Formiguinha

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Ca ra lho!

A morena soltou um suspiro de alívio quando, finalmente, terminou de prender seus últimos fios de cabelos em uma trança comprida e quase fina. Era cansativo, estava com os braços dormentes de tanto os manter elevados e quase desistira ao concretizar suas primeiras quatro tranças. Mas não podia, senão, saíria como uma palhaça de duas cabeças. Haa, aquilo parecia tão simples quando era sua amiga, Juliana, a fazê-lo. Mas não tinha Juliana ali, tinha sua mãe, mas, bom... Celeste não se preocupava em cuidar do próprio nariz, quem dirá cumprir devidamente com seu papel de mãe?

Com o cabelo maximamente apresentável, uma roupa que a colombiana julgava consideravelmente apropriada para o tipo de clima que reinava em seu país, a pasta de costas preparada para mais um fodido dia de faculdade, Elizabeth se encontrava pronta para enfrentar todos aqueles engravatados e mandar eles se lascarem junto com a oferta que tinham feito a ela. Não era tão difícil assim, era só recusar e pronto! Sua vida não mudaria nada. Uma decisão fácil.

Era assim que a ragazza obrigava sua mente a ver as coisas: negar uma bolsa de estudos para a melhor universidade de Miami? Nada demais. Mas porra, no fundo, mas bem lá no fundo mesmo, a garota sabia que estava vacilando, sabia que estava optanto pelo errado e que podia até se arrepender no futuro. Mas quem se importava? Sua mãe ficaria completamente sozinha se ela tomasse a decisão de aceitar; seu namorado não conseguiria manter uma relação à distância e ele mesmo fez a plena questão de deixar isso bem claro. E ainda tinha sua melhor amiga, que fez todo um drama e chorou horrores só por Elizabeth ter colocado aquela ideia como hipótese. Logo, não o faria, não mesmo. Se ela ficasse, seu namorado estaria feliz, sua mãe também e claro, sua amiga. Então Elizabeth também estava feliz e era só isso que importava.

Com mais um suspiro, a tatuada se colocou frente a frente com o espelho rachado e soltou um calão ao perceber que fez porcaria com as tranças na raiz do cabelo. Jesus! Por quê tinha aquele tipo de cabelo se nem condições de os cuidar conseguia ter? Pelo pouco que se lembrava da sua família distante, os cabelos da sua avó eram lisos, das suas primas eram lisos, da sua mãe eram lisos e do seu pai... bom, seu pai era careca.

Com um resmungo de impaciência, a colombiana colocou tudo nas mãos do Senhor e se mandou do seu quarto. Despediu Celeste que fez questão de não responder, mas isso já não a afetava, Elizabeth já estava acostumada mesmo.

A morena desceu as escadas rapidamente e soltou um resfôlego ao sentir as pernas dormentes e a respiração quase fora de alcance.
Era uma merda viver no décimo andar, não, era uma merda viver naquela zona de Bogotá. Tinha o elevador que nunca saía da reparação; os prédios decadentes; a maldita subida das ruas; os cães que ladravam a noite toda; o barulho das motorizadas dos traficantes. Tinha até direito a tiroteio de vez em quando.
Enfim, sempre se perguntou porquê não podia, simplesmente, ter nascido uma burguesa, numa zona de gente nobre, curtindo festas em Dubai e soando o nariz com uma nota de dois mil pesos. Mas isso é o básico do questionamento do pobre, não é?

Ao sair da proteção que o prédio lhe trazia, a ragazza praguejou internamente e colocou a pasta por cima da cabeça para se tapar do sol intenso. Cumprimentou dona Guadalupe que sempre se dispunha a ficar de olho na vida dos outros, sentada por cima do seu banquinho, na sua pequena varandinha, ainda na companhia de uma chicara de chá naquele calor infernal de trinta e nove graus.

Elizabeth apressou os passos. Estava atrasada e não se encontrava nem na metade do caminho. Tapou o nariz ao passar pela poça de água estagnada no caminho precário e decidiu que mais valia parar ali porque se dependesse da rua, nunca faria o que pretendia fazer, já que toda a estrada estava do mesmo jeito.
Uma sensação nauseante se apossou dela assim que seus pulmões começaram suas reclamações pela falta de ar e teve que ceder ao cheiro. Pegou em sua pasta e procurou pelo celular para ligar para Juliana. Queria saber se a desgraçada tinha largado aquela vida de faltar na faculdade e finalmente começaria a estudar a sério. Não que tivesse muita esperança disso, mas não custava nada tentar, quem sabe um milagre aconteceria?

Colombiana - (EM ANDAMENTO) Onde histórias criam vida. Descubra agora