Belial

24

- Diga-me, demônio. Achou mesmo que... "viveria" nessa espelunca sem graça tranquilamente? E aí o que? Foderia uma humana e seriam felizes para sempre? Oh, que amor. - Nada me irritava mais do que anjos e suas arrogâncias de merda. Se o meu olho inchado permitisse,eu o reviraria só para tirar sarro do filho da puta. Miguel havia cuspido a palavra "humana". Todos os angelicais se achavam o suprassumo da criação daquele outro merda.
Eu aproveitaria essa arrogância dele e deixaria ele pensar que a batalha já estava praticamente vencida, lhe dando a falsa segurança que já havia ganhado.

- Depois de todo esse tempo, você continua chato para caralho. - Permaneci com o corpo no chão, e tentei esquadrinhar a área com o olho bom de forma sutil. Victoire não estava por perto, e eu também não conseguia sentir seu cheiro. Bom.
Sinal que ela tinha corrido para se esconder. Se ela permanecesse aqui, eu não conseguiria me concentrar para acabar com aquilo. Meus irmãos estavam fodidos, mas se viravam bem. Leraje pisava sem parar na cavidade ocular de um anjo com seu salto pontiagudo, formando uma sopa gosmenta no buraco. Asmodeu e Paimon lutavam de costas coladas, um protegendo a retaguarda do outro contra uns dez anjos de uma vez só. Belfegor estava levando uma surra de cinco anjos grandes, mas com alívio, vi quando em um gancho poderoso conseguiu agarrar o mais forte deles, e triturou a cabeça com sua mão poderosa, espalhando o cérebro do patife nos anjos restantes.

Andras era o que mais dava medo a qualquer covarde. Eu o amava mesmo, mas dentre todos os meus irmãos, ele era o mais maníaco.

A palavra certa era insano.

Andras caminhava em sua forma humana, mas seu rosto se misturou com a forma de coruja preta, conferindo a ele uma aparência sinistra. Andras estava banhado inteiramente de sangue, da cabeça aos pés. Seus olhos estavam esbugalhados e seu sorriso rasgava as laterais de sua boca. Um rastro de corpos estavam largados atrás dele. Todos, em algum lugar haviam sido... mastigados. Duvido que sua fêmea o beijaria por pelo menos um mês se soubesse do que Andras era capaz de fazer, não somente para defender sua família, mas por puro prazer.

Concentrei novamente a atenção no problema que estava a minha frente.

- Posso ser chato, mas você é perdedor. Isso me basta. Porém, tenho que reconhecer a sua inteligência. Essa espelunca tem tanta proteção e foi tão bem disfarçada como prostíbulo que..

- É uma boate, idiota.

- Que seja. Você é perspicaz, demônio. Passamos muito tempo procurando esse lugar e finalmente encontramos. Quem diria que isso seria O Vaso de Bronze. Quantas vezes meu exército passou por aqui, mas nunca descobrimos nada. Agora consigo sentir o estalar de poder que essas paredes emanam. Muito inteligente, de fato.

- Como conseguiram encontrar, então?

- Uma vagabunda humana que trabalha para você se vendeu. Ela jura de pés juntos que a Rainha da Noite está apaixonada por ela. Patética... - Miguel limpou uma poeira inexistente do ombro em sua armadura impecável.

Depois de Gabriel, o Arcanjo Miguel é o preferido de Yaldabaoth. O Caído ocupava esse lugar com louvor antes de cair em desonra. Miguel, como um dos principais arcanjos, usava uma armadura elaborada toda de prata que refletia igual a um farol antigo no meio de um mar revolto, maleável nos lugares corretos. O anjo era implacável em batalha, mas eu era um demônio.

- Não acredito em você. - Porém, o vazio no lugar que deveria ter meu coração ficou frio.

- Não me importa. Vamos acabar com isso. 

Miguel veio em minha direção caminhando. Isso mesmo, o filho da puta caminhou, como se fosse literalmente uma batalha ganha e ele tivesse todo o tempo do mundo.
Deitei todo o corpo no chão, retirando uma pequena adaga de meu bolso traseiro.