𝒄𝒉𝒊𝒍𝒅𝒉𝒐𝒐𝒅 𝒂𝒏𝒅 𝒘𝒂𝒓

794 98 18
                                    

WARWICKSHIRE,ENGLAND
- 1922

Os psicólogos costumam declarar que quando nossas memórias por alguma razão se perdem ou se apagam em meio a tantos pensamentos,é porque definitivamente o período foi traumático o suficiente para seu subconsciente não manter nada como lembrança fixa,mas,como uma vaga memória de sua vida.
- eu não me lembro de como foi minha existência até os 6 anos,eu realmente tinha uma única certeza na vida,e essa era a certeza mais patética e infeliz que eu tinha ou podia ter...e era: o desejado sempre foi o Duke,e eu fui apenas um outro embrião.Então,para uma criança que desde cedo cresceu percebendo que o único desejado realmente ali,era seu irmão gêmeo...crescer sozinha foi a melhor opção que encontrei

Ter uma infância no meio de uma guerra mundial não era uma das tarefas mais fáceis,existiam limites de onde uma criança poderia ir na sociedade,principalmente filhos de soldados.
E para ser bem sincera,os filhos dos soldados que já tinham idade suficiente para entender que porra era uma guerra e o porque de seus pais terem se enfiado em uma batalha cuja a única coisa que poderia voltar deles,era uma dog tag.
- E desde então,eu cresci aprendendo como os meninos viam armas e como eles gostavam de fingir serem soldados,talvez,para imaginar como era ter o pai por perto e talvez para tentarem serem símbolos de orgulho desde cedo.

Algo que por ironia,eu adorava fazer.
- enquanto meu irmão gêmeo Duke estava ocupado sendo mimado por minha mãe,eu havia aprendido a escalar árvores altas demais para arriscar-se a subir e a segurar armas (pelo menos as feitas de madeira) e a me defender com minhas próprias mãos dos valentões que moravam na rua de nossa casa...
- ou melhor dizendo,defender Duke do bully Billy,um garoto mais velho e mais alto do que a maioria dos garotos da vizinhança.
Eu não sei por qual razão eu conseguia ser mais forte do que ele e fazê-lo sangrar até ouvi-lo implorar para que eu parasse,mas,eu definitivamente tinha raiva demais acumulada dentro de mim - e por a mesma para fora era necessário.

Me lembro de também apreciar brincar com garotas,ou ao menos,as que sabiam criar bons cenários de princesas (normalmente os catastróficos com dragões e torres) e que gostavam de vestidos caros e joias brilhantes - tal como eu.
Ironico,definitivamente...eu gostava de sentir meu cabelo bagunçado ao vento e sentir a adrenalina de balançar armas e fingir que era realmente perigosa e imparavel - mas eu adorava bisbilhotar os vestidos de cetim no guarda roupas de minha mãe,e colocar seus colares brilhantes e caros para fingir que eu,Davina,tinha dinheiro para tê-los.

Com os anos se passando,e minha adolescência ficando cada vez mais visível,eu notava que Duke continuava o filho dos sonhos - e eu ainda era o segundo embrião.
Eu continuava adorando joias,roupas,sapatos e qualquer coisa que o dinheiro em abundância poderia comprar - assim como continuava adorando brincar com armas e inventar roteiros onde eu era uma rica e poderosa mulher que nunca seria contrariada,pois tinha o poder de uma bala de chumbo certeira em mãos.
Apesar de detestar viver em warwickshire e detestar ver a vida que minha mãe nos dava,ao menos sempre que ela fingia ser uma mulher de respeito saindo todas as noites arrumada e voltando apenas de manhã - eu sabia que eu não havia nascido para ser apenas a "filha" de uma prostituta que mal me olhava e nem sequer tinha capacidade de se preocupar comigo,e eu sabia que a qualquer momento eu iria explodir de rancor por nunca ter recebido amor,e sim,um ódio cujo jamais nessa terra vou compreender.

Quando Duke e eu completamos 18 anos,minha mãe estava velha demais para seu posto de saciar homens nojentos,e a única coisa que a mesma tinha agora era o rancor de ter perdido sua beleza e seus presentes caros que vinham de todos os homens que deitavam-se com ela - tantos...que pelo patético sarcasmo do universo,ela havia adoecido.
- por culpa deles.

Minha mãe havia feito exatos 49 anos de idade,e de presente de aniversário,o inferno.
- minha mãe fora diagnosticada com HPV,que prontamente a matava aos poucos com o câncer de colo do útero.
E por uma maldita coincidência,Duke pareceu ficar ocupado demais com as coisas externas do mundo que se esqueceu da mãe que o mimou durante toda a vida.
E eu,cuja havia sido deixada de lado por todos os anos fui a única a me voluntariar a ficar ao lado dela durante esse tempo.
- e mesmo assim,aos olhos de Mary Sheldon...ainda existia apenas Duke,e só ele.

Mesmo que eu houvesse passado 2 anos ao lado dela lidando com o câncer da mesma,e a levando em qualquer médico que eu pudesse á procura de cura para o HPV de minha mãe,eu ainda era nada.
- eu continuei sendo nada para a Mary mesmo que eu tivesse sido a única pessoa a seu lado enquanto seus batimentos cardíacos paravam lentamente,e suas mãos já não tinham forças para aguentar.

Eu ainda era nada para Mary Sheldon,quando aos meus 20 anos de idade,sua última frase dita a mim foi: "se eu pudesse voltar no tempo,eu desejaria não ter você e não passar por nada disso" - e sinceramente Mary Sheldon eu também desejaria isso,do fundo do meu coração eu realmente desejaria não ter nascido de você.
Mas por alguma maldita razão,você foi a responsável por nascer,e agora você partiu...
E ao contrário do que você me disse,quando me pediu para cuidar do "pequeno Duke" - não existem mais crianças,e agora Duke precisa caminhar sozinho. Ao menos,sem você.
Assim como eu fiz a minha vida inteira.

continua...

𝐌𝐈𝐒𝐁𝐄𝐆𝐎𝐓𝐓𝐄𝐍|| 𝑫𝒂𝒗𝒊𝒏𝒂 𝑺𝒉𝒆𝒍𝒃𝒚 Onde histórias criam vida. Descubra agora