Tijolos, "talvez", calor e fim do mundo

662 91 59
                                    

     Quando um tremor veio, violento, chacoalhando todo o seu corpo, soube que não havia como se segurar. Quase imediatamente, as lágrimas nublaram sua visão e suas pernas tremeram feito gelatina.

     E, de repente, mãos fortes tomaram seus ombros e gentilmente guiaram-no para longe dali. O ritmo foi rápido o suficiente para evitar que os presentes vissem seu rosto contorcido em raiva e humilhação, mas não para fazê-lo tropeçar ou machucá-lo de alguma forma.

     Quando o leite escorreu até seus olhos, foi obrigado a piscar e as lágrimas não puderam mais ser seguradas.

     As mãos gentis levantaram-no até o vestiário e colocaram-no sentado no banco que ficava no centro. Logo, braços fortes e quentinhos abraçaram-no por trás.

— Coloca p'ra fora, Mu Qing. — a voz de Feng Xin foi suave ao dizer — Por favor.

     Era a primeira vez que ele o tocava com tanta intimidade e ternura, e foi justamente num de seus momentos mais delicados.

     O número de lágrimas triplicou, e sua expiração saiu como um chiado dolorido. Apertou os braços do amigo, encolhendo-se todo ao tremer da cabeça aos pés.

     Feng Xin segurou-o naquele abraço com força o tempo todo, murmurando um "isso, pode chorar" ou "'tá tudo bem agora" de vez em quando. Embalou o amigo até que ele passasse a apenas soluçar.

     E, por mais envergonhado que Mu Qing pudesse estar, um calor gostoso e acolhedor invadiu seu peito ao ser cuidado pelo castanho.

     Durante um minuto inteiro, o único som no vestiário vinha de algumas fungadas que o moreno dava.

— E-eu não-o demo-rei p'ra atend-der eles ...

     Feng Xin apertou-o ainda mais em seus braços.

— Não, não demorou.

— Eu a-anotei-i o pe-dido c-certo ...

— Sim, anotou.

— T-tinha açúcar n-na mesa ...

     O castanho passou a desenhar círculos invisíveis na pele avermelhada do braço do amigo. A tensão dele foi diminuindo com o gesto.

— Eu sei que tinha.

— Eles m-me fize-ram escorregar d-de propósito ...

— Sim, fizeram.

— O c-cabelo na xí-cara n-não é minha cul-pa ...

— Não. Nada do que aconteceu foi sua culpa, Mu Qing.

     Outro chiado foi ouvido. Os movimentos circulares cessaram, e o aperto aumentou ainda mais – se é que isso é possível.

     Não caíram mais que uma dúzia de lágrimas dessa vez, mas ele voltou a tremer todo. Feng Xin envolveu-o com seu calor.

— Me perdoa por não ter me metido. Me desculpa.

     Alguma coisa dentro do moreno fez a vontade de segurar a mão dele surgir, latente e irresistível. Talvez fosse o medo do caroço no seio de sua mãe ser maligno e viver o inferno na terra de novo. Talvez fosse culpa da avalanche de emoções que o Quarteto do Cão o fez sentir. Talvez ... fosse o sentimento cálido em seu peito que suspeitava ser culpa de Feng Xin.

     O fato é que ele realmente tomou a mão do castanho na sua. Quase imediatamente, o outro entrelaçou seus dedos.

— N-não ia a-adiant-tar ...

— Mas ia te fazer se sentir melhor?

     Sentiu seu rosto esquentar.

— ... Ia. — confessou num sussurro.

Até TransbordarOnde histórias criam vida. Descubra agora