to hate

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Edimburgo
Junho, 1999

As competições de xadrez eram a pior parte do meu dia sem dúvidas. Duas vezes por semana eu era obrigado a jogar aquele jogo patético porque, segundo meu pai, com os prêmios dessa completa perda de tempo eu teria mais chances para ser aceito em Yale.
Queria ter tido mais coragem para dizer a verdade para ele. Que meu sonho era cursar arte em Paris, e não ser mais um médico patético na Escócia - como ele era. Apenas mais uma das coisas que eu era incapaz de fazer.

Ainda assim, a única coisa que não me impedia de discutir com ele e determinar que eu não iria competir no maldito xadrez, era Avril, a filha do Winston, ex-chefe do meu pai e atual melhor amigo. Perder meu tempo com xadrez me permitia gastar meu tempo enchendo sua paciência (e esse era o meu hobby favorito).

"Você realmente pensa que eu sou tão burra assim?!" os seus olhos me fuzilavam. Ela levantou-se apoiando ambas as mãos na mesa, me encarando a ponto de pular em mim para me estrangular.

"Eu não penso. Eu tenho certeza."
Cruzei meus braços como forma de piorar ainda mais o que já estava na pior. Gostava de cutucar, de irritar, ganhava meu dia ao tira-la do sério. Eu vi o seu rosto tornando vermelho. Ela teria me matado ali mesmo caso a supervisora não intervisse.

Rolei meus olhos ajeitando-me novamente, assim como ela a minha frente. Todavia o seu ódio era tanto que a veia em sua testa me dava vontade de rir. Mesmo odiando jogar não havia como negar que eu era um insigne oponente. O seu maior objetivo era me derrotar na partida e, por enquanto, nunca aconteceu. Talvez por isso ela me odeie tanto. Porque sabe que nunca vai chegar aos meus pés.

E eu... prefiro continuar amando-a secretamente. Me escondendo atrás do ódio que ela acredita veemente que tenho sobre ela e que retribui à mesma medida.

Eu conheço Avril desde os doze anos. A filha do ex-chefe do meu pai, a linda garota de olhos claros e cabelo ruivo. Ela gosta de moda, rock norueguês e é uma exímia jogadora de futebol. Não consigo nem mesmo descrever como acho atraente garotas que jogam futebol, todavia não me atrevo a dizer que foi assim que me apaixonei porque eu era uma completa negação no que diz respeito a futebol.

Avril é uma garota espetacular. Tem aptidão para toda a grade escolar, aprovada em primeiro lugar em duas das melhores universidades da Inglaterra aos dezoito anos. Gosta de desenhar pessoas esquisitas em um caderno pequeno, do som da chuva batendo na janela e de cozinhar dançando música canadense.

O nosso relacionamento nunca foi dos melhores porque o meu medo de me aproximar como um garoto normal me fez desenvolver um comportamento hostil quando ela está por perto, e ela talvez nem saiba o motivo pelo qual eu a evito e menosprezo tanto. Sei lá, a probabilidade de um relacionamento envolvendo nós dois dar certo seria como a da alguém vencer o Powerball¹: uma em 292 milhões.

"Eu não vou desistir tão fácil, Howthorn."
Levantei-me porque agora era uma questão de honra. Gostava de evidenciar a diferença de altura e do modo como ela erguia os olhos para olhar para mim quando estávamos muito próximos.
"Muito menos eu." - sorri ao finalizar. Mais irônico do que eu gostaria que fosse, mas é inevitável: não consigo agir normalmente com ela. Percebi o modo como ela controlou-se para não revidar ao deixar a passos firmes em direção a saída do ginásio.

"Aí, Thomas. É melhor fechar a boca antes de começar a babar."

Respirei fundo. O babaca do Vince não perde uma oportunidade de me perturbar.

"E é melhor você aprender a jogar direito e parar de perder para garotinhas do elementar!" - o sorriso dele desapareceu no mesmo instante. Qualquer insulto contra suas capacidades o fazem parar de rir.

strange soulsOnde histórias criam vida. Descubra agora