Capítulo 7

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Sem o chapéu, que ele raramente tirava da cabeça, a não ser para banhar-se e dormir, a careca reluzia sob a iluminação do lampião que ele trouxera para ajudar a enxergar as peças que cuidadosamente ajustava e pregava. Ele ergueu a cabeça e os olhos mal escondiam o embaraço que sentia.

- Madame! Quero dizer... Excelência!

- Calma, João. É apenas a Katerine. Não estamos no tribunal.

Ela sorriu com simpatia.

- Como vai, João?

- Muito bem. Obrigado. - Ele agradeceu e lançou um olhar de surpresa para Edgar, segurando a chave de fenda em uma das mãos, com dedos trêmulos.

- Katerine quer ver o bebê.

Edgar sabia que João costumava ficar encabulado diante das mulheres e ainda mais uma que representasse a lei. E, infelizmente, Katerine exercia a mesma reação por parte de ambos. Procurou ignorar a influência dela enquanto tirava o chapéu e o casaco e os pendurava no cabideiro atrás da porta. E fingiu a mesma indiferença quando Katerine liberou-se do cachecol e do casaco de lã e os entregou a ele para guardá-los. O vestido que usava representava mais um desafio. Era todo na cor preta e discreto. Porém, ele não conseguiu impedir-se de lhe notar as curvas perfeitas. Ainda bem que não teve de se confrontar com Katerine na Corte, algumas semanas antes, pensou com alívio.

- Preciso checar algumas coisas - anunciou João Montes e ergueu-se com a costumeira agilidade. - Depois eu termino de montar o berço. Fiquem à vontade.

- Não queria tê-lo interrompido - Katerine informou antes que ele saísse pela porta dos fundos. - Mas foi um prazer revê-lo, João Montes.

O caubói quase derrubou as coisas que levava nos braços. Mas devolveu a gentileza com um gesto polido da cabeça. Depois se lembrou de avisar Edgar.

- A criança não tomou todo o leite da mamadeira. Por isso, acho que logo irá sentir fome outra vez.

E com aquelas palavras o pequeno homem abandonou o recinto.

- Acho que eu o assustei - supôs Katerine.

- Você deixa a maioria dos homens nervosos - revelou Edgar baseando-se nos comentários que ouvira na cidade.

- Inclusive você?

Ele sustentou o olhar e considerou o que ela acabava de perguntar... e odiou-se por admitir intimamente.

- Quer mesmo saber?

Por um instante, ele imaginou que ela fosse confirmar, contudo, Katerine limitou-se a um sorriso e apenas resmungou enquanto se dirigia para o canto da sala a fim de ver o bebê:

- Algumas coisas devem permanecer em segredo...

Enquanto ela cruzava o espaço até a poltrona reclinável, que servia de berço para o bebê, Edgar permaneceu com as sobrancelhas erguidas, numa expressão de surpresa. Nunca a tinha visto desistir de um desafio. E quando percebeu Katerine inclinar-se para olhar a criança, notou uma transformação que era de estranhar. Parecia que ela ficara tomada por uma ternura que mudava completamente sua fisionomia. Talvez isso fosse explicado pelo instinto maternal que as mulheres costumam ter.

Por fim, ela sentou numa cadeira ao lado da poltrona onde o bebê estava acomodado e suspirou. Edgar aproximou-se, mas logo se arrependeu. A expressão de ternura que ela ostentava parecia desconcertante. E pior. Fazia com que ele despertasse na mente imagens do passado que preferia deixar onde estavam.

- Ela é linda!

Pelo menos nisso ambos concordavam.

- E muito pequena! - exclamou Edgar. - Fiquei surpreso de que me permitissem ficar com ela.

- Imagino como deve ser difícil lidar com um bebezinho! Mas como se poderia resistir? Olhe só que lindos cachinhos... Ela parece ter a mesma beleza de Marine.

Ele nunca pensara na irmã sob o aspecto da beleza. Porém, agora que Katerine salientara isso, recordou-se de que Marine era de fato muito bonita. Pena que nunca lhe dissera. Sentindo uma nova pontada de angústia no peito, ele retirou-se para a cozinha, com a desculpa de checar o assado. E após retirar a assadeira do forno, colocou-a no canto da pia. Katerine dissera que não iria se demorar e, quanto a ele, ainda levaria algum tempo para ter apetite. Quando o silêncio ficou embaraçoso, Edgar resolveu perguntai de uma vez.

- O que precisava falar comigo, Katerine?

Dando uma última espiada no bebê, ela se ergueu. Mas em vez de aproximar-se dele, preferiu posicionar-se na frente da janela e admirar o céu azul e sem nuvens. Com a ponta de um dos dedos ela tocou um canto da; vidraça para analisar umas gotas congeladas. Mais uma vez ele recordou-se da garota que ficava fascinada com a ação da natureza.

- Estava curiosa em saber sobre seus planos para o futuro - murmurou Katerine.

- Por quê? - retrucou ele, em tom rude. Sabia que não iria demorar a começar o interrogatório que, provavelmente, acabaria com o pouco que lhe restava de nervos!

- Há muita conversa rolando no Café.

- Sempre há conversas no Hip - ponderou ele mal-humorado. - Por que foi lá? Eva não cozinha para você?

- Algumas vezes não dá tempo de almoçar em casa. E outras, vou para tomar um café mais natural do que aqueles produzidos em máquinas. Além do que, é a melhor forma de saber muita coisa que se passa na cabeça das pessoas.

Tudo o que interessava àquela gente ociosa era falar mal da vida alheia. Era o que Edgar pensava e por isso sempre evitara o lugar. Tanto quanto a proprietária. De qualquer forma pouco se importava com o que falassem. Mas já que Katerine tocara no assunto, Edgar perguntou:

- E o que foi que ouviu?

- Além dos cochichos e fofocas, algo sobre a ação na Corte para tirar o bebê da sua proteção. - Como se de repente sentisse muito frio, ela cruzou os braços contra o peito. - Fiquei preocupada e quis ter certeza se você sabia algo sobre isso.

Ele ergueu uma das sobrancelhas e lançou um olhar cético.

- Não é contra a ética um juiz fornecer informações para um réu em potencial?

- Nos conhecemos há muito tempo, Edgar. E isso também conta.

- Conhecer não é o termo exato, não acha? - indagou ele, com indisfarçável cinismo. Depois aproximou-se dela, para poder falar mais baixo e não despertar o bebê. Mesmo porque sabia que a conversa estava tomando um rumo desagradável.

- Nos conhecíamos porque estávamos na mesma série do colegial. Ambos éramos amigos de Alex. E, com a morte dele, todo esse passado ficou esquecido e nos afastou para sempre. Seria melhor se você não tivesse de lidar comigo nunca mais.

Aquela declaração a abalou. E quando ele abriu a porta para que ela saísse, Katerine apressou-se, mas, antes de abandonar o local, rebateu com a voz firme:

- Acredite ou não, sempre o considerei um amigo.

- Com certeza. Talvez porque tenhamos muito em comum, não acha?


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Um Caso de Amor-DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora