Prólogo

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ATENÇÃO: ESSA HISTÓRIA ESTÁ SENDO POSTADA INTEIRA, MAS PASSARÁ A DEGUSTAÇÃO DIA 18/01/2023

Grãos de poeira dançaram no raio de sol que invadiu a sala assim que meu marido afastou as cortinas e abriu a janela. Novas partículas de sujeira flutuaram quando puxei o pano que cobria um grande espelho e larguei no chão. Fino e claro, o pó cobria tudo o que eu via ao meu redor e duvidava que demais móveis e objetos, de todos os cantos desse sobrado, estivessem em melhor estado do que estes da sala de estar.

Construída em uma colina, a duas horas de distância da capital, a antiga casa estilo toscano de dois andares tinha paredes grossas de pedras rústicas e cinzentas, ainda aparentes em alguns cômodos do primeiro andar. As janelas e portas eram de madeira envernizada. Os móveis estavam cobertos, mas eu sabia que eram tão simples e sólidos quanto a casa; também antigos e imensos ocupando boa parte de todo esse lugar.

Talvez o tecido dos estofados estivesse puído, considerei passando a analisar as cortinas enegrecidas e o teto. Não me surpreendi ao encontrar uma organizada comunidade de aranhas presas em suas intrincadas teias. Quanto abandono! Justificado abandono.

― Não faça essa cara, amor. Ainda considera essa casa bonita, admita ― soou a voz masculina às minhas costas, livrando-me do pensamento inquietante.

Respirei profundamente e com resignação olhei para o espelho. Atrás de mim, uma esposa metida num largo moletom preto, com pele opaca, olheiras sob olhos castanhos e uma horrenda faixa de cabelo escuro implorando por retoque de luzes, estava um marido cuja beleza sempre me impressionaria. Mesmo usando jeans comum e camiseta branca ele parecia muito elegante. Seu porte atlético e sua altura, assim como seu cabelo e olhos castanho-claros tornavam-no irresistível, porém eu o admirava mais pela beleza interior.

Nos últimos meses, também o admirava pela inabalável paciência.

― Sim, essa casa sempre será linda ― anuí depois de desviar o olhar do casal destoante refletido no espelho ―, mas veja como está agora! Tão... Tão...

― Necessitada de cuidado ― falou, aproximando-se para me abraçar por trás. ― Assim como você.

― E já não tenho dado trabalho suficiente? ― Afastei-me gentilmente e esbocei um fraco sorriso. ― É típico de você, assumir novas responsabilidades.

― Como estou cansado de dizer, você não me dá trabalho ― ele retrucou e novamente me abraçou, agora com determinação.

― Como estou cansada de dizer, você está sendo gentil ― imitei-o e, incomodada com o cerco restritivo, tentei brincar: ― Alguns de seus fios de cabelo branco têm meu nome e essa casa fará com que fique totalmente grisalho.

― Não tenho um fio de cabelo branco, mas se fosse o caso, as mulheres curtem os homens grisalhos, certo? ― devolveu a brincadeira, beijando o alto da minha cabeça. ― Seja como for, não estou assumindo nada. A recuperação dessa casa ficará em suas mãos.

Instintivamente olhei para minhas palmas e foi inevitável ver a fina cicatriz em meu pulso esquerdo. Como das outras vezes, lembranças que preferia manter sufocadas vieram à tona, mas consegui guardá-las antes que causassem algum estrago.

Bastava a novidade dele para me desestabilizar.

― Eu não consigo ― refutei e novamente me livrei do abraço. Dessa vez me coloquei a uma distância segura e cruzei os braços defensivamente. ― Estragaria tudo, como sempre!

― Nunca estragou nada, querida. ― Pacientemente levou as mãos aos bolsos dianteiros da calça jeans. ― Pensei que já tivesse superado essa fase. O que a Dra. Clara diria?

CATILUX - CHAMAS AO VENTO [DEGUSTAÇÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora