Capítulo 2

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Vitória Falcão - 2016

Flashback

- Vitória? Você está prestando atenção? - Eu ouvi uma voz familiar me chamando de algum ponto perto de mim. Isa estava parada na minha frente, estalando os dedos a centímetros do meu rosto e me fazendo voltar para a realidade.

Nós estávamos ajustando alguns preparativos para o nosso primeiro show do duo. Os shows começariam em exatamente uma semana e isso estava tendo sérios efeitos no humor e no nervos de todo mundo. Eu conseguia sentir a impaciência na voz de Isadora.

- Vitoria? - Ela insistiu. Dessa vez, toda a irritação tinha sido substituída por uma preocupação.

Eu não podia culpá-la. Eu estava agindo como uma pessoa completamente louca durante os últimos três meses e meu pico de insanidade tinha começado há alguns dias atrás.

Se tinha alguém que deveria se sentir culpada por tudo que estava acontecendo, esse alguém era Ana. Ela estava em pé no mesmo cômodo sem dizer uma palavra. Há mais ou menos dez minutos ela tinha declarado pra Isa que não estava se sentindo confortável com a sua posição no palco. A verdade era que aquilo não fazia a menor diferença. Mas eu sabia que o único problema de Ana era simplesmente o fato de que ela ficava bem do meu
lado.

Tudo tinha começado há três meses quando um jornal de Tocantins tinham achado, por motivos que ainda fugiam da minha compreensão, que seria uma ótima ideia fazer uma matéria especial
sobre nós duas. Não que nós fossemos idiotas. Os rumores e suposições sobre o meu relacionamento com Ana não eram novidade para ninguém.

Desde o "Ana e Vitória namora secretamente" aquele assunto tinha virado algo tão grande que mais ninguém conseguia realmente controlar. O problema era que, nesse altura, nem eu sabia mais dizer o que nós éramos. Entre brincadeiras e segredos, eu tinha me perdido no que era real e no que era fruto da imaginação de pessoas com olhos atentos demais. Era inevitável. A curiosidade era um dos fundamentos básicos da natureza humana, principalmente quando o seu nome está diretamente envolvido em algo. Não consumir, de uma forma ou de outra, o que nossos fãs falavam era impossível.

Todas nós já tínhamos assistido aos milhares de vídeos que existiam no Youtube falando sobre a minha relação com Ana. Desde as montagens com músicas românticas e cafonas tocando ao fundo, até as análises de cada gesto e olhar que trocávamos em inúmeras entrevistas. Nós líamos as postagens no Twitter. Em uma noite tediosa, regada com um pouco de álcool ilegal, chegamos até a navegar pelas fanfics. Eu me lembrava com perfeição de como nós tínhamos passado horas sem conseguir controlar o riso pela imaginação louca dos nossos fãs e do jeito que Ana e eu trememos de baixo das cobertas pela quantidade de fatos que eles inconscientemente acertavam. Nós convivíamos com aquela situação há anos. Então, o que naquelas duas reportagens específicas tinha feito ela surtar tanto?

Desde o dia em que a internet veio abaixo com as publicações dos dois sites, Ana praticamente não olhava na minha cara. Ela tentava me ignorar a todo custo. Para cada passo que eu dava na sua direção, ela reagia andando o dobro da distância para trás. Nós não brincávamos mais nos palcos. Não dançávamos mais juntas. Os abraços então, só existiam nos meus sonhos. Nas entrevistas ela não me olhava mais. Não sorria enquanto me observava falando. Não ria das minhas piadas idiotas.

Eu não conseguia evitar a horrível sensação de que eu estava pagando por um erro que eu nem sabia ter cometido. Então, as câmeras se desligavam ou nós nos escondíamos atrás de quatro paredes e ela
voltava a agir como se nada estivesse acontecendo. Mas os sorrisos já não eram mais os mesmos de sempre e as risadas também não. Nós já não passávamos mais tanto tempo juntas. Aos poucos eu conseguia sentir aquilo me corroer por dentro. A cada gesto de indiferença, a cada pequena rejeição, Ana me empurrava mais e mais para a beira de um abismo. Eu só conseguia me perguntar se ela tinha consciência do que estava fazendo. Não era possível que não tivesse.

- Ana, podemos conversar? - Disse assim que Isadora saiu do cômodo. 

- O que você quer de novo Vitória? Você não sente nada em ver o nossos nomes sendo exposto assim? Pra você parece que nada é sério Vitória. - Ana, disse em um tom frio, que podia rasgar a minha alma.

- Eles estão mentindo Ana? Todas as suposição são mentirosa? Ou você que dizer que tudo que vivemos não significa nada pra você. Apenas a matéria de um jornal que nem sabe de tudo

- Não estou falando que é mentira Vitória. Não é mentira o nosso amor é tudo que vivemos. Só que isso vai acabar com nossa carreira. Você não percebe a gravidade disso? - Ana com o semblante bem irritado, já fazia gestos pra sair do cômodo - Sinceramente eu lutei demais, pra que tudo terminasse assim.

- Você tá querendo dizer que... - Não consigo raciocinar o que foi dito.

- Eu tô querendo dizer Vitória. Que o nosso amor. Pode acabar com toda a nossa carreira.

Eu senti as lágrimas trazendo uma ardência insuportável para os meus olhos com consequência da lembrança do dia em que nos conhecemos. Ultimamente, eu não precisava de muito para voltar no tempo e reviver momentos onde as coisas eram mais simples. Onde Ana e eu não agíamos como estranhas. Onde nós éramos mais do que o suficiente para sermos felizes. 

- Vitória? - Ana veio andando na minha direção e se colocou ao lado só sofá. Eu senti o calor das suas mãos contra os meus ombros e tive que lutar para não deixar as lágrimas escorrerem. - Eu não queria que tudo fosse assim.

- Nem eu Ana. Mas parece que tudo isso é culpa minha -  Eu respondi com a voz um pouco trêmula.

- A gente só não pode continuar com essa amizade "Colorida" Vitória. Caramba você não consegue entender ?

- Tudo isso não significa nada pra você? - Questionei olhando nos fundos dos olhos de Ana e pude ver o exato momento que as lágrimas desceram.

- Eu amo você Vi, eu amo a nossa história.  Eu amo tudo que a gente viveu e vive. Eu amo o nosso amor. Mas, já pensou, que talvez você não seja o amor pra esta na minha vida? Ou melhor, há muito amores, que não são pra vida. - Ana falou cabisbaixa. - Talvez a gente não seja pra ser Vitória.

- Ana você é o amor da minha vida. Como você não consegue entender isso e deixar tudo acabar por um site de fofoca baseado em suposição. - Falei um pouco alterada, aquilo estava mexendo demais comigo.

- De verdade Vitória, talvez eu não sou sua, como todos esses sites diz - Ana se retirou do cômodo em seguida sem ao menos olhar pra trás.

A única coisa que eu consegui fazer foi me manter no meu lugar. Eu queria que ela pudesse escutar as perguntas que ecoavam na minha mente enquanto a observava falar todas essas coisas. Eu não conseguia entender o que eu tinha feito para merecer isso de Ana.

Eu sabia que nós tínhamos muitos problemas, mas nenhum deles me assombrava tanto quanto a perspectiva da nossa amizade terminar
assim.

Mais uma vez, com milhares de palavras não ditas.

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