Lago dos su1cídios

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A beira do lago estava repleta de areia úmida, que se grudava na sola do meu chinelo e adentra entre meus dedos. Sentado, sentia o doce cheiro de grama e observava a solitude daquela manhã. A água estava muito gelada, e com promiscuidade corria aos meus dedos, fugindo imediatamente em vergonha eterna.

Pelo vento, vinha ao meu ser a melodia serena, oriunda da brisa que dormia no lago parado. E mesmo inóspito, a Vida o desobedecia e trazia animais à sua beira, no qual um lobo-guará bebia o líquido contaminado, exibindo sua pelagem magnífica com coragem astutamente burra. Seu destino já havia sido proclamado.

Focado na traição, ouvia de longe um ruído que se mascarava como passos molhados, aproximando-se com cautela. Tapei a luz incandescente do sol com minha mão e com força esmaguei meus olhos para olhar a figura que estava parada ao meu lado, inquieta.

— Gabriel? — A voz doce aguçava meus sentidos e me revelava uma memória perdida. — É você mesmo> Ah, quanto tempo que não lhe vejo! — Pude reconhecê-la rapidamente. Seu tom magnífico, quase cantado, acariciava minhas orelhas e penteava meus cabelos. — Quando você chegou?

— Ana, que saudade! — Levantei como um raio e a abracei fortemente, esquartejando sua cintura com meus dedos.

Preso no seu abraço, respirava profundamente e aproveitava a oportunidade de sentir seu perfume novamente; de sentir o calor que vinha do seu coração.

— O que faz aqui? — Afastei meu corpo para vê-la.

— Eu que lhe faço essa pergunta! — Disse ao bater em meu ombro — você nos abandonou sem nem dar recado; sem deixar rasto... Sem me avisar! Eu tão-tão puta contigo que nem sei mais o que falar! — Seu sorriso combatia as lágrimas que desciam de seus olhos e lutavam pelo terreno — Você me deixou sozinha nesse pedaço de fim de mundo, no pedaço em que VOCÊ me prometeu que deixaríamos juntos. -E eu te procurei; te liguei, chorei com o medo de você ter acabado que nem ela... — Chorava como uma criança magoada, e eu também.

— Me desculpa... Eu não sei o que falar. Acreditei que era a única opção, o único recurso.

— Ah, sério? Para com isso! Eu sempre te ofereci meu ombro, assim como acreditava que tinha o seu. Morri de esperar uma ligação sua de noite; saber se você estava vivo ou não! Eu só fiquei sabendo onde tu estava por conta do seus pais! Acha mesmo que foi fácil? — O amargo de sua garganta se espalhava pelo ar e adentrava minha garganta, trancando as palavras que um dia escrevi.

— E-eu... Eu não queria ter te machucado — respirei profundamente, mantendo minha cabeça virada ao chão. — Fiquei com vergonha de te ligar — murmurei.

— Ve-vergonha?— Ana ria enquanto tentava recuperar seu fôlego — Ah, quer saber? Não posso mentir que estou aliviada em te ver, te abraçar... Mas fica esperto! Se pensar em sumir de novo eu te mato — mesmo com a "resolução", sentia que não havia feito progresso. — Até pensei que fosse um fantasma hahaha.

— Desculpe — limpei minhas lágrimas e devolvi o carinho com um sorriso esguio e envergonhado — eu prometo...

— Cala a boca.

Caminhamos pela beira do lago, intercalando o silêncio com pequenas frases com o intuito de nos atualizarmos dos assuntos perdidos. O sol nos acariciava a face, me esquentava como um abraço de mãe e iluminava a morte brusca da saudade insaciável e do tempo que nunca iria recuperar.

Mesmo com a atmosfera tensa, passear com Ana foi um remédio amargo, mas totalmente eficaz. Apenas ela sabia como me tratar não como eu queria, mas como necessitava.

Rimos e choramos, ambos sob nosso juramento infantil. As guerras que iniciávamos e os planos infalíveis que criávamos para conquistar nossos "amantes secretos" permaneciam em nossas mentes e dava-nos esperança de que um dia tudo possa retornar à paz antiga que nos confortava.

— Mas... O que te trouxe você aqui de verdade? — Ana me olhava com preocupação e segurava minha mão com força. Seus cabelos crespos balançavam majestosamente com a leve brisa que passava e seus olhos reluziam como mel profundo.

— Samuel, ele sumiu e eu vou encontrá-lo, eu tenho que achar ele — ela me olhou com um ar de incompreensão e raiva. — Não lembra? Ele estudou com a gente por uns anos.

— Ah, lembro sim! — respondeu com uma risada envergonhada — Você tem alguma ideia por onde começar? Afinal, você sabe muito bem como é sumir.

— É né... Hahaha! — Os pelinhos do meu pescoço se arrepiavam ao perceber que foram pegos no flagra nesta hipocrisia. — Eu não quero te incomodar mais do que já fiz, então pode deixar que eu vou atrás dele sozinho — trocamos números e a abracei, podendo lhe dar um adeus temporário — Fica tranquila, eu volto! — Acenei e fui ao rumo da escola primária que um dia chamei de minha.

Por onde você anda - DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora