Escola imóvel

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Coberta de sujeira e pichação, com paredes manchadas e vibrações negativas, a escola se tornava a primeira atração mal-assombrada da cidade, com histórias terríficas e exageradas de supostos assassinatos.

Corria minha mão pelo muro gradeado, sentindo as memórias perdidas que um dia escolhi esquecer. Com o portão arrombado, adentrei o terreno observando que sua totalidade nunca fora minha devido a sua mudança exterior; uma traição com meus sentimentos. Seu telhado estava decadente, e por mais que este sempre fora seu estado, acreditei que desta vez o tempo havia tomado mais do que devia.

Apesar de ter estudado por um período curto, lembrava com exatidão dos desenhos que adornavam as paredes externas, do som estrondoso da "tia do lanche" nos convocando para devorar pãezinhos e suco de caju, das vezes que explodia em animação e corria pela quadra com meus colegas... Mas nem tudo pode ser eterno.

A estrutura não era a melhor e a posição em relação a cidade era ruim, mas nada, nunca, iria justificar o fechamento daquela escola de médio porte. Durante a troca de instituições, muitos queriam possuir respostas para as inúmeras perguntas, falando que tudo aquilo era proveniente de uma fundação mal feita, falta de dinheiro, ou corrupção, entretanto, o que crianças de 10 anos sabem sobre coisas de adulto?

Porém, todos nós sabíamos que estávamos reclamando de barriga cheia, pois já haviam anunciado que uma escola maior estava em construção a algumas quadras de distância — sem contar que nos fora garantido o atendimento das necessidades de toda região do entorno... O que não foi totalmente cumprido, mas isso não tem importância agora.

Esgueirava-me entre os escombros e mobílias velhas que recheavam os corredores, observando os momentos do passado. Percebi que conseguia me lembrar de quase tudo, mas era impossível tentar reconstruir o rosto de Samuel... Como se ele nunca houvesse existido; como se nunca tivéssemos conversado por horas e horas. Naquela verdade, esforçava minha mente e rangia um pensamento:

"Impossível! Como não me lembro do rosto do meu melhor amigo? Lembro de todos, menos dele... Por que logo ele?"

A pequena frase se mantinha em minha mente, rasgando a calma que havia se instituído. O "mundo infinito" de armários, mesas e cadeiras me rodeavam e forçavam o desespero desleal. Conseguia ouvir os sussurros daqueles que já se foram, e a ausência dos que partiram para outra cidade. Meus olhos enchiam de água e minha língua amargurava, amarrando-se aos meus dentes.

No meio dos escombros, uma figura se destacava brilhando em um pequeno círculo laranja.

— Gabriel? Onde caralhos você esteve? — Era Marcos, fumando um baseado na sala em que costumávamos estudar matemática — Sente aqui meu querido! Eu não sabia que você viria... Dessa vez eu não tenho nada pra te dar.

— Oh, o mais arrombado dessa cidade está perdoado na presença de vossa granditude! — Disse sorrindo — Ah... Que saudade... Como vai? — Sentei ao lado esquerdo do armário caído — Passa esse queridinho aqui — estiquei minha mão e peguei o cigarro — já eu possuo um enorme presente, minha frente companhia.

— Ah, claro! Estou honrado... Sabe, apesar de sua partida, teu nome nunca caiu em desuso, mas acredito que já deve saber disso né? — Balancei minha cabeça afirmando. Puxei o ar e exalei a preocupação — Eu te respeito demais, cara, mas sair sem sequer deixar um bilhete é maldade! Sabe, não quero parecer emocional ou um "viadinho", mas eu senti saudade de suas loucuras, risadas e... Seus olhos curiosos; tão instigantes... É essa palavra, né? — Marcos olhou profundamente nos meus olhos, pediu o cigarro e continuou a reclamar. — Você é um vacilão! Mas você sabe que eu te amo.

Entre pitadas e risadas, acabamos com o bendito cigarro de índole duvidosa e conversamos por horas. Apesar do ambiente inabitado, consegui me sentir confortável e acolhido na presença de Marcos, sempre com o frio adequado para meu deserto.

Ih mano, Você tem aonde dormir? — Disse entre tossidas. Abanava suas mãos no ar, tentando limpar seu campo de visão enquanto seu corpo se aproximava — Sabe que pode ficar na minha casa por um tempo — tocou meu ombro com atenção. Em seu pulso, exibia a pulseira da época em que éramos quatro amigos. Aquele artefato fez com que lembrasse do motivo de estar aqui, afastando o sentimento de segurança - se quiser, é claro.

— N-não obrigado — disse gaguejando — Tenho que encontrar um amigo, o Samuel — Marcos me olhou perplexo — Você não se lembra também? Parece até que ele não era famoso hahaha. Lembra... O moleque do bullying?!

— Ah! Porra... — Marcos "parou no tempo" por alguns segundos — Claro que lembro! Ele era parecido demais com ti — ele apontou com seu cigarro, ainda aceso, à minha face, enfatizando nossos pontos parecidos. — Saudade daquele filha da puta, saudade.

— Bom... Adeus então — levantei e o abracei.

— Senti saudades, de verdade — disse encaixando minha cabeça em seus braços. — Vê se não some de novo — em seu abraço apertado, suas mãos percorriam minha cintura.

— T-tchau!

Me desgrude do seu corpo e saí envergonhado. Seus olhos vermelhos se despediram de mim como uma criança olha para sua única figura responsável, dizendo-lhe que iriam sair sem o levar... Talvez seja pelo fato de eu realmente sempre ter sido o mais responsável do grupo, ou, talvez, que ele me reconhecesse como uma figura confiável.

Apesar de seu costume mal visto e carregado de preconceito, Marcos nunca foi uma pessoa sem visão, futuro ou educação... Na verdade, ele é um "menino" muito educado que vive sonhando e estudando em busca de um futuro melhor. Para ser honesto, o grande motivo dele ter "entrado" neste caminho foi a pressão contínua que ele sentia da sociedade, sempre ouvindo palavras duras demais.

"Nossa sociedade nunca aliviou sua mão pesada das costas daqueles que não andam; que não se conformam com os padrões do povo escolhido ou qualquer coisa que converge desse tal padrão incansável; intocável."

— Marcos

Por onde você anda - DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora