O Apartamento De Paredes Verde Limão

9 1 0
                                    


Engraçado, antes Samurai não se importava com o nome da cor "É verde e pronto! Não sei para que tudo isso, não vamos pintar as paredes de novo!" e hoje a chamar pelo nome correto é mais do que importante, é sagrado. Coloca a urna de Judite sobre a mesa em frente as paredes verde-limões. Senta no sofá e contempla o objeto feito de cerâmica, brilhante como as lágrimas escorrendo por sua face, negro como o remorso a comendo por dentro ... como eu fui tão burra de não vê os sinais?!... a base dourada como as memórias felizes e o desenho da árvore da vida para dizer para si mesma e à Judite que a vida continua. Ah, Judite! A vida continua meu grande amor!

Daqui a pouco Ju estará aqui para buscar Judite e isso a desespera, quer agarrar a urna e sair correndo, esconder as cinzas sobre o tapete ou quem sabe mentir, sim mentir, eu vou entregar a urna vazia ou colocar um pouco de terra dentro e dizer que são as cinzas de Judite, isso, isso ela nunca desconfiará... não sua burra! Sua burra! Sua burra! Você não está escutando a si mesma? Veja o que está dizendo?! Não seja egoísta... e se rende as lágrimas que aos poucos vai perdendo as forças, vai voltando a razão.

Como pode um dia você está viva, sorrindo, me beijando e no outro você é um montinho de cinzas que não pesa mais do que algumas gramas.

Desvia o olhar para as paredes verde-limões sendo assim ferida pela saudade e as memórias. Eu vou enlouquecer. Cadê a Ju? Não estou mais aguentando ficar sozinha nesta casa... por Deus eu preciso... eu preciso... eu preciso... eu não sei do que eu preciso...

Levanta e muda a urna outra vez de lugar, procura um canto que seja perfeito, um canto que possa lembrar com carinho antes que a Ju a leve para longe, a leve para nunca mais voltar... mas o que eu estou dizendo? Ela nunca mais vai voltar não importa onde eu coloque essa porra.

Trinta minutos após a doce e perturbadora solidão com a urna funerária alguém bate à porta trazendo alívio e desespero. Eu terei que dizer adeus a ela... não seja idiota! Você já disse adeus e o que está fazendo agora é muito pior: está impedindo das duas ficarem em paz e do o espírito de Judite descansar.

— Oi!

— Oi!

Diz as duas secamente. Do lado de fora Ju encara Samurai que demora para cair a ficha e dizer:

— Desculpe! Por favor entre.

— Não vou demorar.

Inevitavelmente Juliana dar de cara com as paredes verde-limões, várias lembranças a atinge com a força de quebrá-la em lágrimas, porém a raiva das brincadeiras de ontem à noite a trazem de volta a si, já não é mais hora de tristeza, é hora de guerra.

— Você está bem?

Ju responde com um olhar cortante.

— Desculpe! Por favor sente-se. Quer alguma coisa? Café? Água?

— Não quero nada... então... você ficou com todas as coisas da Judite.

— Sim...

— O computador, o celular?

— O notebook e o celular estão com a polícia. Eles pegaram para fazer a perícia.

— O quê?

— A princípio todos nós pensamos em assassinato. Ela estava meio estranha dizendo que alguém a estava perseguindo, porém como ela dizia que era um homem de mil olhos amarelos não levei muito a sério achei que era por conta da... esquizofrenia... eu achei que eu tinha todas as respostas e... por Deus isso está me comendo... sei que é clichê dizer isso... mas se arrependimento matasse...

— Eu, eu, eu posso vê o quarto dela... por favor?!

— Claro... ali. — aponta para o quarto.

Ju segue na direção indicada, abre a porta e tudo ali de alguma forma a fere: as paredes verde-limões, a cama de casal, a escrivaninha, a cadeira giratória de tons verdes, as azaleias e as camélias na janela, as cortinas sacudindo pela brisa. Segura a dor outra vez. Examina a escrivaninha a procura do computador ou notebook, nada, senta na cama de casal. Fica parada como se pudesse absorver a energia da irmã e de repente levanta como se levasse um choque, procura a saída de ventilação, percebe os parafusos frouxos e sussurra:

— Irmã, você não muda nada mesmo.

Tira os parafusos e encontra um caderno decorado com ramos de flores. O coloca dentro da bolsa e fecha a saída de ventilação o mais rápido que pode.

Volta à cama quando a porta abre a assustando, porém de cabeça baixa Samurai não percebe nada.

— Fiquei em dúvida se devia mostrar isso a você, talvez eu estivesse sendo egoísta, talvez eu tivesse razão, mas acho que a única pessoa que tem direito de saber se quer ou não essa informação é você.

— Do que você está falando?

— Disto, — tira o celular do bolso — eu sabia que eles a levariam para a perícia então tirei uma foto. Não sei porque eu iria querer guardar isso, acho que porque eu ainda não consigo acreditar que o que aconteceu foi verdade mas...

— O que você tem aí?

— A foto da carta de suicídio de Judite. — entrega o celular para Ju que lê e chora — Me desculpa!

— Está tudo bem! Eu preciso, eu precisava passar por isso... será que pode... passar essa foto para o meu celular...

— Claro...

Como se estivesse em transe Ju anda perdida até a sala parando em frente à urna.

— É essa aqui?

Samurai a pega, segura firme entre as mão apertando forte contra o peito como se fosse um abraço de despedida, aquilo parecia que ia durar para sempre, parecia que sumiria no mundo levanto os restos mortais da amada quando surpreendentemente (até para ela mesma) estende os braços e entrega a urna para Ju.

— Está aqui... como eu disse que faria.

Ju a pega, agradece, despede e prestes a sair escuta:

— Se cuida!

— O quê?

— Eu disse se cuida, a vida ultimamente anda tão... finita.

Ju sem reação a fita buscando algo que nem sabe se existe, acena com a cabeça e vai embora.

O Homem De Dez Mil OlhosOnde histórias criam vida. Descubra agora