ver uma mulher rechonchuda e mais velha balançar a cabeça em negação enquanto dava um risinho. Suas vestes, muito semelhantes às do rapaz, porém mais apertada por conta da forma feminina.

— Por que não me ajuda a pôr a mesa? — questiona a mulher a ele, movendo uma tigela de barro contendo arroz para a mesa robusta de madeira escura.

— Só deu para fazer isso? — se aproxima ele.

Seu estômago resmungou no exato momento que o aroma do arroz cozido foi percebido por seu olfato, mal via a hora de devorar aquilo e saciar sua fome. Devia ser uma da tarde, e aquela iria ser sua primeira refeição. Porém não pôde evitar que em seu semblante estivesse o descontentamento. A tigela já não era muito grande, e ainda estava pela metade, isso para ser dividido como única refeição do dia para três pessoas.

— Eu deixo um pouco da minha parte pra você, Spency — ela oferece.

— Ah não mãe, nem pense nisso.

— Eu não estou com fome e...

— Não, não, nada disso — a interrompe sem permitir que continue oferecendo.

Se dirige à cozinha e vai a um armário, onde pega três pratos de barro e três colheres feitas de metal. Retornou então para a sala, pondo os mesmos na mesa que sua mãe arrumava.

— E eu preciso perder uns quilos — prosseguia ela ainda, Spency nem havia ouvido o que mais ela havia falado desde que saiu rapidamente de perto dela.

Decidiu então que ignoraria ela; sua mãe era do tipo que ninguém convencia quando tinha algo em mente. Porém, claro, ele recusaria a oferta na prática, de qualquer maneira. Então não vale tanto a pena discutir.

Foi para frente de um grande espelho preso à parede, encarando seu pálido reflexo. Passou suas mãos para ajeitar seus cabelos pretos e cheios, que costumam ser lisos, no entanto estavam ressecados e úmidos, talvez por ação do clima ou falta de cuidado, quem sabe. Fechou as pálpebras e ficou imerso na escuridão, somente sentindo o quase imperceptível calor da vela ali próxima tentar de forma fracassada derrotar a frieza invernal.

Hutbus Island: O Último Herdeiro Onde histórias criam vida. Descubra agora