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A atenção de todos estava presa à figura esbelta e felina sob as luzes coloridas. Já era a oitava noite seguida que a fêmea captava os olhares no pub. Seus movimentos eram leves e precisos, como se flutuasse pelo salão, hipnotizando quem ousasse colocar seus olhos nela.
Suas mãos desciam seu busto rumo ao abdômen, seus cabelos começavam a grudar na pele de seu pescoço por conta do suor.

Ela não parecia ligar.

Ela não dava a mínima.

A fêmea não rejeitava ninguém que chegasse para uma dança, mas eram poucos os que de fato tinham a coragem para tal. Ela parecia intocável, como algum tipo de ilusão que se tem em seus sonhos mais borrados.

O álcool deixava suas bochechas coradas, mas não fora de si. Não, ela parecia ter o total controle de tudo e todos.

Seus lábios vermelhos se moviam de acordo com a letra da música, assim como seu corpo delineado pelo vestido preto, e era isso, somado a sua aura, que capturava e mantinha a atenção do macho de olhos avelã.

Ele a observou caminhar até o bar, onde o barman lhe estendeu um boulevardier, um cocktail caro e chique, que uma fêmea do outro lado do bar lhe ofereceu. A feérica apenas agradeceu pelo drink e pediu uma garrafa de whiskey e um copo simples. Clássica e prática.

Ela não tinha pressa em beber, apenas degustava sua bebida em silêncio, observando tudo. Sua cabeça estava quente por todos os pensamentos que lhe corriam a mente. Há oitenta e quatro anos as coisas eram muito diferentes.

Há oitenta e quatro anos ela não teria machos e fêmeas aos seus pés, lhe pagando drinks caros e lhe mandando flores após cada noite em que se apresentava nos mais renomados teatros de Velaris. Eles sequer a olhariam, muito menos lembrariam seu nome.

Muita coisa mudou desde então.

⸺ Uma moeda por um pensamento ⸺ a voz grave e rouca chegou aos ouvidos da fêmea, a tirando de seus pensamentos.

Os olhos de íris tão vermelhas quanto sangue observaram milimetricamente o macho illyriano agora sentado ao seu lado no balcão do bar. 

⸺ Meus pensamentos valem muito mais que uma moeda ⸺ respondeu simples, voltando a observar todos dançarem na pista.

Sua confiança não era limitada aos palcos.

⸺ Então o que é que eu poderia lhe oferecer em troca de um único pensamento?

⸺ Me ofereça algo que eu não possa conseguir sozinha.

Ele não a respondeu. Sabia que ela não queria, e muito menos precisava de uma resposta. Apenas permaneceram bebendo em silêncio. 

Quando a garrafa já estava quase vazia, a grã feérica se levantou, sem dirigir o olhar para o guerreiro, e logo já não se encontrava mais no pub.

As ruas eram calmas e seguras, por isso não se preocupou em demorar na caminhada de volta para casa. A lua minguante iluminava o céu junto com as estrelas, refletindo sua luz prateada nas pedras pálidas como a montanha que compunham as construções da cidade. Não demorou para a fêmea de longos cabelos ônix estar de frente a um belo prédio, não muito longe do Arco-Íris de Velaris.

Suspirando, se dirigiu para o banheiro, onde fez suas roupas desaparecerem e algumas velas se acenderem em torno da grande banheira que agora se enchia. O cheiro dos sais e ervas a acalmava, fazendo-a mergulhar por completo na água perfumada, como se todas as preocupações pudessem desaparecer, assim como todo o barulho, enquanto estivesse submersa e com a respiração presa.

Permaneceu com os olhos fechados quando recostou sua cabeça no escoro da banheira, sentindo os jatos de água quente em sua pele, aliviando a tensão dos músculos.

Não se assustou quando sentiu mãos ásperas em sua nuca, descendo para seus ombros e costas, em uma massagem constante e delicada. Logo sentiu também beijos em seu pescoço, arrepiando sua pele sensível. Não impediu quando essas mesmas mãos cheias de cicatrizes exploraram seu corpo, redescobrindo e marcando tudo aquilo que estivesse em seu alcance. A venerando.

Ela era como um ícone religioso, alguém por quem ele sacrificaria a si mesmo em busca de redenção e adoração.

A água se movimentava com agora os corpos nus de ambos os feéricos dentro da banheira. Os suspiros eram altiveis toda vez que provava de sua pele alva entre seus dentes, a manchando com suas digitais distorcidas, da mesma forma como ela fazia consigo, arrastando profundamente suas longas unhas pela pele bronzeada do mais velho, demonstrando extremo deleite sempre que lhe tirava sangue. O illyriano gostava de admirar o que era capaz de fazer na pele da fêmea quando estavam juntos, era como um livro em branco em que poderia escrever suas histórias e admirá-las depois.

Ele não se importaria em cobrir todo o seu corpo. Seja com marcas, ouro ou sangue.

Apenas quando o Mestre Espião virou o corpo esguio e magro da grã feérica para si, foi quando esta o olhou nos olhos pela segunda vez na noite. Os braços fortes circularam a fina cintura, a trazendo para si, necessitado. Seus olhos vermelhos estavam em si, como dois grandes rubis de sangue, e assim permaneceram quando ela esticou seus dedos longos e dedilhou o rosto ainda jovial do macho, se aproximando.

Seus lábios se encontravam com luxúria e ganância. Não importava quanto poder ele demonstrasse ter sobre a mais nova, ou o controle que ele tivesse sobre o rumo que as coisas tomariam, era ela quem sempre demonstrava uma sádica satisfação em cada escolha e ação do illyriano. Como se ele fizesse exatamente o que ela queria, apenas por que ela o permitia. Por vezes ele se sentia manipulado e controlado. Isso o tirava do sério.

A água batia contra seus corpos que se moviam em sincronia. Seus cheiros se misturavam aos dos sais de banho e ervas na água, e o banheiro era preenchido por seus suspiros e sussurros. Os lábios do mais velho passeavam pela pele desnuda do pescoço da grã feérica, sem se importar com seus cabelos presos entre seus dedos.

Ela se deixava ser adorada e exaltada, como se soubesse exatamente seu poder e controle.

Ele odiava aquilo.

⸺ Verena ⸺ o illyriano clamou seu nome em necessidade e adoração.

Ele odiava como ela tinha poder sobre ele.

⸺ Verena.

Odiava a forma como se permitia ser manipulado.

⸺ Verena.

Odiava a desejar tanto.

⸺ Por favor.

Odiava não conseguir evitar colocá-la em um pedestal e adorá-la como uma divindade.


Icon - AzrielOnde histórias criam vida. Descubra agora