Descenso: Aguaceiro (Parte 1)

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Mais uma vez – como praticamente todos os dias da semana – ele se encontrava dentro de um avião. Sentado na primeira classe, com um dos guarda-costas de confiança ao lado, e outras pessoas - que rodeavam a sua vida por conta da carreira de ator - nos outros assentos.

Mantendo a cabeça baixa, com a máscara preta deixando quase totalmente seu rosto coberto, Xiao Zhan fingia dormir. Não, não é como se estivesse fingindo, ele simplesmente queria dormir e descansar, mas não conseguia.

Depois de precisar viajar como sempre para sessões de fotos e eventos, ele finalmente estava voltando para Xangai. Não via a hora de descer do avião, encerrar as atividades do dia, e descansar na presença do gato de estimação. Infelizmente teria que passar na empresa primeiro para conversar com a irmã. Mas era somente isso: pegar alguns roteiros para analisar, e ir pra casa.

Ele realmente amava o trabalho que tinha, mas a exaustão estava impregnada no seu corpo. Nem se lembrava quando teve algum descanso de verdade, e ainda se achava privilegiado de não ter horários tão rígidos, já que por ser dono da própria empresa tinha grande controle sobre a agenda pessoal.

O pior de tudo era a fobia social que adquiriu por conta da superexposição e do fanatismo descontrolado que havia sobre ele. O trabalho e as fãs era o que ele amava, mas também se sentia sobrecarregado e sem nenhum momento para respirar devidamente, fazendo que por vezes desejasse ser invisível pelo menos por alguns instantes.


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O avião pousou em Xangai por volta dás 23h, e depois de conseguir passar pela multidão de fãs que o esperavam no aeroporto ele foi em direção a empresa.

Já no escritório da sua irmã, que tomava conta da empresa e assumia ela no seu lugar, Xiao Zhan se viu mais tranquilo já que depois de pegar os roteiros ele teria 2 dias para descansar antes de voltar a suas funções.

- Jie[1] – ele chamou com uma voz infantil enquanto se jogava nos braços da irmã.


- A-Zhan, finalmente voltou. Está cansado, certo? - Xiao Lu falou enquanto afagava os cabelos do irmão mais novo, que mais parecia uma criança na sua presença.


- Estou... só quero pegar os roteiros e ir pra casa. - Era inevitável não suspirar com o cansaço.


Xiao Lu se soltou do irmão, e caminhou em direção a grande mesa presente no centro do escritório. Pegando uma pilha de papéis ela se aproximou novamente, e entregou-os.

- São esses, você deve analisá-los bem A-Zhan, não tenha pressa. Como são todos para a mesma época é importante que escolha o papel que você mais se sente à vontade, já que os outros serão descartados.


Xiao Zhan passou os olhos pelos roteiros, e suspirou novamente. Abraçou a irmã e se despediu, deixando a empresa, e indo para o apartamento. 


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O apartamento do ator não era grande, já que mesmo que ele possuísse fortuna quase nunca estava em casa. Certamente dava pra ver que o ambiente era moderno e com elementos caros, mas Xiao Zhan nunca se importou em esbanjar o dinheiro que tem, ele apenas mobiliou o apartamento com coisas que lhe deixassem confortável, sendo a cozinha a parte preferida dele.

Ao passar pela porta, uma bolinha de pelos se esfregou pelos seus pés.

ChaiChai é um gato gordinho e mimado, que passa a maior parte do tempo na casa dos pais de Xiao, que levam ele para o apartamento quando o ator volta das viagens; então sempre que volta encontra o animalzinho pedindo sua atenção.

Pegando o gato no colo e falando carinhosamente com ele, Xiao caminhou pelo apartamento, deixando os roteiros em cima da grande mesa de madeira maciça da sala de jantar.


- ChaiChai, seu pai precisa de um banho, sim? Depois lhe dou toda a atenção que quiser.


O banho foi demorado, como se pudesse extrair todo o cansaço que estava no seu corpo.

Ele se deitou no sofá, e ficou olhando para a vista que morar no 24° andar proporcionava.


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Mesmo na madrugada que se encontrava, era possível observar as grande e pesadas nuvens carregadas de chuva; a tempestade se formara enquanto Xiao Zhan dormia no sofá. O céu vezes clareava com trovões que insistiam em dar fim a uma noite outrora silenciosa. Em um desses trovões o ator despertou, olhando pela janela e pensando no grande aguaceiro que estava para chegar. Esse era o seu momento de paz.

Quando criança ele odiava chuva com todas as pequenas forças, mas depois de desenvolver fobia social ele passou a admirar tais 'oportunidades'. Sim, era estúpido, mas toda vez que chovia, e o aguaceiro se formava, ele saia. É o momento que as ruas estão mais vazias e pacíficas; é o momento que ele se sente seguro.

Com certeza sua irmã lhe mataria se soubesse que ele estava saindo às 2h da madrugada com uma tempestade irrompendo os céus, correndo perigo de sofrer um atentado por conta dos diversos motivo que claramente nem precisam ser citados. Tsc, arriscado, arriscado, completamente arriscado – mas ele não ligava tanto para isso.


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Totalmente vestido de preto, com a máscara e o boné mantendo a descrição sobre a sua identidade, Xiao Zhan andava despreocupadamente nas ruas – agora desertas – da grande cidade. Com uma mão no bolso tentando se aquecer, e a outra segurando o guarda-chuva, ele focava nas músicas tocando no fone de ouvido enquanto recitava linhas do próximo drama que estava para começar a ser filmado.

Uma, duas, três ruas, e os passos continuavam ordenados, como se não estivesse caindo o mundo a sua volta, e sua visão estivesse um pouco turva sobre perigoso e seguro.

Depois de caminhar por um tempo ele decidiu voltar para o apartamento; já havia se passado 20min e sua mente tinha se acalmado um pouco.

Quando estava chegando na rua que dava para o seu apartamento, ele avistou um homem sentado no meio-fio, abraçado as pernas, e vestido parecido consigo.

As luzes da rua reluziam em laranja sob as poças de água formadas no chão, e sob as gotas que ainda caiam. E mesmo que para uma pessoa normal tudo fosse sinal de alerta – a situação, o horário, a rua, a chuva – para Xiao nada importava, ele parecia sentir que aquela pessoa não era má, e que estava sofrendo como ele. Como uma pessoa pode ver outra assim e não ajudar?

Uma parte do seu subconsciente gritava "Você não está louco de se aproximar, está?" "Todo mundo já viu o seu rosto pelo menos uma vez, você esqueceu tudo que passa todos os dias? Vai mesmo correr o risco?", enquanto a outra parte gritava "Ele parece você, não parece?" "Eu vejo facilmente você nessa situação, tentando fugir da realidade de alguma forma." "Você vai mesmo deixar ele na chuva?". E enquanto tentava lutar para sua mente se acalmar, ele se aproximou da pessoa que também se mantinha na mesma posição, sem nem notar que alguém lhe observava durante interruptos minutos. Se fosse alguém perigoso ele não poderia mais evitar... 


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"Algum dia, a chuva fria se tornará lágrimas quentes e cairá, está tudo bem, é apenas um aguaceiro passageiro. ~ I.O.I - Downpour


Notas:

[1] - 姐(Jiě): Irmã 


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