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Tighnari estava sentado no chão da sala, livros repletos com desenhos de plantas abertos na mesa a sua frente, acompanhados de folhas cobertas com uma caligrafia elegante e canetas nos mais diversos tons, espalhadas pela superfície, e por fim um copo de chai latte no canto, finalizando seu conjunto de estudo. O garoto raposa parecia focado, as sobrancelhas franzidas em concentração enquanto lia o que estava gravado nas páginas e transcrevia parte das informações.

Tudo corria calmamente, o único som ocupando o ambiente era o do passar das páginas e do lo-fi tocando ao fundo, até a atmosfera tranquila ser quebrada pelo eco de passos no corredor. As orelhas de Tighnari se tensionaram com a menção do barulho, inclinando-se na direção dele, até que relaxaram ao reconhecer a cadência das passadas e ele voltou a estudar. Poucos segundos depois, uma figura de cabelos brancos e uma mexa vermelha surgiu pela porta do apartamento, cumprimentando aquele que já ocupava o recinto.

Kazuha andava vagarosamente, seus pés cobertos de meias se arrastando pelo chão de madeira, enquanto explorava a cozinha, abrindo todos os armários e gavetas repetidamente em busca de alguma coisa. Cansado, ele bufou e saiu da cozinha, se jogando no sofá em frente a seu colega de apartamento e passando a mexer no celular. O mais velho nem ligou, já acostumado com os hábitos do amigo e prosseguindo com a leitura.

O momento de paz foi fugaz, subitamente rompido por uma agitação no recosto. Kazuha remexia-se de um lado para outro, procurando uma posição mais confortável, até finalmente se sentar, observando inquietamente a mesa onde Tighnari estava apoiado. Seu olhar curioso escaneou a superfície, quando se fixou no copo. O logo do Café Florescer da Terra estava gravado nele, assim como algumas palavras rabiscadas. Com as sobrancelhas franzidas, ele pegou o copo que havia assassinado o seu tédio, analisando o código:

"Se eu te chamar de Lutero,
você faz uma reforma no meu coração?"

Kazuha não pode deixar de rir com a cantada, ainda mais interessado na situação. Seu foco estava voltado à vida amorosa do amigo, e de quem ele havia conquistado o coração. Repleto de curiosidade, ele desceu rapidamente do sofá, sentando-se ao seu lado no chão, buscando saciar a sua euforia.

"Então Nari..." Sua calma voz ressoou pelo recinto, "tem alguma coisa que você esqueceu de me contar?"

A confusão era visível no rosto de Tighnari, a cabeça abaixada enquanto raciocinava. Após alguns segundos, ele por fim balançou lentamente a cabeça, sem ideia alguma sobre o que o amigo falava

"Me deixe reformular. " O garoto com os fios brancos respirou fundo, como se buscasse por inspiração. "E os namoradinhos?"

As orelhas do mais velho se ergueram, alarmado com o questionamento. Ainda que ele estivesse acostumado a viver com Kazuha e as peculiaridades derivadas disso, Tighnari continuava em choque, processando a pergunta, quando ele reparou nas mãos do amigo, que seguravam o copo verde, as palavras em tinta roxa viradas para si.

Seu corpo se tencionou, maxilar trincado e as pupilas dilatadas, sem saber como prosseguir. Não era como se ele quisesse contar sobre os eventos que vinham acontecendo nos últimos dias, mas os olhos inocentes de Kazuha eram como o canto de uma sereia, encantando-o com uma curiosidade sincera e infantil que o fez ceder e narrar o caso.

"Sabe o Café Florescer da Terra? Então..." O garoto raposa fez uma pausa, umedecendo seus lábios antes de prosseguir, "o novo barista que trabalha lá aparentemente está dando em cima de mim. Isso já vem acontecendo há alguns dias, mas eu simplesmente não tenho ideia do porquê; não é como se eu estivesse tentando chamar a atenção dele, só que aquela é a única cafeteria vegana que tem em um raio de 5km!"

Uma risada suave fez seu caminho pela sala, o mais novo sem conseguir conter seu entretimento com a situação. Os lábios de Tighnari se repartiram, incrédulo com a traição de seu amigo. Como ele poderia rir da desgraça de seu próprio colega? Ele não compreendia a gravidade da situação? Não é como se ele gostasse da situação em que ele se encontrava.

Exasperado, o mais velho voltou a estudar, as sobrancelhas franzidas e a mandíbula tensionada, optando pelas leais plantas e íntegras informações ao invés da falsidade de Kazuha. O garoto de fios brancos nunca teria imaginado a situação, o que a tornava tão peculiar e interessante. Entretanto, ele conseguia sentir a mágoa do garoto raposa, que parecia estar atrelada a alguma coisa que ele não estava falando, como se ele escondesse algum segredo profundo. Enquanto escrevia, Tighnari suspirou, comentando em um tom mais baixo e calmo.

"Desculpa, mas... É, é algo complicado", terminou, com os lábios apertados em uma linha fina.

O colega optou por parar de pressioná-lo, levantando-se do sofá e adentrando novamente na cozinha. O som da caneta riscando o papel acompanhava as ações de Kazuha enquanto ele buscava por ingredientes e preparava os alimentos. Uma fragrância de manteiga e umâmi preencheu o apartamento, amenizando a atmosfera até que ele levou dois pratos com risoto de cogumelos para a sala.

As orelhas de Tighnari acompanhavam a movimentação, e um leve sorriso já adornava as suas feições quando o mais novo lhe entregou o prato, aceitando a oferta de paz. Os dois se sentaram em silêncio no chão da sala, comendo enquanto ligavam a televisão e assistiam a nova temporada de The Owl House, o clima sereno permeando o cômodo.

Decidindo finalmente estudar, o garoto de fios brancos saiu da sala, voltando alguns segundos depois com uma pasta carteiro, repleta de pins e bottons. Sentando-se novamente na sala, ele retirou algumas apostilas de literatura e tornou a grifá-las, passando o restante da noite focado na tarefa, os lábios prensados em concentração.

O garoto raposa o acompanhou na iniciativa, os dois estudando até que Tighnari foi tomado pelo cansaço. As cortinas abertas permitiam a visão do céu estrelado: o preto como breu do fundo contrastando com o brilho alegre das estrelas e a aura triste e solene da Lua. O mais velho admirava a paisagem, encantado, até subitamente perceber o estado de inconsciência do amigo, que havia dormido enquanto lia, o rosto deitado sobre os escritos.

Um sorriso fraterno permeou os seus lábios, as pernas esticando-se ao ir em busca de uma coberta para aquecer o colega, enrolando-o suavemente nela. Decidindo que também deveria dormir, Tighnari se direcionou ao seu quarto em passos leves, sem a intenção de acordar o mais novo. 

I Just Think We Should KissOnde histórias criam vida. Descubra agora