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A manhã estava fria quando Cyno adentrou a cafeteria, o ar morno acalentando sua pele gelada. Ele inalou profundamente o aroma de café e cumprimentou o colega que já trabalhava atrás do balcão. O garoto moreno se aprofundou pelas entranhas do estabelecimento, deixando a mochila de couro em seu armário, pegando um livro e vestindo o avental, logo voltando à parte central do estabelecimento, a tempo de se despedir de seu amigo, que já havia terminado o turno.

O estudante de arqueologia se sentou em uma banqueta atrás do balcão, os óculos redondos adornando suas feições enquanto abria um exemplar de Amor e Gelato, curioso para ver o porquê de criticarem tanto a adaptação da Netflix. Alguns longos fios prateados caiam em sua face ao longo da leitura, escapando do frouxo rabo de cavalo, mas o garoto não parecia se importar, prosseguindo com suas investigações, até ouvir o barulho de um sino.

Ele levantou os olhos da leitura, pronto para atender os clientes. Ele preparava vagarosamente os pedidos, retornando ao romance pouco tempo depois e repetindo o processo algumas vezes mais, quando recebeu uma ligação.

A vibração do telefone lhe chamou a atenção, forçando-o a sair de seu transe. O garoto não esperava pela surpresa, mas logo identificou a fonte da perturbação e atendeu a chamada. Há alguns anos, ele conhecera uma intercambista e ajudou ela em algumas matérias. Embora ela houvesse retornado ao país de origem, os dois decidiram continuaram com a amizade e mantiveram o contato, ligando um para o outro ocasionalmente.

"Oi, Lisa", a voz de Cyno era monótona, embebida no sono e tédio da tarde cíclica.

"Parece que você não está nem um pouco animado com a minha ligação, assim eu fico magoada", a mulher respondeu em um tom lânguido e descontraído. "De qualquer forma, eu tenho novidades!"

Já mais acordado, o mais velho pediu para que continuasse, curioso sobre o rumo da conversa.

"Sabe os gêmeos? Eles resolverem fazer um intercâmbio na Academia de Sumeru, e eu acho que o Aether vai ter algumas aulas com o Venti! Mas eu não tenho ideia alguma sobre a Lumine".

"O Venti tinha comentado sobre um garoto que estava sendo transferido para o curso dele, mas eu não tinha ideia de que ia ser o Aether" uma expressão entretida rompeu por suas feições, "estou curioso para finalmente conhecer eles".

A entrada do vento gelado indicou ao barista a chegada de mais um cliente, forçando-o a terminar a conversa com a Lisa com um olhar pesado. Cyno suspirou, mas logo passou a atender os fregueses, decepcionado por ter a conversa interrompida.

Obrigado a retornar à rotina maçante, o garoto estava absolutamente aborrecido. Ele quase dormia quando o badalar do sino o sobressaltou, já se levantando para anotar o pedido.

A expressão azeda no rosto de Tighnari já denotava o ânimo do estudante de biologia perante a situação, contudo, ele se postou em frente à superfície, desesperado por um pouco de açúcar para alegar o seu dia. O tórax do garoto raposa se expandiu e retraiu lentamente enquanto proferia o nome da bebida, logo deixando o balcão para olhar seus arredores.

Cyno só o observava, os olhos carmesins atentos, seguindo a movimentação do outro pelo café. Enquanto esperava pelo chai latte, ele havia se agachado na frente das plantas, inspecionando-as. Suas mãos passavam pelas folhas e pelo solo, verificando a saúde de uma delas até que estivesse satisfeito e migrasse para o próximo vaso, a preocupação visível em seus olhos.

O estudante de arqueologia terminara de preparar a bebida há algum tempo, mas continuava a assistir a Tighnari, estudando as ações que o garoto com cabelos escuros repetia ao visitar a cafeteria. Um pequeno sorriso adornava os lábios do barista, sem se importar com o descaso do outro e achando fofo o modo como ele sempre cuidava das plantas.

O garoto raposa finalmente estranhou a demora para avisarem que o seu pedido estava pronto, virando-se para encontrar o olhar de Cyno, percebendo que o latte já fora preparado. Ele se levantou e foi em direção ao balcão, a cabeça abaixada em constrangimento enquanto retirava a bebida e um envelope. Com as sobrancelhas franzidas, Tighnari analisou o conteúdo em seu interior, sem recordar-se de ter pedido nada para comer.

"Oi, eu acho que você se confundiu, eu não pedi um cookie", a confusão era aparente em sua voz.

"É para deixar o seu dia tão doce quanto você é, gatinho", Cyno respondeu, a face rígida subitamente rompida por um olho piscando.

O estudante de biologia não sabia o que fazer, o rosto desprovido de qualquer expressão enquanto processava a frase. Por que ele teria feito isso? Ele não tinha mais nada para fazer e buscava por algum entretenimento ao constranger os outros? E já não bastava tudo que acontecera, ele precisava invadir ainda mais a vida de Tighnari? As cantadas nos copos não eram o suficiente?

O garoto raposa se tensionou, as orelhas eretas e os lábios retorcidos em desgosto. Ele respirou profundamente, optando pela educação e agradecendo o biscoito antes de se virar e deixar o recinto em uma caminhada forte e apressada. O barista só podia observá-lo, as pálpebras pesando sobre as írises carmesins, até finalmente retomar a rotina cíclica, engolido pela pálida repetição.

O seu turno havia finalmente acabado, deixando-o completamente drenado ao longo do retorno ao seu lar. O garoto moreno andava em árduas passadas até a porta do apartamento, o tapete desejando Boas-Vindas rindo dele pela ironia da situação. Ele abriu a porta suspirando, deixando os calçados de lado no hall de entrada e passando para a sala, onde Venti estava aprendendo a coreografia de alguma música nova.

Cyno lentamente caminhou até o amigo, sentando-se no sofá e esperando que ele finalizasse a dança. O estudante de arqueologia apoiou a cabeça no encosto e fechou os olhos, cansado pela longa tarde, até que ouviu o seu nome sendo chamado.

"Como foi o seu dia?", Venti estava tão ofegante que era palpável em suas palavras, porém a alegria refrescante continuava presente.

"Nada demais", a resposta foi breve, até se lembrar de algo, "mas a Lisa ligou e disse que os amigos dela vão estudar aqui. O Aether provavelmente vai ir para o seu curso."

"Legal!" O mais velho já estava acostumado com o humor do outro e prosseguia como usual. "Mais alguma coisa?"

"Acho que ele me odeia," a franqueza no tom do garoto moreno era algo comum, mas o tom nublado que permeava as suas palavras preocupava o estudante de música, ainda que ele não demonstrasse.

"Qual foi a cantada de hoje? Porque com as últimas que você tem feito, eu não culpo a ele. Eu também não sou muito chegado em um assédio."

O comentário de Venti foi bem-vindo, atenuando a atmosfera pesada que se espalhava pelo recinto. Sentindo-se mais leve, o barista deixou que uma risada leve penetrasse pelo cômodo, balançando lentamente a cabeça e aliviando a inquietação que o colega sentia em seu peito.

"Eu não fiz nenhuma cantada, só dei um cookie de presente e chamei ele de gatinho".

Esse foi o momento para que o estudante de música risse, compreendendo em parte a reação do garoto raposa. O primeiro ficou em silêncio por alguns instantes, refletindo sobre algo que pudesse ajudar o amigo.

"Talvez você pudesse tentar conhecer ele melhor antes, tipo, ver sobre o que ele se interessa ou que ele faz no tempo livre. É só uma sugestão, veja como fica melhor para você", ele disse, levantando-se do sofá, achando prudente mudar de assunto antes que o clima amargo retornasse. "De qualquer forma, você viu o que aconteceu com a Shu Hua? Aconteceu um acidente durante uma das apresentações de Nxde e estão sexualizando ela agora! Será que alguém entendeu bulhufas da música?!"

Logo a conversa dos dois havia mudado completamente de rumo e o estudante de música estava mostrando a nova coreografia que ele tinha aprendido até que a comida que eles haviam pedido chegasse. A televisão estava ligada com clipes de música ao fundo enquanto eles comiam, decidindo pouco depois finalizar as atividades pela noite.

Cyno foi em direção ao seu quarto, despindo-se e deitando de lado na cama, em frente a um porta-retratos antigo, de quando ele ainda estava no Ensino Médio. Era uma foto dele e de outro garoto, os dois com sorrisos nos rostos e olhares afogados em amor. As mãos estavam entrelaçadas, finas tiras prateadas adornando o anelar de cada um deles. O barista respirou bruscamente, virando-se de maneira súbita para o outro lado até dormir.

I Just Think We Should KissOnde histórias criam vida. Descubra agora