Segunda carta

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Se estiver lendo essa segunda carta significa que de algum jeito consegui as tirar de dentro desse local. Nessa carta revelarei oque aconteceu após minha chegada.
Eu não sei quanto tempo faz que estou aqui, parei de contar depois de alguns centésimos por isso não posso afirmar com veracidade quantos anos estou nesse inferno. Meu primeiro dia aqui pelo contrário lembro-me como se tivesse acontecido ontem, eu abri meus olhos e estava em uma sala com paredes de cimento até então desconhecida. Olhei ao meu redor e foi quando percebi que meus braços estavam amarrados e eu estava em uma camisa de força. Estava deitada sobre uma maca de metal, eu não iria fazer barulho pois não queria chamar a atenção de quem é que fosse que me colocou ali. Me levanto aos poucos e por sorte meus pés estavam soltos . Ao olhar ao meu redor vejo uma enorme e maciça porta de metal com uma pequena abertura superior que me permitiria ter uma vaga visão do  exterior da sala. Aos poucos como um animal acovardado me ponho a chegar perto da abertura, me ponho sobre as pontas de meus pés e me obrigo a olhar para fora da cela em que estava. Naquele momento vi que meu confortável cômodo não era o único planejado daquela forma, estava em um corredor repletos de salas do mesmo tipo. 

- O arquiteto provavelmente foi demitido depois disso.- sussurro com um certo sarcasmo estupido e desnecessário devido a situação em que me encontrava.
As paredes dos corredores não eram em cimento grosso como o interior de meu quarto, um branco gelo desvanecido, gasto e amarelado a medida que se aproximava do chão. Meus sentidos pareciam estar se recobrando naquele momento, pois um forte odor me invadiu as narinas . Não era cheiro de remédios como devia se esperar, já que estou trancada em uma cela com um camisa de força me atrevo a deduzir que estou em alguma clínica de recuperação para doenças mentais ou algo do tipo, mas era um cheiro diferente, forte, como se um animal estivesse entrado em decomposição e por instantes volto a atenção a mim mesma pois em um breve lapso de tempo chego a crer que talvez aquela fedor estivesse vindo de mim. Aliviada por não estar fisicamente podre chego a suspirar e repousar uma das mãos em meus cabelos. 
É quando retorno a abertura na porta, um silêncio infernal estava instalado e aos poucos me aproximei ficando novamente na ponta de meus pés para a alcançar. No momento em que meus olhos encaram o mundo exterior de minha suíte  presidencial, meu coração para por um momento, uma de minhas mãos vai a boca abafando o grito estridente que percorria minha garganta e por um momento me desequilibro . Do outro lado do corredor, na cela em frente a minha e também na janela havia um homem careca, com perdidos e amedrontadores olhos azuis fixados em mim. Recupero meu equilíbrio e olho novamente na abertura, ele continuava lá.
Ele me fixava, seus lábios finos com machucados abaixo do nariz, rosto e cabeça com feridas expostas com secreções mascaravam traços de alguém que havia sido muito belo um dia. E é quando me dou o luxo de perceber que o terrível cheiro de morte provavelmente viria do moço. Passamos minutos a nos encarar, eu não me arriscaria a falar uma única palavra mas alguma coisa me prendia a fixar meus olhos sobre a figura que agora fazia caretas catatônicas, moscas rodeavam pousavam em suas feridas e por um momento naquela época jurei ver uma lágrima rolar de seu olho . Ele se virou expondo uma parte de sua cabeça, onde deveria estar uma lustrosa careca ou uma cabeleira vibrante agora era um terrível e medonho criadouro de moscas .
Ele adentra seu aposento a fundo e não consigo o ver mais. Então uma alta e atordoante sirene se é tocada e por culpa da tensão do momento dou um ressalto para trás, então ouço passos, gritos, risadas e choros . Rapidamente me jogo em um canto vazio e vejo alguém colocar o rosto no espaço que segundos antes eu usava para bisbilhotar.
- Ela está acordada.
Ouço uma voz masculina que se sobressaia em meio ao alvoroço .
- Todos para dentro! Não sejam lentos.
- Daniel, não esqueça de fechar a cela da Tania. Não queremos que ela vague durante a madrugada como da última vez.-
Vejo a pesada porta ser destrancada e arrastada para o lado e uma silhueta feminina passar por ela. Uma mulher de meia idade trajada de jaleco, pequenos saltos pretos e um coque que prendia seus cabelos negros . Seu marcante batom vermelho realçava ainda mais o olhar medonho contornado
.
- Se levante, não temos o dia todo .
Continuo a encarar como uma animal afugentado, ela era algum tipo de enfermeira, mas não tinha nenhum crachá que a identificasse ao invés disso em seu peito existia fixado ao jaleco uma símbolo com uma pena no centro e ao lado um pequeno X .
Ela vem em minha direção furiosamente suas mãos envolvem meus cabelos e em uma tentativa violenta de me arrastar, ela me puxa me forçando a me mover do lugar. Nem sempre fui uma dama da alta sociedade e em meus nervos corre o sangue de quem veio do mato. O bicho selvagem que antes fora domesticado havia sido despertado naquele momento, não sou uma das mais fortes mulheres, mas com toda a certeza sou uma das mais teimosas e foi esse um dos motivos que levou aquele jovem e ambicioso homem da elite a se apaixonar por mim. Eu abandonei tudo e até o amor verdadeiro por um deslumbre da capital. 
Enquanto ela puxa continuo fazendo força com o pés  e me jogando para o lado oposto e quando vejo um maior esforço da mesma sendo obrigada a gritar por ajuda me jogo com tudo contra seu corpo a fazendo cair contra a parede, nesse momento me levanto e saio da sala correndo.  Me deparo com um imenso corredor com várias celas. Corro em direção a um dos lados sem olhar para trás, e é quando percebo que já haviam mais pessoas de branco a correr atrás de mim . Me deparo com uma porta e ao entrar vejo que é uma cozinha, olho de relance talheres recém lavados em cima de uma pia de pedra e corro para os alcançar . Pego uma pequena faca de cortar pão e um garfo mesmo com as mãos atadas as roupas faço o possível para segurar os objetos então ouço os gritos e os passos apressados de meus perseguidores, vou até o outro lado do cômodo e vejo que a porta que dá acesso a outra sala   se encontrava fechada, mas ao seu lado uma janela estava entre aberta .
Levanto a janela a abrindo totalmente com uma certa dificuldade e me jogo imediatamente para o outro lado, acabo por cair no chão esbarrando em uma enorme lixeira de metal, me levanto e percebo que estou a poucos metros do exterior do prédio e me levanto e continuo a correr, desço então alguns degraus de escada quando o sol me vem de encontro aos olhos . Meus pés nus se encontram com chão cru, barro vermelho batido e ao olhar a minha frente um enorme muro que cercava o prédio. Naquele momento me ajoelho desolada, abaixo a cabeça me dando por vencida e começo a chorar.  Só me lembro de vários deles me segurando e uma terrível dor rasgar meu pescoço. Eu esperneava e gritava, mas só conseguia ver o número de pessoas a me reprimir aumentar e naquela momento apaguei novamente .
E naquela noite,  começava uma estadia deplorável em um lugar miserável.
Minha alma, minhas forças foram drenadas por esse lugar.
Quando dei por mim, estava na maca que havia acordado anteriormente. Mas dessa vez era diferente. Eu não conseguia me movimentar, estava atônita. Era como se uma força maior prendesse meu corpo. O silêncio era enlouquecedor mas não me atrevia a fazer som algum, uma brisa gélida percorria sobre meu corpo e  a escuridão consumia minha alma e o resto de sanidade a cada instante. Então como um sussurro medonho uma mulher falava em meu ouvido.  O hálito quente contra minha pele e a voz que me atormentava eram enlouquecedores mas foi quando percebi que as mãos perdiam minha garganta, e eu realmente não estava a me movimentar pois realmente algo me prendia ali. Tentei gritar mas minha voz não saia. 
Me debati tentando lutar contra aquela situação mas meu corpo não se respondia. Não consigo expressar oque senti naquele momento, minha barriga gelou e senti minhas ultimas porções de força irem embora. A voz repetia coisas para mim enquanto começava a apertar meu pescoço e começava me deixar sem ar. Foi quando em meio a escuridão algo apareceu. Ele estava em cima de mim, faixas de pele envolviam uma silhueta, não havia olho apenas uma abertura entre as faixas onde um ponta de faixa saia dentre elas.

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