Lenora
Osvaldo, sentado no banco da praça, olhava os ciclistas passarem com seus fones, alheios ao que acontecia ao redor. Observava os pardais lutarem pelas migalhas contra as pombinhas rolas, perdendo em tamanho, porém a persistência era admirável.
O homem, de cabelos grisalhos, beliscava uma rapadura entre os dedos e jogava pacientemente para os pássaros. Suas mãos já não eram tão firmes e as marcas infames do tempo se pronunciavam. Mesmo assim, ele não quebrava sua rotina diária e sagrada de sentar no mesmo banco, alimentar os pássaros, olhar a algazarra da juventude e ler um capítulo do seu velho livro, já tão desbotado quanto seus sapatos.
Olhou o céu com dificuldade e sorriu ao ver as nuvens brancas e fofas.
"Que bom! Não vai chover hoje! Minha doce Lenora ficará contente!" ― Pensou.
Enfiou a mão trêmula no bolso, na esperança de encontrar mais alguma rapadura, mas percebeu que já havia oferecido todas. Resmungou algo, erguendo-se do banco e limpou os farelos de amendoim e açúcar das calças, empertigou-se todo e seguiu com passos lentos em direção ao chafariz azul, no centro da praça. Lá, encontrou um velho amigo violinista e o cumprimentou, deixando umas moedas na latinha decorada
Como sempre fazia, já há dez anos...
Chegou em casa e foi direto para o banheiro lavar as mãos, enquanto chamava pela esposa, contando as novidades do dia.
― Lenora, minha querida? Cheguei! Adivinha só! O filho do nosso vizinho, o pequeno Luizinho, lembra? Então, minha querida! Está pedalando sozinho, já! Acredita? Está enorme! ― Riu, contente com a novidade. Sabia que ela iria ficar contente em saber.
Foi até a sala, encontrando sua esposa sentada na cadeira de balanço, virada para a grande janela, admirando o movimento da rua. Via seu cabelo platinado, que outrora era de um loiro brilhante e sedoso. Aproximou-se e depositou um beijo demorado em seus cabelos.
― Vou preparar nosso jantar, minha querida. Pode ficar descansando em sua cadeira predileta!
Tirou seu paletó, colocando-o em uma das cadeiras, indo em direção à cozinha. Falou no dia lindo, na bela canção que o violinista havia tocado, na nova loja de brinquedos que abriu bem no centro da cidade.
Enquanto falava, ia preparando o jantar para eles dois, e em meia hora, já estava tudo pronto. Arrumou uma bandeja com esmero, levando até sua esposa.
― Olha, querida. Fiz aquela sopa refrescante que leva hortelã, que você tanto ama!
Osvaldo olhava para a esposa com os olhos cheios de amor. Mas ela já não correspondia. Olhava para o vazio infinito.
Lenora não podia mais respondê-lo. Seu estado catatônico, mantido por aparelhos, apenas prendia o corpo dela, mas seus olhos há muito já não tinham alma.
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ESTILHAÇOS
Short Story🥇 primeiro lugar concurso Estrelas do Wattpad categoria conto 🥇 primeiro lugar concurso Successful Books categoria conto. -ˋˏ ༻✿༺ ˎˊ- Uma simples mensagem tem o poder de quebrar um coração em mil pedaços. Em "Estilhaços", nove con...