Não consigo mais parar de malhar...

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Estava aquecendo na bicicleta ergométrica quando ouvi alguém bufando. Não era exatamente aquele gemido que um musculoso faz de força, uivando como se fosse um brutamonte, parecia uma mistura de agonia e cansaço. Ainda com os pés movimentando a bicicleta em círculos, abaixei a minha coluna, enquanto posicionei uma das mãos na coxa e a outra segurando o celular, para olhar para baixo e ver quem era que estava fazendo os barulhos.


Era um dos mais fortes do horário que eu começo a malhar, das cinco horas da manhã até às sete. É normal ele estar gemendo, mas a sua expressão era de agonia e dor, os seus olhos estavam arregalados enquanto ele ficava movimentando o treino de rosca reta com halteres. Levantei o rosto para olhar para a mulher que estava um pouco à minha frente correndo na esteira, ela também percebeu e deu um sorriso de deboche, balançando o rosto em desaprovação. Voltei a posicionar a minha coluna reta, pegando o fone de ouvido no meu bolso e colocando nos ouvidos para apreciar alguma música enquanto estava mexendo nas redes sociais


Estava completando o meu aquecimento de dez minutos em uma velocidade razoável, quando percebi que não estava conseguindo parar de movimentar as minhas pernas. Fiquei confuso por algum momento, forcei elas, mas não estavam respondendo. Tirei os fones de ouvido para perceber que agora o homem estava desesperado pedindo socorro, e foi aí que percebi que estava acontecendo duas coisas assustadoras ao mesmo tempo. Abaixei para ver ele em lágrimas e ainda movimentando seus braços, o seu desespero estava sendo acompanhado por outros. Não sei quantas pessoas já estão na academia, estava trabalhando a parte de queimação de gordura, um pouco acima do pessoal da musculação, só estava conseguindo ver ele pelo espelho que fica na parede da minha frente.


Uma onda de calafrios atingiu meu corpo quando os meus joelhos começaram a doer. Tentei diminuir a velocidade, baixar a potência da bicicleta, mas nada estava funcionando. Minha solução foi chamar Anderson, o instrutor da academia, chamei ele algumas vezes, e percebi que não estava respondendo, talvez não esteja ouvindo no meio dos gritos de desespero dos outros frequentadores ao fundo.


Minha atenção foi agora para a mulher que ainda continuava correndo sem parecer afetada de alguma forma. Havia colocado os fones de ouvido também quando o primeiro começou a gemer. Ela percebeu quando eu estava chamando pelo movimento da minha boca e a minha atenção na sua direção, revirou os olhos ao começar a remover os fones dos seus ouvidos, e se assustou com a gritaria descontrolada.


Sua atenção foi imediata para os botões, provavelmente para apertar o botão de emergência ou diminuir a velocidade, mas parecia que havia uma barreira impedindo os seus dedos de alcançar o painel. Logo, ela fitou na minha direção com um horror genuíno no seu rosto. Os seus lábios tremeram enquanto ela ficava olhando para os seus pés correndo e correndo, e o seu corpo com vontade própria continuando a maratonar uma corrida desenfreada. Fiquei sem palavras, atordoado e chocado em silêncio. Tudo o que pude fazer foi assistir enquanto ela estava entrando de cabeça no que estava acontecendo conosco aqui dentro.


Enquanto meu cérebro não tinha sido capaz de processar nada até o momento, as engrenagens começaram a girar e logo veio a ideia de chamar a polícia. Provavelmente era o único que estava usando o celular enquanto tudo teve início.


Quando uma atendente ouviu os gritos de desespero, a minha voz cansada e exausta, não sei exatamente o que eu disse a ela ou a forma que tentei explicar, mas haviam mandado uma viatura que logo chegaria porque a distância da academia para a delegacia de polícia da minha cidade não deve ser mais do que cinco minutos. Quando a polícia chegou, eu estava em uma ligação com um dos policiais tentando me acalmar, e percebi que o medo havia se intensificado de forma incompreensível para minha mente ou para a mente de qualquer outro infeliz malhando sem parar: os policiais entraram na academia, e não encontraram ninguém, vazio, sem a atendente e nem o professor Anderson, apenas o nada...

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