"Eu Vejo Você!"

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Ju desperta aos poucos. Olha no relógio e leva um susto, as janelas confirmam os ponteiros. Não acredito que dormir da mesma forma que voltei do cemitério. Levantando percebe que não está sozinha, o olhar corre para o canto do quarto de onde do meio da escuridão uma forma feminina a fita. Um corpo tomado por diversos pontos brilhantes e para seu puro desespero de Ju a coisa fala:

— Eu vejo você!

Ju recua até bater contra a cabeceira da cama. A coisa se aproxima e ao entrar na zona de luz da janela revela sua forma grotesca: uma mulher fisicamente idêntica à Judite, nua, os pontos brilhantes revelam ser olhos amarelos brotando por todo o corpo: olhos cobrindo o rosto, olhos dentro da boca, na língua, olhos nas palmas da mão e nas pontas dos dedos, olhos nos mamilos, olhos no umbigo, contornando os grandes lábios e entupindo a vagina, olhos por toda parte...

— Eu vejo você! Eu vejo você louca! Eu vejo você morta! Eu vejo você em agonia! Eu vejo você em chamas! Eu vejo você em chamas! Eu vejo você em chamas! Eu vejo você em chamas!

Aterrorizada pelo precipitar de Judite repleta de olhos, Juliana empurra o corpo contra a parede — Você não pode atravessar paredes Juliana! — pensa em empurrar Judite e sair correndo pela porta, porém percebe Zeca no umbral, bloqueando a porta, parado, nu, com o corpo coberto por milhares de olhos.

— Você não me acha bonito Ju?!

Ju grita, no susto agarra o abajur e acidentalmente o acende fazendo os dois desaparecerem na luz feito sombras.

No chão, em prantos, assustada sem saber o que é real e o que não é escuta a campainha, levanta e corre para a porta da frente:

— Santos! Graças a Deus é você.

— Você está bem? — pergunta ele a abraçando — Parece que você estava chorando?

— É a saudade, talvez um pouco do remorso. O que você está fazendo aqui?

— Bem, eu estava...

Enquanto ele fala a atenção dela corre para a gola em "V" onde percebe uma forma estranha, uma pele estranha, uma... pálpebra! Ela puxa a camisa dele revelando um horrendo olho amarelo no meio do peito.

— SEU MENTIROSO! — grita ela — Vai embora daqui e não volte nunca mais — o empurra com tudo o fazendo cair para fora do apartamento.

Ele volta e bate na porta trancada gritando:

— Ju! O que está acontecendo? Me deixa ajudar você! O que está acontecendo?

— Se você não for embora agora mesmo eu juro por Deus que vou chamar a polícia!

II

— Alô Samurai?

— Santos, sou eu pode falar

— A Ju enlouqueceu: fui visitá-la, ela me recebeu cheia de carinho, pela cara dela parecia que estava chorando e de repente ela surta, me expulsa de casa e disse que se eu não for embora ela ia chamar a polícia.

— Onde você está?

— Eu estou aqui no estacionamento do prédio da Ju.

— Ta bom! Escuta: ela deve estar surtando como a Judite. As duas têm um problema hereditário de saúde mental e por causa disto a mãe delas cometeu suicídio...

— O quê? Ela nunca me disse isso.

— Elas têm vergonha disso e evitam de falar a respeito, mas isso não vem ao caso agora. Escuta: acho que a carga traumática de perder a irmã deve estar a levando a uma crise violenta. Não a deixe sair do apartamento de jeito nenhum, acho que ela pode fazer alguma besteira como a Judite. Espere por mim que eu já estou chegando e não faça nada até eu chegar, claro, a não ser que seja um caso urgente de vida ou morte.

— Entendi... então vem logo.

— Já estou indo. Aguenta aí!

III

Uma espiadela e não vê ninguém do lado de fora, volta para dentro, pega suas coisas, a chave do carro e uma faca que esconde nos cós da calça jeans e sai ligeira.

A porta do elevador abre e ela corre na direção do carro, passa sem perceber por um homem falando ao celular, não o vê desligando o aparelho e nem o vê correndo até ela mas o escuta gritar:

— ESPERA!!!

Ela para e o encara, parece Santos, porém seu corpo está tomado por olhos, olhos por todas as partes.

— Sai de perto de mim!

— Escuta Ju! — diz ele se aproximando com calma — Você está com problema, deixa a gente cuidar de você, a gente vai cuidar de você e seja lá pelo o que estiver passando você vai ficar bem. Então?

— Não se aproxime de mim!

— Ju! Sou eu, Santos, nós somos amigos... — toca no braço dela — você se lembra de mim?

— Eu nunca vi uma coisa tão horrível quanto você!

Puxa a faca e esfaqueia os olhos brotando do abdome de Santos, um a um, fura violentamente quatorze olhos. Ele grita e cai sobre o capô do carro deixando uma gigantesca marca de sangue.

Ju entra no carro, dá a ré jogando Santos no chão e sai a toda velocidade.

IV

Samurai pisa no freio com tudo e mal acredita no que os faróis iluminam: o carro de Juliana com o capô lambuzado de sangue.

— Mas o que você está fazendo com você mesmo Judite — sussurra Jéssica.

— Suma daqui sua coisa maldita! — grita Ju para a criatura semelhante à Samurai, porém com um grande olho amarelo no meio da testa. Ela dá à ré e entra na estrada.

Jéssica não vai a perder outra vez e entra numa perigosa perseguição: desviando dos carros na pista, a distância entre as duas diminui, o sangue ferve e a adrenalina as cegam para a iminente morte à esquina.

— Ju para o carro! — grita Samurai de três olhos

Chorando Juliana sacode a cabeça, olha para o retrovisor onde vê a figura de Judite com o dobro de olhos a observando na penumbra e sussurrando:

Eu vejo você em chamas!

Juliana assusta e vira o volante fazendo o carro entrar com tudo num pequeno trecho de vegetação, os pneus marcam violentamente a grama, o nariz do veículo acerta a palmeira provocando o acapotamento e um incontrolável incêndio.

Jéssica para perto do carro de Ju, porém não consegue descer para prestar ajuda, pois entra em estado catatônico assistindo Ju gritando em agonia enquanto a pele derrete no calor infernal do veículo disforme.

Você disse que era só voltar a tomar os remédios que eu ficaria bem — diz a voz de Judite sussurrando nos ouvidos de Samurai — você prometeu que eu ficaria bem.

O Homem De Dez Mil OlhosOnde histórias criam vida. Descubra agora