10. O cordeiro e o fim.

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Geralmente, as lendas são modificadas para ocasionar medo.

Foi assim desde os primórdios, para fazer homens adultos temerem ao fogo ardente que cairia do céu, caso o pobre ousasse roubar o rico para poder comer à noite. Fosse para fazer uma criança temer o escuro, fechando os olhos para não encontrar os monstros.

Mas ninguém conta que as lendas são verdades belas que se transformam em gritos de ódio.

Ninguém nunca contou a versão de Rokeed.

Filho do carbono e do amoníaco, monstro de escuridão e rutilância. O único dos Divinos que nasceu naquele dia sem sol, acusado de ser a projeção da má sorte. O temido dos zodíacos.

Inconfundível hipocondríaco, ele odiava a presença dos demais Divinos, por sempre rasgarem a ânsia de vômito em sua garganta, já que só viviam em prol da maldade velada de benignidade.

Entretanto, havia uma que não lhe causava repulsa. A única que ele conseguia manter no mesmo espaço seguro que criou para aproveitar a penumbra cobrindo a própria aparência — esta que também lhe causava enjoo.

Aisling, sua irmã, era o oposto da demanda que operava. O oposto da escuridão.

Na espreita, até onde seus olhos poderiam roer, ele a observava como se o Sol não fosse tão perigoso quanto deveria.

Na espreita de onde seu coração não podia alcançar, ele a amava mais do que pretendia.

Nasceram da mesma mãe, do mesmo pai e da mesma cantiga. Em horas diferentes, dias diferentes e aplausos diferentes.

Porém, isso não o impediu de se apaixonar por ela.

Sentado à beira daquele rio cortante certa noite de lua cheia, ele confessou seu amor, sussurrando o sentimento como um crime hediondo entalado na garganta.

Pacientemente ela escutou.

Seu rosto não emitia nojo, raiva ou desgosto.

Ele, culminado por querer amar a luz, esperou a resposta, tremendo quando uma borboleta multicor pousou em seu braço. Ele nem sequer espantou o bicho nojento.

Aisling sorriu nesse momento, fazendo as estrelas florescerem no céu, dando lugar a penumbra que parecia eterna.

Ela o aceitou.

Aceitou seu amor sem julgamentos.

Ele se espantou, porque não esperava. Porque não merecia.

Sorrindo, ela deu-lhe um beijo que tirou o ar do Divino que era mal falado entre os seus, por preferir se abster de todos, vagando na terra em becos escuros sem luz para espiar as criações da própria irmã, que eram tão belas quanto ela.

Mas havia um porém.

Ela pediu algo para que a comunhão prosseguisse.

"Renuncie ao seu poder e poderemos ficar juntos aqui embaixo, escondidos entre os faes, entre as árvores, debaixo do sol, sem escuridão."

É fato dizer que a luz é aquilo que incendeia tão forte para chamar atenção, atraindo as coisas até o centro, para que elas esqueçam tudo que um dia foram. O que um dia seriam.

Parecia fácil no mesmo instante.

Porque o amor é contado de forma acessível.

Ele, tão contente por simplesmente amar, não piscou antes de aceitar.

Num instante, tudo se foi.

A penumbra, que sempre precisou de um rei, estava à deriva.

Não tinha mais a quem obedecer.

sangue e mel | namkookminOnde histórias criam vida. Descubra agora