Livro I - Livro de Clara: Cap. 01

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As lágrimas desciam dos olhos de Clara, assim como descia o caixão com seu pai

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As lágrimas desciam dos olhos de Clara, assim como descia o caixão com seu pai. O que a deixava triste não eram as memórias dos dias em que andou de bicicleta com ele, ou dos dias na praia, tampouco dos momentos em que ele a ajudou em alguma tarefa do colégio. O que a deixava triste era que nada disso havia acontecido... e nem teria a chance de acontecer, pois seu pai havia morrido. A vontade que a garota de quinze anos tinha era de gritar, mas o murmúrio de seu choro tímido já chamava atenção demais no ambiente silencioso.

Não havia muitos além dela no enterro do pai, talvez não chegasse a uma dezena de pessoas, e era espantoso para Clara olhar para aqueles rostos e não reconhecer ninguém. Sua mãe, ao seu lado, era o único rosto conhecido. Ela estava, todavia, tão apática quanto os demais, sem deixar escorrer uma lágrima sequer enquanto assistia ao caixão ser baixado. Por toda a tarde, Clara esperou por um abraço seu ou que sua mão fosse segurada por ela, em vão.

Tão logo começaram a jogar a terra por cima do caixão, os demais presentes caminharam em direção à mãe de Clara, fazendo um gesto protocolar de pêsames, ao que ela respondia de forma também protocolar. A garota observava o movimento dos outros de relance, logo, todos haviam ido embora, restando ela e sua mãe. Um momento íntimo, enfim.

Sua mãe encostou a mão em seu ombro, puxando-a e, sem falar nada, começou a caminhar para o carro que as aguardava, um grande sedã preto. Clara ficou como uma náufraga sendo guiada pela maré e seguiu para o carro acompanhando sua mãe. No caminho, avistou uma flor. Ficou com vontade de pegá-la para deixar em cima do túmulo de seu pai, como um último gesto de benevolência e homenagem, mas um sentimento ruim a consumiu e ela simplesmente engoliu aquela vontade e seguiu em frente.

Clara e os pais moravam em Porto Feliz, uma cidade litorânea. Entretanto, apesar disso, eles jamais foram tomar banho de mar. Assim, olhar de dentro do carro para o lindo mar da região não trazia nenhuma boa lembrança a ela, apenas pensamentos de oportunidades perdidas.

De volta à casa, estranhamente, tudo parecia igual, como se a presença de seu pai não fizesse diferença. Essa indiferença deixou Clara ainda mais angustiada. Enquanto sua mãe foi para a cozinha preparar algo para comer, a garota subiu para seu quarto. Chegando lá, olhou-se no espelho, estava acabada, com cara de quem não dormia há dias. Reparou na mecha branca que pintara pela manhã, era para tê-la deixado com um ar de descolada, mas nada daquilo importava mais. Ela se virou e avistou, em sua mesa de estudo, o último presente que o pai lhe dera.

***

No início do ano.

— Clara! chamava o pai. — Venha! Tenho um presente para você!

"Presente?" — pensou a garota. — "Nossa, faz tanto tempo que papai não me dá um presente..."

Ela desceu as escadas freneticamente para se encontrar com seu pai, que a aguardava na enorme sala de estar no andar de baixo da casa. Ele estava sorridente, Clara aproveitou aquele momento, pois era raro vê-lo alegre.

Caçadores de Ezória - A Semente do Amanhã [DEGUSTAÇÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora