Brincadeira Sem Graça

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A novela das seis sempre foi uma merda para Juliana e agora após o velório, as lágrimas, os reencontros com aqueles que tanto a fizeram sofrer (e elas a eles), as horas aguentando, memórias, culpas e remorsos. Não aguenta mais nada quer apenas se jogar na cama e sumir do mundo.

Tira a camisa, o sutiã, a calça e os sapatos. O pisar descalço no piso gelado é a melhor coisa do mundo, vem até o desejo de cantar: "Livre estou! Livre estou!".

Pula na cama e se enrola — Chega por hoje, só chega... — de olhos fechados descobre da pior maneira que nada mais será como antes, descobre que até mesmo coisas simples como dormir pode ser um hercúleo trabalho: a mente não deixa o corpo descansar, na escuridão das pálpebras cerradas flashes de velórios, flashes dos rostos, flashes da discussão, da grande discussão, imagens de Judite gritando na chuva: "Eu quero que você morra!" justapostas com as dela deitada no caixão, fantasia com a irmã acordando no forno do crematório gritando desesperada enquanto o fogo a devora, vira a cabeça para o lado e fantasia com a irmã acordando dentro do caixão gritando enlouquecidamente de dentro do jazigo e ninguém a escuta. Pensa no abraço apertado que recebeu de Santos. Ah, Santos, será que se ela tivesse ficado com você as coisas teriam sido diferente? Será que se tivesse te escolhido hoje seria feliz ou aquele domingo primeiro de agosto sempre foi inevitável? Um ponto fixo no tempo-espaço como em Doctor Who... por Deus o que eu estou pensando! Ela levanta e vai à escrivaninha, bebe uma xícara grande de café, abre o notebook. Trabalhar, eu preciso trabalhar, tenho que soterrar isso de alguma forma. Abre os e-mails e um deles salta aos olhos feito a lua cheia no céu noturno. Era de judite, clica nele e lê:

"Me ajuda! Ele quer me pegar!"

Rapidamente corre para conferir a data: terça-feira 03 de agosto às 18hs45. Mão vai a boca tentando inutilmente conter o riso nervoso vazando.

— Mas que merda de brincadeira sem graça é essa?! Quem é o filho da puta que faria isso... — um rosto, um nome vem a mente — Jéssica sua sapatona miserável, você não tem limites... — a dor de cabeça a acertar feito marteladas. Fecha o computador com tudo, levanta e vai ao banheiro resmungando.

Toma dois comprimidos que nem sabe o nome, sua amiga disse "É bom para dormir", bebe a água da pia mesmo. Vira e assusta com a escuridão vinda da sala. Eu desliguei as luzes? Atravessa a sala em direção do interruptor, para repentinamente sentindo a pressão de alguém a olhando. Pensa em olhar para trás e por algum motivo não o faz. Não seja tola, não tem nada ai. Vira a cabeça e sem acreditar vê um olho brilhante, amarelo a fitando através do escuro, no outro lado da sala. Grita e corre até o interruptor, assustada o erra duas vezes até acender a luz e constatar que não há nada ali.

— Juliana sua burra! Você tem que para de tomar remédios que os outros recomendam... Malu, eu vou matar você... — diz para si mesma e volta à escrivaninha, porém sente os olhos e o corpo pesando. Nossa, né que essa porra é boa mesmo. Desiste de fazer seja lá o que estava pensando e vai à cama e antes que perceba dorme feito uma pedra com todas as luzes acessas.

O Homem De Dez Mil OlhosOnde histórias criam vida. Descubra agora