Se tem uma coisa que Caroline detesta em sua profissão é atestar mortes cerebrais.
É terrível saber que as pessoas podem morrer ainda estando quentes, ainda com o coração batendo. Não tem nada mais difícil que explicar para uma família que não há mais nada que possa ser feito, mesmo que as máquinas ainda emitam sons de esperança.
E ela declarou duas mortes cerebrais só naquela manhã.
O relógio não chegara às nove e ela já estava cansada como se tivesse corrido meia maratona. Gattaz definitivamente não era uma neurocirurgiã por esses momentos. E, quando criança, ela custou a entender como isso poderia ser possível.
Caroline tinha nove anos de idade quando sua mãe sofreu uma parada cardíaca. Criança, ela achava que aquilo queria dizer que seu coração tinha parado de bater, e não que sua cabeça não funcionava mais. Os médicos da época explicaram que ela estava certa, mas que pelo tempo que levaram para recuperar os batimentos fez com que o cérebro ficasse sem oxigênio e, por isso, levou à morte cerebral. Mas vendo sua mãe ali, deitada na maca do hospital de olhos fechados, ela não entendeu. Ela conseguia ver o peito de sua mãe subir e descer, então sabia que ela estava respirando. Também sabia que o coração estava batendo, dava para ouvir as máquinas e sentir colocando a mão pertinho. Então, como era possível que sua mãe não fosse acordar de novo? Carol não soube, nem mesmo os médicos sabiam muita coisa sobre isso quando tudo aconteceu.
E mesmo depois de concluir a faculdade de medicina, se especializar em neurocirugia e se tornar uma das maiores do país, ela ainda não tem certeza de como isso acontece. É claro que ela entende a ciência e o modo como o mecanismo funciona - ou não funciona -, mas a parte de digerir o fato de declarar morta uma pessoa que tem o coração batendo? Isso ela ainda não consegue entender.
Então, toda vez que ela precisa fazer algo assim, dói. Toda vez é uma viagem de volta aos seus nove anos de idade, quando ela ficava horas sentada no quarto de sua mãe esperando que ela acordasse. E hoje, pouco depois das oito, ela sentia como se tivesse com o peso do mundo nos ombros.
Tirou a touca cirúrgica da cabeça e respirou fundo. Seu semblante estava sério e os olhos pareciam meio perdidos, até para ela mesma, quando se olhou no espelho. Resolveu deixar seu cabelo preso - de algum modo, sentia que voltaria à sala de cirurgia em certo momento - e vestiu seu jaleco. Precisava comer. Saiu da sala dos atendentes e foi em direção à cafeteria do hospital.
Chegando lá, abasteceu-se de um refrigerante zero açúcar e de uma porção de pão de queijo logo antes de ser chamada por Sheilla, que acenou discretamente de um banco próximo à cafeteria. Com seu café da manhã em mãos, Carol caminhou até onde sua amiga estava e sentou ao seu lado.
— Oi, como vai você, minha amiga? — Sheilla perguntou. — Amiga minha que não fala comigo direito há dias, como vai?
Gatttaz deu uma risadinha, meio culpada.
— Vou bem, minha amiga ciumenta. Brigada por perguntar — respondeu, brincando. — Muitas coisas acontecendo, quase não nos vimos, né. Como cê' tá'?
— Seu celular tá' aí justamente pra quando a gente não se vê, né? Tô' começando a achar que cê' tá' velha mesmo, hein.
A neurocirurgiã riu e, enquanto abria a garrafa de seu refrigerante, resmungou qualquer coisa sobre não gostar muito de falar por essas coisas. Castro respondeu à pergunta de Carol dizendo que estava a ponto de enlouquecer com as gêmeas aprendendo a somar e subtrair juntas e brigando a cada conta em que os resultados divergiam. Nesse momento, Gabriela chegou dizendo que se dependesse de Sheilla, Liz e Ninna ficariam sem saber as operações básicas da matemática e que era ela que colocava ordem na mesa de estudos das pequenas.
VOCÊ ESTÁ LENDO
The brain's heart
FanficCarol e Rosa se conhecem em um ambiente hospitalar, no qual nenhuma das duas está muito interessada em algo diferente de seus pacientes. Mas entre muitas diferenças, muitas discussões e muitos plantões juntas, elas descobrem que são exatamente como...