Por um fio de cabelo

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     Xie Lian e Feng Xin deviam ter permanecido parados observando Mu Qing limpar o chão por tempo demais, porque o mencionado tinha literal ódio nos olhos ao dizer:

— Esqueceram alguma coisa na minha cara? Vão trabalhar!

     Piscaram duas vezes, atordoados, antes de obedecerem ao amigo.

     Pei Ming teria rido da cena se não estivesse tão preocupado com o garoto quanto os outros dois.

     Mu Qing estava mais que estressado, isso estava claro como cristal. Todos sabiam o motivo, mas não faziam nem ideia de como poderiam ajudá-lo.

     A mãe do garoto estava com um caroço no seio que lhe restava. A consulta com o oncologista seria no dia seguinte. Para alguém que já viu a mãe lutar contra o câncer de mama uma vez, a possibilidade de viver tudo de novo – ver sua mãe sofrer de novo – era mais do que apavorante.

     A semana de provas, os trabalhos escolares passados de última hora e sua função como atendente na cafeteria dos pais de Xie Lian só pioravam sua situação.

— EI! — um garoto deu um tapa na mesa — Por que a demora!?

     Mu Qing quis quebrar a vassoura na cabeça do infeliz.

     Fora todo o listado acima, havia o fato de que alguns colegas (o "Quarteto do Cão") amavam aparecer em seu trabalho para testar sua paciência. E pior: eles não aceitavam ser atendidos por mais ninguém.

— Já vai. — obrigou-se a responder, apertando o cabo da vassoura até seus dedos embranquecerem.

     Nem um minuto depois, estava de bloquinho na mão diante dos colegas malcriados.

     Feng Xin teve um pressentimento péssimo na forma de um arrepio na coluna ao notar toda a maldade no olhar dos clientes.

— Quanta demora! — o garoto que bateu na mesa tornou a reclamar.

     Mu Qing pensou em afogá-lo com uma bolinha de papel de seu bloquinho.

Perdão por demorar dois minutos para atender uma mesa que não é minha. — alfinetou — O que vão querer?

— Quais as opções? — foi uma garota vestida de amarelo dos pés à cabeça que questionou, a voz falsamente doce.

     Teve que morder a língua com força para não responder "as mesmas trinta e seis de quando vocês vieram ontem". Repetiu todo o seu monólogo explicando o cardápio que era obrigado a recitar toda vez que aquela turma decidia aparecer.

— Posso socar a cara deles? — Feng Xin sussurrou entredentes para o amigo enquanto observavam a cena de sempre se desenrolar, os punhos cerrados.

— Bater neles não vai adiantar. — Xie Lian sussurrou de volta, fingindo limpar o balcão do caixa.

— Não dentro da cafeteria. — Pei Ming se meteu na conversa, tentado a pegar pipoca para acompanhar o circo pegar fogo.

     Mu Qing levou dezesseis (longos) minutos destrinchando as opções do lugar e tirando as dúvidas do grupinho sobre elas – como "o gelo é de água da pia ou do filtro" e "qual o diâmetro do canudinho oferecido para o suco natural de morango". Conseguiu rolar os olhos apenas dez vezes por minuto no processo.

     Haviam poucos clientes fora o Quarteto do Cão, mas todos perceberam que havia algo de errado naquela mesa. Alguns já presenciaram a mesma cena antes, outros não, e o sentimento de pena pelo garoto de foi unânime. Limitaram-se a fuzila-los com o olhar, pois (assim como os funcionários) não havia muito o que fazerem para ajudar.

Até TransbordarOnde histórias criam vida. Descubra agora