Primeira carta

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Espero que algum dia alguém encontre esses relatos. Meu nome é Luci, e eu não  sei onde estou, minhas únicas certezas são  que estou trancafiada em um sanatório clandestino em algum lugar esquecido por todos, e sobre os horrores vividos aqui.
Não sei se algum dia alguém lerá isso, não sei se fará a tempo. Não posso me agarrar a tão falsas e incertas esperanças.
Esse lugar faz você duvidar de tudo que acredita, de todas suas crenças e de sua própria sanidade. Não sei se deve confiar em tudo oque eu lhe disser, talvez deva duvidar de cada palavra escrita por mim, pois as vezes me pego por duvidar de que tudo aconteceu e se tudo não são apenas delírios de minha mente confusa e atormentada.
Fui colocada aqui aos 21 anos por meu marido, Carlos. Talvez ele não soubesse oque fariam comigo ou talvez imaginasse.
Para todos os efeitos eu o amava e a primeira vista éramos o casal perfeito. Desfilávamos sobre as calçadas do Rio de janeiro em 1999, nos empanturrávamos nos restaurantes mais caros da zona sul. Assistíamos de camarote a Imperatriz Leopoldinense  ser campeã, assim como estávamos presentes  quando no ano anterior a mangueira e a beija flor dividiram o título. Sem contar de nossas inúmeras viagens ao exterior, meu marido era um homem de negócios muito bem sucedido e respeitado. Um homem bom íntegro a primeira vista, e era publicado nos jornais a notícia de sua suposta candidatura  para as próximas eleições como prefeito do  estado. Na verdade o homem bondoso e marido dos sonhos era uma linda e nojenta fachada, ele era alguém terrivelmente ambicioso, um cônjuge infiel e um descarado mal caráter . Por diversas vezes eu o flagrei com outras mulheres e sábia da sua insaciável sede por poder. Sabia também que recentemente naquela época ele começará a receber visitas de homens muito esquisitos e como o mesmo gostava de soletrar para mim “ muitíssimos poderosos" nunca soube do que se tratavam as longas conversas pelas madrugadas com janelas fechadas . Ele me trancava em nosso quarto durante esse período, mas certo dia meu marido que era um verdadeiro canalha estava pior do que costumava ser.
O vi receber um telefonema em seu gabinete naquela manhã e aparentemente ele teria outra daquelas estranhas reuniões mas dessa vez algo parecia diferente, ele estava mais agitado e relutante do que nunca e isso despertou minha atenção e curiosidade. Logo após o jantar o vi sair a pé com um enorme sobretudo preto por cima das roupas . Fui então até o quarto do mordomo discretamente e confisquei para mim a chave reserva de meu quarto. Era tarde da noite quando ele chegou os empregados já haviam ido se deitar pois o toque de recolher as 00 horas era a ordem suprema da casa imposta por meu marido. Ele não estava sozinho, estava acompanhado de uma bela e jovem moça com roupas incrivelmente extravagantes. Vi quando os dois entraram pela porta dos fundos . Me deitei quando o ouvi andar pelo corredor em passos nervosos até a porta do quarto, ele a abriu e apenas confirmou que se eu estaria a dormir, depois trancou a porta mas dessa vez com a chave . 

De repente um reflexo luminoso passou depressa e quase despercebido  pela janela se eu não o conhecesse muito bem, os homens haviam chegado e como de costume deixaram  seus carros a alguns metros de distancia da casa do outro lado da rua. Foi quando vi Carlos sair acompanhado da dama pelos fundos e ir encontro a eles.
Tudo me pareceu muito estranho, quem seria ela ? Um deles ? Mas se fosse porque se vestir assim?. Abri a porta do quarto e sai na ponta dos pés fechando novamente o cômodo atrás de mim com a chave.  Me esgueirei pelo corredor e então desci as escadas e furtivamente adentrei seu escritório até então semiaberto. As janelas e cortinas estavam fechadas, havia algumas velas espalhadas pelo cômodo, um grande plástico a forrar o chão e alguns desenhos nele .
Senti um certo desconforto e até medo mas estava curiosa demais para deixar aquela chance passar, abri o enorme armário antigo que meu marido insistia em manter naquele local pois dizia que “ os ternos de um homem são ferramentas de trabalho e é uma obrigação os manter junto com as demais" , o por que? Eu não sei, ele apenas era esquisito. Me escondi entre as roupas e fechei a porta, olhando através dos espaços que ela apresentava .
Vi quando os homens entraram na sala, a mulher foi a última a entrar no cômodo seguida apenas de meu marido que fez questão de trancar a porta logo após a passagem da moça. Ela pareceu atordoada e levou alguns segundos para demonstrar confusão, Carlos retirou do sobretudo um pano e com rapidez tampou a boca da moça que se debateu por alguns instantes mas logo desacordou . Os homens apenas os olhavam com um certo sorriso e fascínio em seus rostos. 
“No que eu me meti ? “ foi a primeira coisa que me veio a mente. Sabia que não tinha mais volta e que não poderia sair dali, ainda não tinha intendido oque estava acontecendo mas sabia que provavelmente estariam cometendo um crime aquela noite.
- Você é patético Carlos, uma lona? Acha que oque fazemos é algo para armadores ou algum tipo de brincadeira ?- O homem aparentemente com mais autoridade entre eles o reprende .
- Me desculpe, não quis os ofender, tenho muitos empregados na casa por isso fui tão contrário de fazermos a cerimônia aqui. Além de que minha mulher é irritantemente observadora se algo se sujar ela provavelmente notaria e colocaria seu nariz onde não lhe é chamada. 
- Não consegue controlar nem seus empregados nem sua mulher, começo a achar que escolher você foi uma decisão errada.
- Claro que não senhor, sou um homem eficiente e tenho muito a acrescentar, eu apenas estava sendo cauteloso pois pessoas medíocres e normais não entenderiam. 
Meu marido retirou um enorme quadro da parede revelando símbolos até então nunca vistos por mim, ele sentou a moça de frente para sua mesa e para o armário, amarrou os pés  e mãos e retirou suas roupas, trocando-as por um belo vestido de ceda vermelho.
A cada instante eu me apavorava mais, agora já podia deduzir oque fariam com a moça e comigo se me descobrissem ali. Tinha 5 homens naquela sala e seria inútil gritar ou tentar salvar a pobre garota. Se fizesse não séria poupada,  sem dúvida alguma.
Carlos se aproxima do armário e meu coração dispara, o suor escorre pelo meu rosto e meu peito congela, por instantes achei que aquele momento seria o meu fim mas ele apenas pegou uma velha caixa de madeira de cima do móvel.  Ao abrir a caixa o conteúdo dela e pego por ele . Uma seringa e um liquido incolor se é revelado como os conteúdos da caixa . Naquela época eu não sabia oque era aquilo eu teria uma noção minutos seguintes mas não imaginava que algo por mim desconhecido se tornaria meu velho e conhecido carrasco.

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