Capítulo 2

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- Tavares impedia você de se relacionar comigo? - quis saber Edgar.

- É verdade. Quando eu disse... - Ela interrompeu-se para dar um gemido por conta de mais outro doloroso espasmo. - Quando eu disse que iria visitá-lo, ele ficou enlouquecido. Praticamente me aprisionou. - Naquele ponto, ela baixou os longos cílios até quase cerrá-los. - Sei que é difícil admitir, até para mim mesma, mas não estou sentida com a morte dele.

Antes que Edgar pudesse se recuperar da última revelação feita pela irmã, algumas pancadas na porta foram ouvidas. Quem será agora? ele se perguntou, espiando por sobre o ombro direito para o vão de entrada do quarto. Assustou-se ao deparar com a figura de um homem na soleira da porta. Ele havia se esquecido completamente de Omar.

- Não fique aí parado! Vá ver quem é! - exclamou Edgar, contrariado. E, após um ou dois resmungos, ele voltou a atenção para a irmã, começando a livrá-la do casaco de lã grossa e escura, completamente encharcado.

Enquanto auxiliava Marine, podia ouvir o murmúrio de vozes abafadas e depois o ruído de passos apressados na direção do quarto. O som dos saltos contra o assoalho de madeira trouxe a certeza para Edgar de que se tratava de uma mulher.

- Marine? - chamava uma voz feminina.

Lorena Bicalho adentrou no recinto sem nem mesmo pedir licença e aproximou-se da cama. Edgar podia notar as feições preocupadas apesar da pouca iluminação que provinha da sala.

- Oh, não! - exclamou a mulher. - Era isso mesmo que eu temia! Estava retornando de uma conferência médica em Antep quando vi seu carro atolado num buraco no início do desvio da estrada - revelou Lorena, com um suspiro desanimado, observando o estado de Marine. E lançando um olhar desconfiado na direção de Edgar, prosseguiu a história, dirigindo-se diretamente para ele: - Resolvi parar e verificar se Marine ainda estaria dentro do veículo. Foi quando notei os rastros de pegadas moldadas na lama e que se dirigiam para essa cabana. - Após uma pausa para restabelecer o fôlego, questionou: - Observou o tempo entre as contrações?

Como ela pode esperar que um solteirão como eu tenha experiência suficiente para notar o que acontecia com uma mulher prestes a dar a luz a um bebê?, protestou mentalmente. E, em silêncio, terminou de descalçar as botas para aliviar os pés da irmã. Exibindo rugas de preocupação na testa, refletia sobre a coincidência de uma profissional experiente em ginecologia, residente em Wallis, aparecer ali, bem no momento certo e no meio de uma tempestade. Edgar não acreditava em milagres.

A moça loira e de olhos azuis, aparentando vinte e poucos anos, lhe parecia mais uma colegial do que uma experiente profissional. Porém, a segurança em seu comportamento e a firmeza da voz comprovavam que ela sabia muito bem o que fazia. Percebendo que Edgar não sabia o que responder, Lorena suspirou e censurou-o com o olhar. Depois retirou as luvas, o cachecol e o casaco, amontoando-os atrás dela, sem se preocupar onde caíam. Em seguida, inclinou-se próxima da cabeceira da cama e perguntou a Marine com gentileza:

- Sabe me dizer o espaço de tempo entre as contrações?

- Agora são praticamente seguidas uma da outra - revelou Marine.

Lorena sacudiu a cabeça com um gesto que denotava preocupação.

- Então não haverá tempo para aguardar um helicóptero de emergência. - E, assumindo uma postura decidida, direcionou o olhar para Edgar. - Muito bem, vou precisar de ajuda. Acenda o lampião sobre a cabeceira da cama e me traga velas ou lamparinas. Tudo que tiver que possa ajudar na iluminação. Depois, ferva um pouco de água e também arranje cobertores e lençóis limpos. Tem lençóis limpos, não tem?

Ansioso demais para ficar zangado e desperdiçar minutos preciosos discutindo com ela, preferiu providenciar o que lhe foi pedido. Contudo, a observação desdenhosa contida na voz de Lorena o aborreceu. Omar espremeu-se contra o batente da porta no instante que Edgar saiu apressado.

Apesar do comentário de Lorena sobre a inutilidade de chamar uma ambulância, ele ligou para o serviço de emergência dos helicópteros de resgate. Embora as esperanças fossem limitadas, preferiu assegurar-se do pedido. Quando terminava de providenciar os últimos itens solicitados por Lorena, já não confiava mais em receber ajuda a tempo. Era o preço a pagar por morar num rancho distante e solitário. Edgar trouxe mais dois lampiões para ajudar na iluminação e a única muda de lençóis que possuía. Até aquela noite ele considerava que era suficiente. Agora gostaria de ter muito mais para oferecer.

O mesmo problema não se repetia com os cobertores. Havia uma pilha deles guardados no armário. Nenhum rancheiro se arriscaria a ter baixo estoque de lenha ou mantas de lã. Ninguém poderia prever o frio que faria no inverno ou quanto tempo uma tempestade de neve poderia durar, Edgar pensava ao mesmo tempo que esvaziava as prateleiras do armário, lotando os braços da poltrona antiga e surrada, posta ao lado da cama.

- Ótimo - afirmou Lorena, enquanto reduzia o lençol que ele trouxera em tiras apropriadas e ao mesmo tempo secava o suor do rosto de Marine. - Agora prepare um bule de café e feche a porta quando sair. Preciso despir sua irmã e uma audiência é a última coisa de que ela precisa.

Edgar imaginou que Lorena deveria estar se referindo a Omar, porque ele mesmo evitara durante todo o tempo olhar na direção da cama. Já era difícil ouvir os gemidos da irmã, quanto mais presenciar as feições de sofrimento. Não desejava impressionar-se com a imagem de angústia pela dor que a estava atormentando. Tinha já tantas amarguras armazenadas na mente que poderiam durar pelo resto de sua existência.

Como ele suspeitava, Omar permanecia no vão da porta com o pescoço estendido tentando obter uma visão melhor do que acontecia dentro do quarto. Edgar saiu e arrastou o homem com ele, antes de fechar a porta e deixar as mulheres com a privacidade que o momento requeria. E, apesar dos ressentimentos passados, um forte sentimento de gratidão lhe invadiu o peito.

- Agradeço muito o que fez por minha irmã, Omar.

Para provar o que dizia, conduziu o homem até a cozinha e, após apanhar no armário uma garrafa de uísque e um copo limpo, convidou-o para se acomodar na mesa próxima ao fogão de lenha.


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