06 ══ VI

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Debaixo da luz das estrelas, Seulgi mantinha uma de suas mãos sobre o peito e os olhos fechados. Sua ferida estava levando mais tempo do que o previsto para curar, ela sentia-se esgotada.

Ao seu lado, Jaehyun estava sentado com as costas eretas, contemplando as movimentação das ondas em silêncio. Suas forças estavam voltando ao normal mais rapidamente, embora ele também tivesse sido ferido. Somando esta informação à imagem de uma Seulgi imóvel no chão, ele conseguiu concluir que, embora Seulgi tivesse infinitas habilidades como bruxa, ele, por outro lado, tinha uma resistência e força maior por seu corpo quase completamente como o de um vampiro. Aquela era a grande diferença entre ambos.

— Você devia ter vergonha.

O silêncio foi repentinamente rompido pela fala da Kang, trazendo leve confusão ao Lee, que logo a encarou sem expressão, esperando que ela prosseguisse.

Seulgi abriu seus olhos e observou as estrelas acima de si. Seus olhos, agora brilhantes, refletiam aquelas infinitas luzes pairando silenciosamente no céu.

— Como você pôde... como pôde ter vivido toda essa mentira?! — ela gritou embora sua voz estivesse fraca. Jaehyun sabia do que se tratava, é lógico que não era nada comum que um vampiro pudesse lançar facas sem ao menos tocar nelas.

— Eu tinha de sobreviver.

Seulgi sorriu ironicamente, completamente desacreditada do que estava ouvindo.

— Bom, eu estou viva, não estou? — ela disse em voz baixa, virando o rosto para o lado oposto de onde Jaehyun estava. — Você não é esperto, apenas foi covarde.

— Eu tenho um propósito a cumprir! — o Lee esbravejou de repente, recebendo um olhar atento da Kang. Ele então bufou, voltando a encarar a paisagem tenebrosa a sua frente. — Minha mãe também foi uma vítima de toda essa propagação de ódio insana, mas ela não pôde se virar da forma que você fez. — Seulgi manteve seu olhar sobre Jaehyun, atenta a suas expressões sem ao menos se dar conta. Jaehyun bufou e então prosseguiu: — Eles as sequestraram e fizeram experimentos com o corpo dela. Ela não sobreviveu.

Seulgi abriu mais os olhos, temendo em seu interior que algo do tipo tivesse acontecido a sua mãe sem que ela soubesse. Todas as lembranças que ela tinha eram confusas. Além de suas lembranças ruins com seu pai, ela se lembrava pouco de seus momentos bons com sua mãe. A única coisa que permanecia em sua mente era a lembrava da Kang mais velha doente demais até para levantar da cama. Seria possível que tivessem pego ela? E se ela foi sequestrada mas conseguiu escapar? E, se era verdade, onde seu pai estava naquele meio tempo?

— Quem a pegou? — a Kang forçou-se a sair de seu devaneio e quebrou o silêncio.

— Eu não sei. Quando me infiltrei no Instituto eu verifiquei os velhos arquivos assim que tive oportunidade. Infelizmente, não havia nada lá sobre ela. Nem registro, nem qualquer sinal de ela um dia tivesse passado por lá. — explicou, bufando baixinho em seguida. — Mas eu não acredito na inocência deles porque eu assisti de perto cada vestígio de ódio no rosto deles quando descobriram que você poderia estar viva. Tenho plena certeza de que eles queimariam uma bruxa viva por pura diversão.

Seulgi assentiu, engolindo a seco para que suas lágrimas não viessem à tona. Aquela era uma perfeita representação de sua realidade. Bruxas e vampiros não poderiam existir no mesmo lugar.

— E mesmo não possuindo o mesmo ódio você veio me matar.

Jaehyun desviou o olhar para o outro lado, tirando Seulgi de seu campo de visão.

— Eu não vim matar você. — confessou ele.

Seulgi o direcionou o olhar de forma surpresa, erguendo o corpo levemente para se apoiar sobre os dos cotovelos. Com certeza aquilo era algo que ela não esperava.

— O quê?

— Você ouviu. — ele virou o rosto para trás, encarando o rosto da Kang serenamente. — Somente você pode acabar com esse ódio generalizado. Você é mais forte do que muitos deles. Se você conseguir, será o fim. Ninguém irá parar você.

Aquelas palavras atingiram em cheio a mente de Seulgi. Em toda a sua vida, ninguém jamais a encorajou a lutar por sua liberdade. A Kang refletiu por um momento em silêncio, mas um assunto antigo lhe veio à cabeça.

— Como você pode ser imune...?

Jaehyun atentou-se à expressão distraída da Kang, parecendo que a pergunta dela havia sido mais para ela mesma do que para ele.

— O quê?

Ela riu e deitou de lado, apoiando a cabeça na mão enquanto observava a paisagem infinita à frente. Os olhos de Jaehyun fixaram-se em cada movimento do corpo dela.

— Meu sangue é venenoso. — declarou ela. — Eu decido quando o aroma dele é tóxico. Quando ele é bebido, a morte é instantânea. Quando o aroma é sentido, sua vitalidade é sugada de pouco em pouco e você não consegue se debater.

O olhar dela voltou ao do Lee enquanto ela exibia um sorriso.

— Mas você se mostrou imune desde o primeiro dia. Mesmo agora, você continua aqui. — Ela riu nasalado diante da expressão séria do outro — Mas a grande questão é, se você é mesmo um vampiro, como não foi capaz de me atacar até então? — questionou ela, referindo-se ao seu ferimento no estômago do qual o cheiro forte de sangue ainda exalava.

Jaehyun desviou o olhar antes de responder, percebendo que encarava a mulher há muito tempo.

— Eu me alimento quando sinto necessidade, mas o cheiro de sangue humano não atrai meu paladar. Sangue de animais são o suficiente.

Seulgi ergueu as sobrancelhas. O caso de Jaehyun poderia ser tanto um caso raro quanto um inexistente. Era de conhecimento geral que os vampiros comuns fossem absolutamente incapazes de controlar sua sede diante de sangue humano derramado. Mesmo assim, o fato de ser veneno não ter surtido efeito no Lee ainda era uma grande questão.

— De toda a forma, você devia ter sido envenenado, gostando ou não do sabor do sangue. Você é um filho de uma puta mesmo, né?

Ela riu alto, inclinando a cabeça para trás levemente. Jaehyun sorriu pequeno, colocando-se em pé e caminhando até a mulher.

— Ou talvez sua mãe seja muito foda. Você já pensou que ela poderia ter feito magia pra te deixar imune? — supôs Seulgi, num tom estranhamente animado.

Jaehyun deu de ombros levemente, observando a paisagem enquanto ignorava as risadas da Kang. Ela tinha um humor duvidoso e pelo visto não possuía tanto rancor dele quanto ele pensou que ela teria. Ao menos foi o que pareceu naquele momento.

Depois que o silêncio voltou, Jaehyun avisou que o amanhecer chegaria em uma hora. Em seguida, ambos saltaram de volta para aquela espécie de covil, entrando pela mesma passagem de onde caíram. Ambos chegaram a um quarto onde havia uma grande cama com lençóis velhos, porém limpos. Jaehyun sabia que Seulgi era em maior parte humana, mas não imaginou que ela também dormia.

— Essa cama não é minha. — esclareceu Seulgi, notando que Jaehyun encarava o móvel há tempo demais.

— Era da sua mãe?

— Sim. Retirei de nossa velha casa e trouxe até aqui.

Seulgi rodeou a cama por um momento e logo sentou à beira do colchão macio. Ela passou a mão por ele levemente, afagando os lençóis enquanto continha um sorriso.

Jaehyun a encarou enquanto ela não olhava, percebendo que Seulgi era muito mais humana do que ele imaginava. Ela possuía o coração de um humano, apesar de toda a fúria que ela própria despejou na raça vampira. Ele nunca imaginou que veria aquele lado dela. No fundo, mesmo que bem no fundo, ele sentia-se igual.

Seulgi ergueu a cabeça e seus olhos encontraram os olhos do Lee. Mas dessa vez, ele não desviou.

— Você está olhando há tempo demais para mim, senhor Lee.

Ela riu levemente, mas seu sorriso estranhamente desapareceu ao ouvir Jaehyun falar.

— Eu sei.

Blood Scent ══ jaehyun x seulgi Onde histórias criam vida. Descubra agora