Capítulo 4

384 87 40
                                    


— Moço, você está bem? — A garota se aproximou, colocando as mãos em meus ombros.

Eu estava ajoelhado no chão, minhas coisas espalhadas ao meu redor, enquanto permanecia curvado sobre mim e de pálpebras fechadas. Queria mandá-la se afastar, mas não confiava em minha voz ou dentes. O pequeno furo havia coagulado, porém, eu ainda podia sentir um ínfimo resquício em sua pele e isso estava me enlouquecendo.

Em minhas quatro décadas de vida, nunca havia sentido nada parecido. Seu sangue era forte e encorpado, mais parecido com o de um vampiro do que humano, porém, ao mesmo tempo, era completamente diferente. Desconhecido. Eu queria puxá-la para o meu braço e provar de seu néctar até descobrir o que se escondia em suas veias.

A garota se agachou à minha frente e o aroma de margaridas me envolveu em uma nuvem de flores e sol, como um dia agradável de primavera. Os delicados dedos afastaram os cabelos da minha testa.

— Devo chamar uma ambulância? — insistiu, a preocupação notável em sua voz musical. Ela tinha um sotaque diferente, que dava um toque especial às palavras. A jovem pegou o celular e parte de mim sabia que precisava impedi-la. Estava em plena luz do dia, no meio de um monte de pessoas, que começavam a se aglomerar para ver o ocorrido e ela queria acrescentar paramédicos àquele circo. — Alô, preciso de ajuda no...

Respirei fundo, retomando o controle do meu corpo:

— Estou bem.

Minha voz ainda soava estranha e precisei de mais duas respirações para ser capaz de abrir os olhos e encará-la.

— Tem certeza?

Acenei, sem confiar nos meus dentes para sorrir.

— Sim, não preciso de ambulância.

Ela me observou em silêncio por longos segundos, em dúvida, e terminou dispensando a atendente da emergência, falando que o serviço não se fazia mais necessário. A garota começou a juntar os meus pertences.

— Deixa eu te pagar um suco, então. O nível de açúcar deve ter caído no seu sangue ou algo assim.

Definitivamente, ou algo assim.

A humana era uma coisinha delicada com grandes olhos azuis, cabelos loiros de um dourado escuro que parecia natural, ombros estreitos e baixinha, tanto que pensei que pudesse ser menor de idade, mas seu nome era Bruna e ela tinha acabado de completar vinte e um anos. Era uma estudante de artes que me pagou um suco de manga, voluntária em um asilo e adorava distribuir margaridas gratuitas nas sextas-feiras.

"Que altruísta", a voz sarcástica na minha cabeça era do meu irmão, entretanto, se assemelhava muito à minha.

Sua beleza era inegável, mas lhe concedia um ar de frágil delicadeza. Não curtia mulheres que pareciam capazes de se quebrar ao meio como um palito de dentes em um simples abraço. As aparências enganavam, mas ela não cheirava a nada além de flores. O que era bem estranho.

"Ela se mostrou preocupada comigo, mas o cheiro não mudou", avisei a Davi. Nosso sensível olfato era capaz de detectar emoções através da mudança no aroma natural das pessoas, inclusive de vampiros e lobos. O de Bruna não mudou em momento algum. Mais um enigma, junto ao seu sangue tentador.

Geralmente, eu ignorava esse super-sentido, podia ser falta de empatia da minha parte, mas depois de décadas farejando as emoções alheias, aprendi a controlar e bloquear. Sabia que não estava enferrujado, ainda o usava na caça. A dificuldade estava na garota sorridente que não demonstrava qualquer sentimento, nem mesmo o tédio ou a curiosidade.

(AMOSTRA) Valknut - o legado do alfaOnde histórias criam vida. Descubra agora