Terceira Carta

3 2 0
                                    

Não vou enrolar muito mas preciso deixar em evidência algo logo de início, quando um paciente tem um tempo considerável aqui, chega um momento em que o matam. Eles acabam com quem já está nesse local a mais tempo para abrir espaço para os novos pacientes . E pelo visto meu fim está perto por esse motivo resolvi escrever estas cartas em um ato desesperado por temer o meu fim.
Fiz uma amiga aqui dias após minha chegada, ela se chamava Sara era uma mulher em seus 46 anos, uma a mulher forte, que estava aqui a alguns anos, ela me ensinou muitas das coisas que uso para sobreviver .
-Seus medicamentos, não os tome. Coloque embaixo da língua .
Estávamos encostadas no muro, tomando nosso “banho de sol" diário enquanto ela me dizia oque sabia.
- Se nós se não ficamos loucos por conta do lugar e dos remédios ou não, passaremos pelo “tratamento”. Você já ouviu falar em lobotomia ?.-
- Não. 

- É basicamente a retirada de lobos celebrais, no caso desse lugar tem unicamente a intenção de nos deixar em modo vegetativo . 

Enquanto ouvia tudo aquilo, pensava em como seria bom não sentir nada em um lugar desses. Naquele momento desejei passar por aquilo.
- Mas eles são bem criativos para essas coisas, usam muito mais do que isso para acabar com nossos espíritos. Eu já fui uma jornalista, você acredita ? .
- Por isso acabou aqui? .
Ela olhou para o céu, suspirou e forçou um sorriso fraco.
- Sim, foi por isso .
- Me desculpe, não quis ser insensível .
- Não se desculpe, não importo de dividir minha história . Quem sabe um dia você consiga sair daqui ou a repassar a diante . Trabalhava para um jornal em São Paulo escrevendo matérias sobre esportes, meu sonho sempre foi escrever uma grande matéria investigativa, não é como se eu não gostasse da minha função mas eu tinha essa ambição. Queria sentir a adrenalina da investigação, revelar os podres dos ricos ao mundo.  Quem sabe um político corrupto ? Uma jovem dama filha de um fazendeiro que encomendou um assassinato?. Sério, cheguei a sonhar diversas vezes . A noite me pegava a pensar nessas coisas como enredos de filme. Com certeza eu seria uma ótima roteirista de filme de ação. Foi quando resolvi sair uma noite durante a madrugada, eu estava acordada pois tinha que acabar de escrever um artigo para entrega mais tarde no mesmo dia, ele teria que passar pela revisão do editor chefe pois era um caso de uma suposta corrupção e intervenção política  no futebol do país, isso foi em 96. Não era exatamente um artigo de investigação, apenas passar a informação  mas para mim que estava até então falando sobre placar de jogos e como é a dieta de tal atleta, para mim era algo importante . Vi uma oportunidade de mostrar meu potencial mas infelizmente me ocorreu algo chamado bloqueio criativo devido a minha ansiedade e nervosismo.  Então como disse sai para esfriar a cabeça, lembro que durante meu passeio encontrei  um jornal jogado em um banco na praça e na capa tinha alguma notícia aleatória sobre o presidente  Fernando Henrique Cardoso, o jornal se tratava de um concorrente do que eu trabalhava mas a matéria de capa estava muito bem escrita e isso me distraiu, quando dei por mim estava a andar em uma rua que não me era de costume, um lugar não muito seguro para uma mulher andar pela madrugada e desacompanhada, foi quando vi homens encapuzados saírem de um prédio e irem em direção a um automóvel que os esperava em frente, mas um deles retirou o capuz antes de entrar no veículo.  Logo de cara o reconheci era um empresário importante na região então a partir daí fiquei na cola dele. Eu descobri que ele e a ordem trazer armamento de fora do país e trocam por favores com os criminosos. Descobri nomes, tirei fotos, então descobri do que isso realmente se tratava, que não é só um grupo de homens ricos que se divertem fazendo atrocidades, algo que estava além de minhas compreensões, Luci você acredita em Deus ?.

- Não sou uma das cristãs mais fervorosas, porém acredito .
- Eles entretanto fazem negócios com o concorrente . Eu soube da existência desse lugar enquanto estava livre mas não sabia oque realmente se passava aqui até está realmente aqui. Coloquei uma escuta uma vez no celular desse empresário e ouvi uma conversa sobre um lugar onde depositavam os imprestáveis e desertores, não te direi nomes pois você pode soltar em uma das visitas de tortura que anda tendo, não que não confie em você mas porque é mais seguro assim. Mas fiz um dossiê com todas as monstruosidades e tudo que descobri . Aquilo colocaria mais de três dúzias de políticos e homens ricos pertencentes a ordem na cadeia . Mas infelizmente estou aqui, eu não soube a hora de parar .
- Você é uma jornalista, e é alguém consciente e honesta jamais pararia enquanto pode-se salvar mais vidas e colocar mais corruptos na cadeia .
- Porém era oque eu deveria ter feito . Se algum dia você conseguir sair ou ao menos falar com alguém lá fora, procure o dossiê. 
- Como saberei como o encontrar ?.
- Não sou uma armadora desde que fique ciente disso e tenha a persistência, você vai o encontrar .
- Não sei como, mas iremos sair desse lugar.- disse eu, mesmo não acreditando em nenhuma palavra .
- Meu tempo aqui está acabando, irei passar pelo tratamento em breve.- Enquanto ela falava tal frase, seus olhos que se mantiveram firmes até aquele momento começaram a lacrimejar .
- Não sei oque dizer.
- Meu tempo pode estar acabando mas o seu apenas começou, então saia daqui por nós duas e divulgue meu dossiê ao mundo. Fazendo isso você não me deixará ter vivido em vão, nem a mim ou a cada pessoa que se encontra nesse lugar.
- Nós vamos dar um jeito, eu prometo se sair, volto para buscar todos vocês.
- Se possível volte com uns 250 policiais armados.
- Farei isso.- Ela leva as palmas das mãos aos olhos enxugando as lágrimas. 
- Se passar pelo tratamento tem possibilidades de não ficar em estado vegetativo, alguns desses procedimentos mostravam alguma melhora para alguns pacientes em contra ataque os que não morriam, perdiam a consciência  ou não conseguiam mais andar, ficavam cegos e etc..
- Mas eles fariam diversos testes para comprovarem a condição.
- Olha oque eu passei até agora, acha que não aguento ter uma agulha enfincada em minha coxa ou algo do tipo? Oque me move, oque não me faz perder a esperança, oque não me deixa perder a teimosia é o precipício. Eu estou a metros dele, é mais divertido ir contra as probabilidades,  se  não posso mudar oque tenho certeza que irá acontecer ao menos lutarei até o fim.
- Você é uma mulher e tanto.
- Sou uma mulher negra que saiu de baixo e se tornou jornalista, sou uma investigadora não credenciada que deixou esses malucos ricos com tanto medo que me colocaram aqui, sou alguém com uma fome insaciável por viver.
- Queria ter essa força .
Eu admirei naquele momento o quão forte Sara era, queria ter ao menos três porcento da sua vivacidade ou esperança.  Minha alma já estava falecendo não só pelos pesadelos a noite mas também pelo terror vivido durante o dia.
- Você é forte Luci. Consigo me ver em você, sua impulsividade é apenas sua vontade de viver disfarçada.  Você não perdeu as esperanças apenas prefere pensar assim.
- Então farei uma promessa a você, não sei se conseguirei sair daqui mas salvarei a todos.
-Então o faça Luci, salve a todos nós. 

Sara me explicou sobre a hierarquia da ordem, são posições de 1 à 10, onde o número dez até o seis  são os subordinados, se livram de corpos ou cumprem funções menores do cinco ao um ai sim são os podres de ricos, a liderança dessa seita monstruosa .
Dias após nossa conversa ela passou pelo tratamento e aparentemente está inconsciente. É triste olhar para aquele rosto todos os dias e ver que seu espírito já não está mais ali. Quem me incentivava a viver já não estava mais lutando por isso. Mas meu coração ainda carrega a vaga esperança do que ela me disse aquele dia. Minha insatisfação com a realidade me nega a crer que ela está realmente inconsciente por tanto todos os dias converso com ela, arrasto a mesma em sua cadeira de rodas por ai não importa em que condição eu esteja. 
“Ela está sendo forte, seja também.” É oque me falo sempre.
Mas voltando ao presente, hoje levaram mais um para utilizar como oferenda para os rituais , esses caras são doentios . Todos eles, desde os mandantes dessa merda toda a cada enfermeiro .

Tem um enfermeiro novato,  que precinto ter maus intenções com os pacientes, não é em relação a tortura mas sim assédio. Ele está aqui a alguns meses e ouvi os outros enfermeiros conversando sobre ele ter sido capanga de um político, que ele era algum tipo de lixeiro ou seja, se livrará de corpos . Mas ele tem dado atenção indevida a pacientes que já passaram pelo tratamento e o vi o olhar de forma estranha para Sara enquanto caminhava com ela depois do almoço. Ele viu que eu percebi seus olhares para minha amiga e simplesmente se virou e saiu andando. Tenho por enquanto a “ proteção “ de meu torturador, temo que isso não vai durar por muito tempo por isso tenho que dar um jeito nesse cara o quanto antes . 
Tenho que parar de escrever, está tendo uma movimentação estranha no corredor e não quero ser pega .

Fim da carta .

Cartas de Luci Onde histórias criam vida. Descubra agora