As festas de fim de semana sempre vinham regadas de bebida alcoólica e drogas a vontade. Quer dizer, as bebidas eram normais até certo ponto, mas os alucinógenos eram uma novidade. Principalmente porque não eram fáceis de conseguir, trazer LSD pra uma festa não era como abrir o armário de remédios do banheiro da sua mãe e pegar os antidepressivos. Os novos vícios dos estudantes incluíam cocaína, LSD, maconha e ecstasy. Sendo assim, se você precisa comprar mas não tem um fornecedor, uma festa dessas resolve o seu problema.
Caminhei até a casa do Finn sem pressa, ficava a dois quarteirões da minha casa e caminhar me ajudava a melhorar meu raciocínio depois de ter tomado uma pílula pra dormir durante o dia. Minha dieta tem sido basicamente essa durante a semana, pílulas da inteligência antes de estudar e antes das provas importantes, cocaína pra me manter acordada durante os estudos e remédios pra dormir a noite. Isso acabaria em alguns meses quando eu finalmente concluísse o ensino médio, então eu não penso nas consequências com tanta frequência, a maconha é só um bônus pelo meu esforço.
Dez minutos na festa do Finn foram o suficiente pra dar de cara com metade da escola, as mesmas pessoas que me julgaram por meses depois que meu relacionamento acabou. Algumas das garotas ainda me olhavam torto e cochichavam quando me viam pelos corredores. Tentei ficar invisível pra não ser um alvo, me mantive sozinha e desisti de tudo que me dava atenção de todos, desisti das Cheeriver's, meu time de líderes de torcida. As mesmas que hoje fingiam não saber quem eu era. Não fiz mais questão de tentar explicar pras pessoas que eu não era uma puta, que pensassem o que quisessem, eu sei a verdade e isso que importa.
Procurei Drax por toda a casa e me decepcionei ao perceber que ele ainda não tinha chegado, o que me fez acionar uma nota mental de falar umas merdas pra ele quando o visse de novo. Ele sabe que só posso ficar chapada até as seis da manhã, então quanto mais cedo eu fumar minha maconha, melhor pra minha sobrevivência na casa dos meus pais. Me joguei no sofá branco no meio da sala e deixei a cabeça descansar para trás no apoio para as costas. O teto era branco e tinha um lustre de vidro parecido com o da sala de jantar da minha mãe. Lembro quando ela comprou o lustre, foi depois que meu pai acidentalmente a empurrou em direção ao criado mudo, lembro de ter ouvido os dois conversando baixo e quis saber o que era, eu tinha oito anos e estava perto da porta vendo o que acontecia. Ela bateu a testa e um corte pequeno foi aberto perto do olho direito. Com duas semanas o corte foi apagado da pele dela e talvez da mente depois do meu pai ter lhe dado um passe livre para redecorar a casa.
Fecho os olhos e tento apagar a imagem do pequeno corte no rosto da minha mãe, aquela altura eu não sabia o que fazer, então voltei para o meu quarto e nunca toquei no assunto, os dois eram adultos e eu não deveria me intrometer nos assuntos de um casal. Mas a cor do sangue na testa dela, bom, eu nunca esqueci.
— No que está pensando? — Abro os olhos devagar e deixo minha cabeça virar para o lado, dando de cara com o irmão de Drax exatamente na mesma posição que eu, mas olhando para mim.
Observo os detalhes de seu rosto, os olhos são pequenos e sem graça, exceto pela cor, eles são de um tom castanho brilhante que me lembra gotas de chocolate. O nariz não é nem um pouco empinado e pode ser descrito como gordo, já seus lábios são a parte mais fora de contexto, são carnudos e tecnicamente pequenos com uma linha sútil bem no centro. Volto a atenção aos seus olhos e noto que ele nunca deixou de olhar para os meus.
— De onde você vem é normal encarar quem não conhece? — Mordo o canto interno da boca sem me mover.
— Depende, se for recíproco. — Diz dando de ombros e completa — Mas nos conhecemos, então isso não se encaixa aqui.
— Nos conhecemos? — Dou uma risada debochada e volto a encarar o teto branco — Não lembro de termos sido apresentados.
Nem estou olhando, mas sei que ele está esboçando um daqueles sorrisos estranhos de orelha a orelha, o sorriso que lhe planta covinhas nas bochechas. Poderia ser fofo, se não fosse medonho. Ele parece estar no mundo da fantasia, com essa energia positiva sempre vibrando em cima dele.
— Bom, eu sou Namjoon. E você é a amiga do Namho que se chama Cely. — Reviro os olhos ao ouvir o apelido que me irrita, não posso deixar essa merda generalizar — Acho que esse é um bom começo.
Levanto a cabeça e endireito a coluna no sofá de olho na TV.
— Primeiro, meu nome é Celena. — Corrijo com a voz tranquila, pacífica — Segundo, onde está o seu irmão?
O moreno demora por uns segundos o olhar em meus lábios. Pisco os olhos algumas vezes mudando a direção do olhar e então encontro seus olhos de novo. Sua boca é tão carnuda que não parece real, inchada e rosada do jeito mais sexy que se pode imaginar. Puxo a respiração com dificuldade quando começo a imaginar o quão macio seus lábios podem ser.
A ultima vez que pensei na boca de alguém foi quando ainda era namorada de Logan. Seus beijos apaixonados no inicio do namoro eram os melhores, o jeito que tocava meu cabelo e me puxava para mais perto pela nuca. Os dedos sempre contidos e os sons baixos que emitia quando o calor entre nós intensificava. Costumávamos parar antes das coisas ficarem realmente quentes, mas uma dessas vezes não foi resistível para Logan e ele fez o que fez.
Afasto as lembranças para o fundo da memória, bem na parte onde deixo as coisas que adoraria esquecer. Reviro os olhos levantando a cabeça e dando de cara com a TV tela plana desligada, no reflexo da tela preta posso ver alguns dos estudantes dançando como idiotas e garotas se insinuando como se tivessem idade suficiente para estar com copos vermelhos cheios de vodka nas mãos derramando em seus seios mínimos para chamar atenção. Continuo observando a cena calamitosa com enjoo no estômago. Preciso urgente de qualquer coisa que me deixe fora de orbita até amanhã de manhã.
— Celena? — Olho para a lateral e encontro alguém que evito como se fosse o próprio demônio. Bryce Falls.
Estou imóvel com o lábio tremulo e olhos ardendo em chamas. Não consigo dizer nada, não quero dizer.
Bryce é ex-melhor amigo de Logan, quando tudo aconteceu ele estava presente, apesar de ter dito umas três palavras medrosas instruindo Logan a não fazer o que estava prestes a fazer, não foi humano o suficiente para impedi-lo e apenas ficou de pé de costas para nós enquanto eu tentava pedir que ele me ajudasse.
— Eu não... achei que te veria aqui. — Sinto minhas pernas mas elas não me obedecem quando penso em ficar de pé, não consigo parar de olhar nos olhos de Bryce, o encarando como se aquilo pudesse matá-lo.
Aqueles olhos medíocres que não tiveram coragem nem para ver o que estava sendo feito, foi com esses olhos que ele viu a minha maior desgraça e decidiu manter em segredo. Quando procurei Bryce uns dias depois do que aconteceu, disposta a denunciar Logan, ele disse que preferia não se envolver na história pois poderia custar o seu futuro estar envolvido em algo assim. Então me vi sozinha, a única testemunha que poderia condenar meu agressor era omissa. Eu era uma adolescente com medo de contar ao mundo por receio de ninguém acreditar, por receio do que iriam pensar de mim depois de ouvir que eu não era mais uma mocinha pura como somos instruídas a ser desde criança. Não precisou que eu contasse para que os boatos surgissem, mas como esperado, todos contra mim. Eu não era a vítima, eu era a garota oferecida e infiel.
Depois de passar um mês sem ver Bryce pelas redondezas, ouvi de um grupo de pessoas que ele havia se mudado para Austrália, então os boatos se tornaram ensurdecedores, diziam que ele foi embora porque Logan o flagrou comigo, acreditaram que por esse motivo terminamos, acreditaram que eu era a pior pessoa do mundo por tê-lo magoado. Acreditaram em tudo que ouviram, mas nunca calaram suas malditas bocas para me dar oportunidade de falar. É isso que acontece com vítimas de abuso, elas se calam pois sabem que mesmo se tentarem, são mínimas as chances de serem ouvidas. Compreendidas.
— Eu voltei da Austrália a uns dias. — Até a voz dele me faz sentir a raiva queimar no fundo do meu estômago — Você está... bem?
Sinto meus olhos queimando, estão ardendo e ficando encharcados de lágrimas que não consigo controlar. Finalmente consigo desfocar de Bryce e olho ao redor, todos estão olhando para nós. Me obrigo a dar comandos automáticos ao meu corpo, limpo os olhos e levanto esbarrando em todos para ir embora. Quase tropeço em um garoto sentado ao lado da porta com uma cerveja na mão, mas consigo me manter de pé e continuo andando.
Eu deveria ter socado a cara dele, deveria ter lhe dado um chute entre as pernas e gritado com ele por ser tão babaca e covarde. Eu deveria... eu poderia... mas sou tão covarde quanto ele.
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Magic Shop | KNJ
Fanfiction❝Você foi a MELHOR visão PSICODÉLICA que eu já TIVE.❞ Sempre mascando seu habitual chiclete de morango, Kim Namjoon se muda para uma nova cidade, um lugar em que ninguém o conhece, nem a sua fama de problemático. Esse é o cenário perfeito para...