II - PROBLEMAS NO PARAÍSO.

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Marcos ergueu uma sobrancelha. Não fazia ideia do tipo de resposta a esperar dele.

― Tá falando igualzinho a dona Sônia. ― certo, isso foi uma senhora quebra de expectativa.

― A nossa antiga catequista? ― franzi a testa.

― Essa mesma. Olha, eu te entendo ― disse ele. ― Eles ficam enfiando isso na nossa cabeça desde criança e acaba pegando. Mas, e eu te juro, não tô dizendo isso só pra gente fazer sapecagens: você entende como tudo que nós fazemos juntos tecnicamente é pecado, né? ― Marcos deixou a pergunta no ar por alguns segundos. ― Cada batida do nosso coração pelo outro, cada beijo, abraço, carinho, até um mero olhar apaixonado. Tudo isso e não existem aspas suficientes no mundo para colocar aqui "é pecado".

"Pior, eu não me arrependo nem mesmo um pouquinho de literalmente nada que vivi com você. Mas você lembra disso, o motivo de fingirmos que somos só amigos, em público. De eu não poder segurar sua mão. Te dar um beijinho casual. Da gente não postar fotos de casal. Declarações no dia dos namorados, aniversários. De você e eu termos de esconder nossa felicidade, nosso amor. Pra nossa família e quase todos os conhecidos, isso que fazemos é um fucking crime contra as leis de Deus. Sem contar que nós nem vamos poder casar na nossa igreja. Eu falei disso brincando e o padre quase jogou o turíbulo na minha cabeça. Você nunca pensou em nada disso?"

Encarei meu namorado sem palavras. Ele tinha pensado bastante nisso. Desde quando começamos a ficar juntos, concordamos em evitar pensar em todos os problemas envolvidos naquilo. Digo, crescemos juntos na igreja, nossas famílias eram amigas, ouvimos o mesmo discurso sobre viados pecadores durante toda a vida, no entanto, conforme nossos sentimentos nasceram, nada disso importou. Era uma chama tão forte, tão viva que nem hesitamos. Dane-se os ensinamentos, aquilo era de verdade. Amor nascido da forma mais pura e natural. Como fugir disso? E fomos levando as coisas desse jeito por dois anos. Terminamos a escola. Eu comecei a faculdade. Marcos abriu sua pequena empresa. Continuamos frequentando a igreja e a namorar escondido. Não houve muito tempo para pensar mais sobre este último fato.

As coisas entre nós parecem sempre tão perfeitas, tão certas. Mudar qualquer uma enchia meu coração de medo. Pior, era saber como meu Marcos ficou guardando essas coisas para ele. Nunca pensei muito sobre qualquer das coisas as quais ele disse. Talvez, eu nunca quis pensar. Afinal, nossa história, por mais linda que fosse, era também muito triste. Lágrimas vieram aos meu olhos. Fitei o rosto da pessoa que eu mais amava em todo o mundo e respondi sem forças:

― Não.

― Ah, meu amor ― ele me abraçou. Me deixei afundar em seu peito. ― Desculpa despejar tudo isso em você assim. Eu só precisava pôr pra fora.

― Tudo bem ― falei, soluçando. ― Eu que fico me enganando, fugindo disso. A gente finge que não, mas nossa história é um senhor amor proibido, né?

― Quem são Romeu e Julieta na fila do pão, perto da gente, não é? ― mesmo nos momentos de maior tristeza, Marcos conseguia me fazer sorrir. ― Escuta, meu príncipe. Mesmo eu tendo falado tudo isso, nada vai mudar agora. Não precisa mudar de uma hora para outra.

― Eu sei ― ergui a cabeça, enxugando os olhos. ― E-eu... que-quer dizer... eu... com certeza quero dar outro passo com você. Talvez não hoje ou amanhã, ma-mas eu quero... eu... penso em você desse jeito.

― Mais do que dar o tal passo, eu fico muito feliz de poder falar sobre essas coisas complicadas com você. ― ele tocou minha bochecha. ― É o amor da minha vida. Não quero esconder nada.

― Você também é o amor da minha vida ― Marcos sorriu de orelha a orelha. ― Pode demorar, mas tenho certeza que nós ainda vamos pecar muito juntos.

― Ora, ora, senhor Mateus ― Marcos ergueu uma sobrancelha. ― Quem te viu, quem te vê. Mas você tem razão, quando for a hora de pecar, nós vamos saber. Acho que vamos simplesmente saber e então, meu amiguinho, vamos pecar até o dia amanhecer.

Coloquei minhas mãos sobre o peito para parecer emocionado.

― Mal posso esperar para pecar com você.

Rimos juntos.

― Agora termine de se arrumar, tá? ― Marcos me levantou nos braços. Por reflexo, enrolei minhas pernas em sua cintura. Ele me puxou para um beijo. Desta vez, lento e suave. Foi um pouco diferente dos beijos que demos há pouco, parecia ainda mais apaixonado. Aquele homem não cansava de me surpreender. Nos separamos, os olhares conectados, sem fôlego. ― Te vejo na igreja. Te amo demais. ― Marcos sorriu e, deixando seu enervante cheiro de café para trás, desapareceu do meu quarto.

 ― Marcos sorriu e, deixando seu enervante cheiro de café para trás, desapareceu do meu quarto

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Faziam exatos onze meses desde aquele dia. Cinco meses atrás, criei coragem e pedi para ele se mostrar inteiro para mim (alerta de spoiler: me arrependi de esperar tanto. Sem camisa, ele era um homem lindo. Sem nada, isso parecia até ofensivo). Três meses atrás, lutei contra todos os demônios do inferno assolando minha cabeça e, pela primeira vez em quase três anos de namoro, deixei Marcos me ver nu. Ele ainda comenta sobre como foi a coisa mais maravilhosa que seus olhos tiveram o privilégio de ver em toda a vida. Sempre me deixando vermelho. Dois meses atrás, nos beijamos sem roupa e com a luz acesa. Ter uma visão clara de como meu Marcos olhava para mim quando estamos tão intimamente juntos quase fez meu coração explodir.

Agora, aquela mensagem no celular. Simples e direta. Um pedido justo, pessoal. Sem maiores intenções além da óbvia. Depois de tudo, era de se esperar uma reação menos chocada. No entanto, cada etapa pela qual passamos foi demorada, além de sempre partir de mim. Marcos estava tomando a iniciativa, se arriscando e eu nem fazia ideia do que fazer. A mensagem dizia o seguinte:

"Quer pecar?"

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