O portador da luz

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"Há homens que são como as velas;
sacrificam-se, queimando-se para dar luz aos outros."
VIEIRA, Padre Antônio.

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As nuvens carregadas romperam em um dilúvio constante, um verdadeiro vendaval para os habitantes de Naamá, vila capital da tribo Bekôrah, conhecida como a guardiã dos ventos e dos céus. Magdala Kohen, a passos largos, caminhava pelo corredor escuro do castelo de Naamá, em busca de seu quarto. 

A noite estava mais fria do que o usual para aquela época do ano, e a chuva insistia em não cessar. Ao adentrar o cômodo escuro, a mulher pôde ver três sacolas de trapos de lã de ovelha e cordas de casca de palmeira, prontas para a viagem. Seu marido, sentado à escrivaninha, redigia um bilhete em um pequeno pedaço de papiro.

O ambiente silencioso, a chuva incessante e a tensão no ar criavam um clima denso e misterioso. Isso só aguçava a curiosidade de Magdala entender o que estava escrito no bilhete. A senhora abriu a cortina da janela para iluminar o ambiente, mas logo foi repreendida pelo esposo, que desejava permanecer oculto. 

Revoltada, deixou um pacote de papel craft com algumas batatas cruas em cima da escrivaninha, trazidas da cozinha a pedido do homem e teimosamente, acendeu uma pequena lamparina para melhorar a visibilidade e ler o conteúdo do bilhete.

v. Del,
"Signifer lucis fert caracterem in corde suo.
Exspecta me in Bashan, ego illum in tua cura dimittam
p.s: Tecum solus serva, nos certe non habemus indicem apud nos."
att, Aser.

Embora fosse capaz de compreender as palavras quando lhe eram ditas, ela enfrentava dificuldades quando se tratava de escrever e ler no antigo idioma eedílico. Para complicar ainda mais as coisas, as palavras do bilhete começaram a desvanecer-se lentamente, como se estivessem evaporando do papel.

— Escrevendo sobre o portador da luz de novo, Aser? Francamente, é ridículo! — Seu dedo em riste apontando em direção a janela. — Com toda a situação que estamos vivendo, não entendo como você ainda consegue gastar tanto tempo e energia com uma lenda antiga sem qualquer fundamento.

Aser, conhecedor das profecias sobre Eedan, não podia ignorar os sinais sombrios que sua esposa apontava. A chuva que caía em época imprópria não era apenas um fenômeno meteorológico; era um presságio, uma advertência silenciosa do Ancião de Dias. 

O domo ancestral, uma estrutura imponente que há muito tempo protegia Eedan das ameaças externas, agora mostrava sinais de fraqueza. Trincas sinistras se espalhavam pela sua superfície, como cicatrizes profundas que marcam a pele de um mundo prestes a desabar. A iminente ruptura do domo não apenas representava uma ameaça física, mas também uma ameaça existencial para todo o reino.

As consequências do domo rachado eram catastróficas. O equilíbrio delicado que mantinha Eedan seguro estava sendo despedaçado, e a fúria da natureza se manifestava em tempestades descontroladas. O rûach, a magia fluida e harmoniosa, começava a distorcer-se, refletindo o caos iminente que se aproximava. O mundo estava prestes a mergulhar em uma era de trevas, mas havia uma pequena centelha de esperança, uma chance de restaurar a luz e a paz que um dia reinaram sobre Eedan.

Aser olhou com reprovação para sua esposa, sua fé era inabalável, acreditava firmemente que a chave para conter o caos iminente residia no Portador da Luz. Uma antiga lenda contada entre as tribos do reino de Eedan, especialmente preservada pelos extintos sábios sacerdotes da tribo elétrica Chanôk. 

A história narra um príncipe escolhido pelo Ancião de Dias para governar e unificar Eedan sob um governo justo e próspero. Segundo os relatos, o Portador da Luz possuiria um relacionamento íntimo com o Ancião de Dias, permitindo-lhe contemplá-lo face a face, pois a luz emanaria de forma inconfundível de seu coração.

Apócrifo: A Queda de EedanOnde histórias criam vida. Descubra agora