Um

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Richarlison.

— Uma hora, você vai ter que contar 'pra ele, irmão – dizia Gabriel casual e irritantemente de boca cheia, se aproximando com uma maçã na mão enquanto eu prestava atenção ao FIFA que jogava.

— Contar 'pra quem o quê?

No fundo, sentia que sabia do que ele falava, mas não queria arriscar. Quanto mais Jesus esquecesse do assunto, mais fácil seria eu o esquecer também, embora proporcionalmente impossível.

Estávamos em minha casa, na Inglaterra, o país onde seria o ponto de encontro de todos os jogadores da Seleção Brasileira, ao mesmo tempo que minha casa era o ponto de encontro de todos os jogadores da Seleção Brasileira que jogavam na Premier League, daí o Gabriel estar lá, como o mais próximo de mim dentre eles.

— 'Pro Neymar – respondeu ele, depois de quase morrer enforcado por não engolir a maçã mordida como devia ser.

Eu não arriscava mas, pela pedalada dele, já sabia de que o assunto se tratava precisamente do que não queria falar.

— Jesus, não enche o saco – me referi ao seu sobrenome, tentando não desviar o olhar da tela como notável incômodo.

— Você mesmo 'tá se enchendo – ele se jogou preguiçoso num dos sofás da sala, apontando para a Tv. – Até quando vai fingir que não 'tá fracassando nesse jogo e, tudo, porque não consegue prestar atenção nele?

Eu observei o placar, dois à um, eu estava perdendo.

Mas o que tinha a ver? Eu poderia estar num mau dia no FIFA.

— Eu só 'tô nervoso – confidenciei, não sendo uma total mentira.

O peso de carregar a camisa amarela em meu corpo era sempre maior à cada jogo, mas quando o próximo jogo se trataria de um dos diversos da Copa, então o peso dele seria absurdamente absurdo.

— 'Pra Copa? Conta outra – Gabriel chiou, me deixando mais desconfortável. – Eu sou teu colega de Seleção, eu sei quando tu 'tá nervoso. Desde que você foi escalado, a última coisa que você pensou foi na escalação.

E ele não estava errado, daí o desconforto. Então pausei o jogo.

— E 'pra quê eu tenho que falar com o Neymar? – perguntei, fingindo interesse, mesmo que aquela não fosse uma alternativa.

Eu me desfiz do joystick enquanto o via acomodar-se no sofá.

— Ué, você prefere que ele descubra a merda bem mais à frente? – ele me deu uma encarada óbvia.

Naquela situação, o camisa dez tinha sido a última pessoa em quem havia pensado. Nem nele, muito menos nas consequências de não pensar nele.

— Ele não descobriu antes – me consolei, sabendo que começar a pensar em torno do fato não me deixaria sossegado –, não é agora que vai descobrir.

O camisa nove do Arsenal me encarou como se estivesse genuinamente preocupado com o meu fio de pensamento. Como se tivesse acabado de dizer algo criminoso. Me olhando com aquela expressão dramática e típica dele.

— Sim, porque com vocês dois no mesmo espaço vai ser puta fácil – ele agitou as mãos, evidenciando a sua inconformação.

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