Capítulo 3

7 2 0
                                    

        As crianças não paravam de comer, era comendo e brincando, brincando e comendo; me parecia um ciclo sem fim. De um momento para o outro, notei que o menino que estava no topo das escadas não estava mas por lá.
        Peguei uma bandeja cheia de doces e fui na direção de Layla, a cópia de Alice, e a perguntei onde fica a biblioteca. E descobri que fica de baixo das escadas.
        A biblioteca era bem grande, o que me surpreendeu, já que Layla disse que os donos do orfanato estavam pensando em transferir algum dos órfãos paro outro orfanato, pois não havia muito espaço para eles.
        Me pergunto como não transformaram isso aqui num quarto, afinal, mesmo com todos esses livros, nada empatava de fazer isso, e só tem livro nas estantes que estão coladas na parede.
        O menino que vi no topo das escadas estava afundado numa poltrona, com toda sua atenção no livro que estava lendo.
     Bingo.
Izzy disse que ele era um leitor vorás, e que quando não se sabia onde ele estava, na maioria das vezes ele era encontrado na biblioteca.  

        Ponho minha bandeja na mesa a frente dele, o que o faz olhar para mim, entretanto, finjo não notar que ele está me observando.
        Dou uma olhada nas prateleiras, e paro quando vejo um livro chamado: O presente da filha do Duque. A capa era bonita e não tinha sinopse; o que me irritou um pouco, pois como eu vou saber do que se trata o livro se não tem sinopse?
        Sentei-me na outra poltrona, à frente de River, (eu acho, já que não tenho certeza se é ele mesmo), e abro o livro. Passei tanto tempo lendo o livro que levei um susto quando ouvi ele falar.

        — Ela te mandou aqui pra ver se você consegue me fazer brincar com os outros?

        A expressão do menino era séria, inflexível. Com uma expressão dessas parece até que é ele que é bem mais velho e tem que se passar por alguém de 5 anos.

        — E isso já aconteceu alguma vez pra você achar isso?

        — Uma vez, e só não aconteceu outras vezes porque fiquei muito irritando. — Ele fala, como se estivesse se lembrando de algo desagradável. — depois disso a Srta. Odília nunca mais pediu para fazerem isso de novo. 

        — Bom, pode ficar tranquilo. — proferi, pegando um brigadeiro da bandeja. — eu vim porque quis, e não costumo fazer esse tipo de coisa. Não sem uma boa recompensa.

        Voltei a ler o livro, eu já estava quase na metade quando ele falou novamente. O que não sei dizer se gostei ou não, pois o livro era bem interessante e eu queria saber o final o quanto antes.

        — Você é estranha.

        — Você também. — debato, sem fita-lo. — e eu não sou a única á achar isso.

        — Você nem me conhece.

        — Mas as outras crianças te conhece. — retruco, revirando os olhos. — E se eu não posso te achar estranho porque não te conheço bem, você não pode me achar estranha, pois você nem me conhece.

        Ele ergue o canto dos lábios. Não sei se captei bem o que sua expressão mostrava, já que nunca fui muito boa nesse tipo de coisa.

        — Eu gosto de você ser estranha.

Isso foi tudo que ele disse por aquele dia.
        A noite chegou e com ela; o meu medo.
Izzy me falou o que aconteceria quando eu fosse dormi... Até porque; eu já estava sentindo minhas memórias esvaindo-se enquanto eu estou acordada, imagina só quando eu estiver dormindo.
        Por mais que à memórias que eu gostaria de esquecer, a maioria delas forma a pessoa que sou hoje.
Se eu perder minhas lembranças, o que será de mim? Eu terei a mesma personalidade? O mesmo jeito de pensar? A mesma maneira de agir?
        Naquela noite, após a última refeição, descobri por Layla que eu nem deveria ter pedido para Karturial arrumar um jeito de eu ter um quarto perto do Armstrong, pois o único quarto que tinha espaço o suficiente para outra pessoa era o de River.
        E as outras crianças não queriam de devidir o quarto de jeito nenhum
O quarto dele não era grande, na verdade, era o menor quarto de todo o casarão; já que antes era uma dispensa, onde guardavam os alimentos.
        Não dava nem pra duas camas, por causa do Guarda-roupas, então colocaram uma cama beliche, que é daqueles tipos de cama que tem uma em cima da outra.
        O guarda -roupas de River era estreito e pequeno, de cor amadeirada, com a tinta descascada. O meu era branco, levemente maior e mais largo que o dele.
        Havia dois baús, o de River era preto e polido, parecia ser a única coisa que ele se importava naquele quarto de tão limpo que estava. O meu seria igual o dele se não fosse branco.

        Tinham uma janela com grades bem no meio da cama de baixo, mostrando a rua e as casas lá fora.
        Aproveitei que River estava no banho e abri meu baú, não havia nada dentro, é claro. Então peguei meu anel, ele era daquele tipo de anel que tinha uma pedra que se abria, como se tivesse algo dentro.
        Balançando o anel, caiu-se alguns livros e cadernos. Pois é, enfeiticei o anel para que coubesse qualquer coisa dentro de sua pedra.
        E não, não era meus livros de magia, eu não podia correr o risco de alguém vê-los. Só havia uns livros de época, porque os livros contemporâneos também não ia dar muito certo se alguém os visse.
        River abriu a porta enquanto eu colocava e organizava os livros no baú, ele foi direto para a beliche de baixo.

        — Você ganhou de seus pais todos esses livros? — ele fala, me surpreendendo, pois sempre que ele falava alguma coisa, geralmente era alguém que puxava assunto com ele.

        Penso na questão, o mais perto que tive de ter pais foi com o Sr. e Sra. Clarck, e depois de descobrir o motivo de terem me adorado tudo o que sinto por eles é ódio e repulsa.
        Mas uma coisa eu poderia ter certeza, eles nunca me dariam livros para ler, não sem ser livros escolares. Eles diziam que livros românticos, de fantasia ou os de aventura só encheriam minha cabeça de bobagens.
        Mas a história falsa que Karturial inventou para mim, é que eu sou a filha de um casal de amigos Magizoologistas dele, que estudam e cuidam de animais mágicos.

        — Não, eu ganhei quando meus avós faleceram há 2 anos atrás. — Falo, espremendo as mentiras em minha mente. — Todos os livros que meus pais tinham eram livros científicos, de biologia... só esse tipo de coisa. Eles eram veterinários, então só tinham livros que falava sobre a biologia animal.

        — Você fala diferente dos outros. — ele diz, me olhando atentamente.

        Ui, será que soltei alguma gíria enquanto falava? Eu nem sou muito de falar gírias, e soltar uma justo quando eu estou aqui... affi, só eu mesma pra fazer esse tipo de coisa.

        — Pelo jeito você me acha estranha em tudo. — forcei uma gargalhada, tentando parecer tranquila. — até do meu jeito de falar você reclama. Que pessoa exigente você, hein?

Ele franzi a testa.

        — Não estou reclamando, é que você pronuncia bem as palavras, assim como eu. — River deu de ombros, e olha pros livros com interesse. — A maioria deles gaguejam ao falar algumas das palavras que você fala sem nem hesitar.

        Pisquei, sem saber o que dizer, sempre fui assim, afinal de contas. Parei de me embolar nas palavra quando tinha 4 anos, se não me engano.
        Era por isso que minhas professoras sempre pediam para eu ler livros para as crianças quando elas ficavam roucas ou ocupadas.
        River continuava olhando os livros com interesse, então mudei o assunto para um que eu sabia que ele não se importaria que eu mudasse.

        — Pode ler um se quiser, mas vou logo dizendo que a maioria é romance, só tem um ou outro de fantasia e aventura. — proferi, enquanto terminava de colocar o último livro dentro do baú. — os de capa roxa ou os que tem arame não são livros, então não é para mexer.

        Subi na minha beliche. River desligou a luz, mas eu ainda o ouvi sussurrar.

        — Sem medo. Isso é tão estranho.

        Sem medo? Será que as crianças já tem  medo dele, e River queria que eu tivesse também? Por que eu teria medo dele por apenas estar em sua companhia?
Respiro fundo ao fechar os olhos, nada disso faz sentido, e já estou começando a me cansar de tantas perguntas que faço a mim mesma e não tenho resposta.
        A manhã foi tranquila, mesmo eu tendo me acordada com batidas na porta, e alguém dizendo que já era hora do café da manhã.

        Eu estava meio desorientada, não me sentia 100% eu mesma, sem contar que o meu corpo de criança era muito desengonçado. Certo, eu não sei se era o corpo ou se é eu mesma, pois estou me distraindo com muita facilidade.
        Após o banho e de comer o café da manhã, eu fui para o quintal junto com a cópia de... argh, eu tenho que parar de chamar ela de cópia de Alice, tenho que decorar que o nome dela é Layla.
      Nós estávamos com mas 3 crianças, eram duas meninas e um menino; quando Layla tocou no assunto de eu dividir o quarto com River.

        — Você é muito corajosa de dividir o quarto com o Losson. — Ela fala, e as outras crianças concordam com a cabeça. — ele é muito esquisito, sabe? E todos que dividem o quarto com ele,  sempre acordam em gritos por causa de pesadelos.

        — O Magnus sabe muito bem disso.

        A garota ruiva aponta para o menino ao seu lado, enquanto soltava uma gargalhada, fazendo o garotinho fazer uma careta para ela.

        — Não tem graça, Tiffany. — Ele a empurra, fazendo-a cair do Balanço. — queria que fosse você que acordasse com uma cobra em seu travesseiro. — ele tremeu e olha para mim. — O quarto estava cheio de cobras, mas quando a Madame Odília foi ver o que tava acontecendo, já não tinha mais nenhuma.

        — Viu só? — disse a outra menina, que eu acho que se chama Nina. — o coitado ficou tão traumatizado; que confundiu sonhos com a vida real.

        — Mas aconteceu de verdade, não foi sonho!

        — Cala a boca, Magnus.  — ordenou Tiffany, e o garoto ficou quietinho.

        — Ninguém mais dormiu no quarto com ele depois daquele dia. — continuou Layla, dando impulso no Balanço. — A maiorua das crianças acreditaram porque, você sabe... — desta vez ela diz num meio cochicho. — Ele fala com as cobras... dizem que ele é um bruxo.

        — Na Na Ni na não. — rugiu Tiffany, balançando o dedo para Layla. — Dizem que ele é um demônio, não um bruxo.

        — Vocês duas estão erradas. —Objetou Magnus, revirando os olhos para elas. — Dizem que ele é um bicho-papão.

        Os 3 começaram uma discussão, um dizendo que o outro estava errado, enquanto eu e Nina só ficávamos olhando.
        Então de fato River fazia as crianças terem medo dele... mas será que era usando magia? Afinal, eu já sabia que ele tinha algum tipo de ligação com as cobra.

        — CHEGAAA! — Berrou Nina, pulando no chão de irritação. — todos vocês estão certos, ok? Agora vamos parar de discussões bobas e...

        Ela parou no meio da frase, então deu uns passos para trás e correu para longe de nós. Todo mundo ficou sem entender até que Layla olhou para trás e disse:

        — Ui, as árvores são azuis. Tô indo embora. — e saiu correndo.

        E assim que ela soltou sua frase sem contexto, todos os outros a seguiram sem nem hesitar, como se aquilo fosse uma frase secreta, que apenas eles usavam.
        Me virei, já com um palpite completamente certeiro, do quê ou quem, os fez correr dessa maneira.
        Era River, óbvio... ele estava, estava com uma cobra sobre seus pés, olhando em minha direção com os braços cruzados, como se soubesse exatamente o que as crianças estavam falando dele.
        Corri até a sua direção, vendo a carranca que ele estava carregando ter ainda mais ênfase.

        — Bela serpente. — proferi, e sorriu quando vejo sua carranca se dissipada por uma expressão de surpresa. — Me pergunto se eles correram por ela ser uma cobra ou se porque acharam que tinha veneno.

        — Você não tem medo que ela te  morda e você acabe morrendo? — ele diz, em frustração.

        — Que ela me morda sim, mais uma jiboia não tem veneno. — Falo, vendo o corpo roliço, meio alongado e ligeiramente comprido  da serpente camuflada. — Eu disse que meus pais eram veterinários, conheço muito bem as espécies de cobras.

        Estou ficando muito melhor em mentiras do que eu imaginava. Na verdade eu tinha trazido um livro de espécies de cobra.
        Afinal, nunca se sabe quando River pode dar o louco e tacar um cobra em cima de mim, até porque, também tenho uma tipo de afinidade como as cobras. Não é igual a dele, porque ele entende e fala a língua das cobras, eu só entendo o que elas dizem.
           “Quer que eu a espante, mestre” a serpente pergunta.
        River não respondeu, estava  obviamente em dúvida, até mesmo seus olhos verdes refletiam sua indecisão.

        — Não acredito que você está mesmo em dúvida sobre isso. — soltei repentinamente, fazendo-o dar um pulo. — vai mandar sua cobra me atacar, que coisa feia, Sr. Armstrong.

        Dito isso, saí de perto dele. Não fiquei realmente ofendida por ele estar em dúvida, afinal, estamos falando de Abyssalorn. Ele ter hesitado já é uma boa evolução.... eu acho, não tenho certeza.
        Já é noite e não fui para o quarto. Procurei ignorar River por completo só para ver sua reação. Não houve uma reação muito drástica, mas ele pareceu de mau humor a maior parte do tempo e ficou fora da biblioteca.
        Então tive algum progresso, já que Layla diz que ele só saía da biblioteca quando tinha que comer, ir a escola ou fazer alguma coisa.
        Aproveitei que a biblioteca estava vazia e voltei aqui para terminar o livro que eu comecei quando conheci River. Eu já estava no final quando a porta se abriu, mas nem reparei, estava entretida com a historia de Agua e Tristan.

        — Já são 11 horas.  — Disse alguém, quase me fazendo cair da poltrona de tanto susto. — Você vai ficar de castigo se a senhorita Odília te pegar aqui.

        — Eu não vou ficar de castigo.

        Ele se aproxima de mim, sentando-se a minha frente, olhando fixo em meus olhos.

        — Você entendeu o que minha serpente disse. — Ele tamborilou os dedos na mesa. — Como você fez isso?

       Fecho livre com rudeza. Eu não tenho nenhum minuto em paz desde que cheguei nesse orfanato.
        Toda vez quando vou para um canto ficar quieta, chega uma criança e me chama pra brincar e quando recuso, a senhorita Odília me olha como se algo estivesse errado comigo.
        Cara, eu só queria um tempinho quieta com meus próprios pensamentos e terminar esse livro.
        Olho para Armstrong, eu sabia que o fato de eu ter feito parecer que entendi o que a cobra disse iria fazê-lo ficar alerta em relação a mim.

        — Do mesmo jeito que você, River.

        — Losson. — Ele murmura, fitando os dedos.

        — O quê?

        O olho sem entender, afinal, esse não é o nome dele?

        — Losson, me chame de Losson.

        Argh, eu sempre esqueço disso.
Aqui é a Inglaterra, Priscila. Penso, reprimindo a vontade de revirar os olhos. Não é o Brasil, as pessoas não se chamam assim que se conhecem pelo primeiro nome, sua tonta.

        Tenho que estar mas atenta em relação a isso. As pessoas tendem achar que é falta de educação chamar uma pessoa que não conhece bem pelo primeiro nome.


        — Os outros te chamam de River. —eu disse, pondo o livro em cima da mesa. — por que eu não posso?

        — Porque você não pode, e ponto.

        Respiro fundo. Paciência não é um dom que Deus me deu, e nessa missão vou precisar de muitas, porque ela provavelmente durará anos e anos. Estremeço só de pensar na quantidade de tempo que vou ter que gastar.

        — Affi. — sibilo, me levantando para guardar o livro. — Você realmente não deve gostar muito de mim.

        Ele se levanta com brusquidez, arrastando a poltrona para trás, me deixando surpresa com sua mudança de humor.

        — Não é que não gosto de você, só prefiro quando me chamam de Losson.

        — E por que você não gosta? —indago, realmente curiosa.

        — River é um nome muito... — Ele para pra pensar e em seguida diz. — Estranho. Quem gostaria de ser nomeado de rio? Além do mais, todo mundo conhece aquela música idiota do “River, o ladrão”.

        — Entendo. — proferi, sem entender mas entendendo, e abri a porta da biblioteca. — então vou inventar um nome criativo para você.

        Dito isso, saio correndo o mais rápido que pude sem fazer barulho.
        O meu quarto era ao lado da cozinha, isso não me surpreendeu já que ele era uma dispensa. O fato dele ser ao lado da cozinha é incrível, assim sempre que sento fome de madrugada, posso pegar alguma coisa pra comer.
        Quando River abriu a porta do quarto, eu já estava na cama, no meu decimo oitavo sono. Não houve quase nenhum barulho, exceto da janela se abrindo e de ele dizendo:

        — Tudo bem, Idly. Acho que ela não tem medo.

E então caí no sono, enquanto ouvia o barulho da chuva caindo sobre o telhado.
        Devia ser muito cedo quando acordei, sei disso porque ninguém veio bater na porta para nos acordar. Mas uma coisa era certa, o que estava enrolado em meu pescoço não era o lençol, e sim uma jiboia.
        Uma. Jiboia... Que se enrola na pessoa até lhe faltar ar com seu forte aperto.
        Essa Jiboia estava  enrolada em mim da barriga ao pescoço.

                             Continua...

A ampulheta de Soryláy《Tom Riddle》Harry Potter Onde histórias criam vida. Descubra agora