001. 𝘢 𝘣𝘪𝘨 𝘳𝘦𝘲𝘶𝘦𝘴𝘵.

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O BARULHO DA BICICLETA CAINDO NA GRAMA MOLHADA ecoou por toda a rua. Gotículas de chuva consumiam a escuridão avassaladora da noite, causando arrepios na pele de Florence, que mal enxergava suas próprias mãos ao abrir a porta.

O temporal havia a pegado em cheio, e ela se xingava internamente por estar completamente encharcada ao pisar no assoalho novo que Leila havia acabado de trocar. Quando o som de tilintar de sua tornozeleira reverberou pelo ambiente silencioso, pode ouvir de longe sua mãe sussurrar para seu ficante ficar quieto.

— Florence?!— A mulher gritou, o que fez Flora apertar seus olhos fortemente antes de responder.

— To aqui.— Disse sem graça, andando á passos curtos até a sala.

A sensação que sentia naquele momento era de que um caminhão de fumaça havia passado por ali, pois, mal conseguia ver Leila em meio a neblina que o cigarro havia causado.

— Onde você tava?— A mulher, que até então estava sentada, pulou de seu lugar, indo em direção á ela, que rapidamente encolheu os ombros.

— A Martina me chamou para ir até a casa dela rapidinho, e como você estava ocupada, eu não quis te incomodar para pedir para ir até lá.— Mentiras escaparam de sua boca como um sopro, seu coração palpitava em seu peito de uma forma absurda.

Leila odiava mentiras, odiava que mentissem para ela na cara dura. E mesmo assim, Florence estava fazendo isso, sem um pingo de remorso por ter ido atrás de seu pai.

— Eu fui até o seu quarto perguntar se iria querer comer pizza esta noite e você não estava. Eu fiquei preocupada! Você não pode fazer isso com a sua própria mãe Florence, eu me sentiria um lixo se você morresse no meio do caminho... sem nem saber onde você tinha ido. E se os policiais viessem até aqui? Com que cara eu ia olhar para eles ao dizer que você fugiu? Eu ia ter vergonha.— Leila disse, passando á afagar os ombros da loura, que se desvencilhou de seu toque.

— Mãe eu não fugi, ok? Eu to aqui, eu to viva. Para de se fazer de coitada, você nem se importa o suficiente.— Foram suas últimas palavras.

Vanderbilt correu até seu quarto, o único lugar em que possuía paz. Bateu a porta com certa brutalidade, e se jogou na cama, tirando do bolso de sua calça jeans surrada, o papel molhado que mudaria sua vida por completo.

Em sua outra mão, seu celular já estava pronto para discar o número de sua tia, Clarisse Dunne.

— Olá...olá— Flora disse, enquanto á esperava atender. Mordiscou um pedaço de sua unha, de fato ansiosa.

— Oi... quem é?— Após algum minutos, a voz feminina se fez presente, o que a fez dar um pulo.

— Tia? Tia é a Flora, Flora Vanderbilt sabe? Filha da sua irmã mais velha...

— Ah, é claro que sei meu amor.— Flora soltou o ar que não fazia ideia que prendia.— Como ta sua mãe? Faz tanto tempo que não vejo vocês. Ela me deu o bolo no natal passado... e retrasado também.— Riu.

— Nós estamos bem, na mesma ainda. Eu nem sabia que você tinha nos convidado para o natal.

— Ela anda bebendo ainda? Está cuidando de você? Por que não deu notícias?

— Ela parou de beber tem uns meses.— Mentiu.— Voltou a ser "mãe".— Riu de nervoso.— Eu não dei notícias porque troquei de celular, não tinha seu número, ela que me passou.

— Entendi... Mas e ai? o que quieres? Imagino que não tenha me ligado apenas para falar "olá".

— Que bom que me conhece.— Disse, levantando-se da cama e começando a dar voltas pelo quarto.— Eu e minha mãe estávamos conversando durante essa semana e ela percebeu que eu ando passando muito tempo em casa, sabe? Aí, ela me deu a ideia de viajar, conhecer pessoas novas, sair da minha bolha. — A mentira escapou de uma maneira fácil dos lábios da menina. — E... eu pensei em passar uns meses aí! — Soltou sem escrúpulos.

Houve um silêncio irritante por trás da linha telefônica.

Florence sabia que poderia estar infringindo o espaço de sua tia ao ficar em sua casa e, parcialmente da-lá a obrigação de cuidar de uma adolescente. Entretanto, ela não tinha nada a perder ao fazer este pedido.

— É meio inusitado, não acha?— Claire questionou.

— Talvez. Mas, aqui em Austin, as coisas são muito quietas, e não tem muito o que fazer. Estou no primeiro ano do ensino médio, ir para Los Angeles poderia abrir meus caminhos. Prometo de dedão que serei uma boa hospede e não te darei trabalho nenhum! — Era verdade, porém o que a garota mais desejava era encontrar seu pai e morar com ele assim que possível.

— Não acha que é muito em cima da hora me pedir isso agora?

— Acho, mas não custa tentar a boa vontade da minha tia preferida!— Sorriu.

— Você sabe fazer qualquer um cair na sua né, garota? Eu adoraria ter você aqui, mas acredito que devemos conversar em família para deixar tudo certinho.

— Não é preciso tia Claire, relaxa!— Tentou tranquilizar a mais velha.— Minha mãe anda muito ocupada com o trabalho, sai cedo e chega cansada, não acho que devemos atrapalhar ela perguntando algo que ela já tem plena consciência.

— Vou confiar em você, Florinha! Se deseja tanto sair de Austin, venha passar um tempinho comigo. — Flora deu um gritinho de excitação do outro lado da linha.— Mas apenas um tempo! Ok?

— Ok, tia! Pode deixar.

— Florence eu te conheço, você tem certeza que entendeu que será apenas alguns meses?

— Entendi tia querida do meu coração.

— Pois bem. Ainda acho estranho sua mãe apoiar esta decisão já que não nos falamos há anos, mas também não quero me meter. Ela já comprou a passagem? — A loura apertou os olhos com força, tinha se esquecido desse "mero" detalhe.

— Sabe o que é, tia? É que como ano passado você não me deu presente de aniversário e nem de natal, eu pensei que você poderia fortalecer dessa vez né?

— Você é bem engraçada. Sabe, eu também não me recordo de ter chegado nenhum presente aqui na minha porta, será que foi extraviado?

— É que assim tia, eu não sou CLT, acredita? Ai não tenho grana nem para sair na esquina.— Claire gargalhou.

— Ok, Florence. Você ganhou nessa jogada, irei entrar no site agora para compra-lá, tudo bem?

— Eu te amo, mulher!— Deu um beijo estalado na tela do celular.

— Eu também te amo! Tratarei de te colocar no próximo voo para LA, até amanhã.

Flora desligou a chamada com um sorriso largo no rosto, extremamente estonteante.

Tratou de tirar sua antiga mala de viagem que já mofava embaixo da cama, e a arrumou para a viagem. Ela estava certa que no final, ficaria lá para sempre! Entretanto, estava ansiosa pelo fato de deixar sua mãe apenas com um bilhete a informando que não voltaria para casa tão cedo, mas a loura tinha um lema:

"viva intensamente enquanto a tempo".

𝐏𝐑𝐈𝐌𝐎 𝐀𝐌𝐎𝐑𝐄 | 𝙘𝙤𝙗𝙧𝙖 𝙠𝙖𝙞 Onde histórias criam vida. Descubra agora