A segunda vez que Mu Qing transbordou foi no sexto ano.
Com o passar do tempo, todos se esqueceram (ou pelo menos deixaram de lembra-lo a cada quinze minutos) da prisão do pai dele. Ainda tratavam-no diferente, mas sua situação havia melhorado.
Isso até aquele caroço aparecer no seio de sua mãe.
Mu Qing viu seu mundo desmoronar bem diante de seus olhos.
Eles não tinham dinheiro para pagar um oncologista particular, então a consulta, o tratamento e o próprio diagnóstico não foram rápidos o suficiente para evitar a retirada completa do seio dela.
Por mais que Mu Li fosse uma mulher forte, o tratamento e a cirurgia abalaram-na profundamente. Não conseguiu, também, deixar de culpar sua má aparência pelo pai do filho não querer mais saber deles depois de ser liberado do cárcere.
Xie Lian e Feng Xin viram o amigo tornar-se um garoto profundamente amargo e irritadiço, e queriam vomitar de culpa sempre que tornavam a perceber como não havia forma rápida e efetiva de ajudá-lo.
As notas de Mu Qing, sempre tão perfeitas, despencaram. Com a mãe doente, todas as tarefas de casa, desde lavar a louça a fazer as compras e buscar os remédios, ficaram para o moreno, consumindo com seu tempo de estudo – fora toda a preocupação e estresse. Se não fosse a promessa do diretor de que fariam vista grossa pela situação de sua mãe, ele teria enlouquecido.
O pior momento foi, sem dúvida, quando teve que faltar por um mês inteiro para cuidar da mãe em tempo integral.
Não entendam-no mal. Mu Qing ama a mãe como jamais amará alguém em toda a sua existência e nunca negaria cuidar dela.
No entanto, nenhum amor no mundo deixaria a tarefa de assistir a uma pessoa recém-operada que ainda passava por radioterapia mais fácil. Quando se tem que renunciar aos próprios estudos por um tempo aos doze anos, então ...
Mu Qing não deixou nenhum amigo (e muito menos colega) trazer suas anotações ou deveres de casa passados em sua casa por aquele mês. Quando retornou, não dirigiu a palavra a ninguém, e todos estavam ocupados demais notando suas olheiras e quilos perdidos para o fazerem.
Feng Xin não teve coragem de sequer respondê-lo com ironia. Xie Lian só sorriria tão docemente para alguém de novo anos mais tarde, quando conhecesse o amor de sua vida. Os convites para assistirem a filmes nas casas um do outro cessaram, sabendo que o moreno tinha assuntos mais sérios no momento.
Os olhares de pena perseguiram Mu Qing por toda a escola.
O "Filho do Ladrão" evoluiu para o "Filho da Faxineira Doente".
Quando sua mãe voltou a trabalhar, depois de sete longos meses de inferno, seus colegas não paravam de encara-la pelos corredores, como se a mulher fosse um animal exótico.
Mu Qing foi engolindo, engolindo, engolindo tudo aquilo.
Até seus colegas passarem dos limites. Ou melhor, estraçalharem com a pouca sanidade que lhe restava.
— Ei, Mu Qing! Beleza?
O mencionado levantou a cabeça bem, bem devagar da apostila.
O nome do desgraçado em questão era Chong. Ele era o único na escola a ter coragem de alfinetar alguém numa situação tão delicada como a do moreno. Manteve ambas as mãos bem escondidas atrás de si.
Seu pai era estrangeiro, o que explicava seus cachinhos louros angelicais. O que o garoto fez naquele dia, no entanto, foi tudo, menos angelical.
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Até Transbordar
FanficOnde Mu Qing não queria a pena de ninguém e seus amigos não queriam que ele engolisse o que sentia até explodir.