─ 𝐎𝐍𝐄

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Acordar vendo o teto de seu quarto descascado com a tinta branca já amarelando é sem dúvidas um dos empurrões diários que Yuki precisa para forçar-se a levantar e ir trabalhar.

Tudo naquele apartamento medíocre estava caindo aos pedaços, as paredes estavam rachadas, havia uma infiltração no banheiro desde a semana passada, os azulejos bregas estavam manchados, os móveis são de segunda mão e tem um cheiro podre de mofo vindo do apartamento ao lado. Não importava o quanto ela limpasse, esfregasse e jogasse desinfetante, aquele cheiro pútrido predominava em cada canto dos dois cômodos que a mulher insistia em chamar de lar e impregnava os tapetes que dera um duro danado para comprar.

Yuki respirou profundamente, levantando-se o mais rápido possível, suspirando aos passos cansados dirigindo-se às janelas do quarto cobertas por um conjunto barato de persianas a fim de abri-las na intenção de amenizar o cheiro de casa velha. O sol invadiu o quarto de supetão e mesmo com tantos impasses não conseguiu evitar um sorriso fraco, pelo menos não estava chovendo, seria um dia ótimo para amenizar suas crianças.

Mais animada com o dia raiando foi até o banheiro e tentou avidamente não olhar para a mancha imensa de água ao lado da banheira, gostava de lembrar do ditado clichê "O que os olhos não vêem, o coração não sente" para sentir-se um pouco melhor consigo mesma, não era porque sua casa estava uma merda que ela também teria que ser como tal.

Com os seios exagerados na regata que usava como pijama sendo ressaltados, Yuki sorriu admirando-se em frente ao espelho, podia ser pobre e ter dívidas enfiadas em lugares inomináveis mas pelo menos achava-se bonita até mesmo quando acordava, o espelho quebrado na ponta com certeza não ajudava a manter sua estética de autoestima impecável mas a mulher tinha platéia o suficiente para dizer o contrário do que esse medíocre espelho tinha a mostrar.

Era entediante a maneira como as manhãs vividas em seu corpo eram incrivelmente simplórias e monótonas, se baseavam em tomar um café da manhã de má qualidade, vestir uma das dez camisas sociais brancas que colorem o seu guarda-roupa juntamente a mesma saia preta que cobria suas coxas, corrigir as atividades infantis, tentar deixar a casa com um cheiro decente e outras mil coisas infelizes que compõem a vida de uma assalariada.

Coisas simples como estas a fazem lembrar que independente de onde ela chegou, depois de tudo o que fizeram e falaram, ela realmente se tornou um fracasso.

Desgastante era o fato de se arrebentar de trabalhar em dois empregos e ainda sim receber o suficiente para se manter alimentada e morar em um bairro fodido com um apartamento pior ainda. Alguém como ela não merecia estar nesse tipo de situação, mas é a vida, injusta, controversa e muita das vezes cruel. Porém, reclamar e pensar o quão deprimente eram suas atuais circunstâncias não iriam encher sua barriga e muito menos pagar as contas.

Yuki depois de ter feito sua higiene matinal e ter vestido o uniforme costumeiro foi até os saltos vermelhos que estavam parados criando raízes dentro da caixa há meses, eles foram um presente de alguém que queria o máximo de distância possível, mas presente é presente, não poderia ficar para sempre fuzilando a caixa com ódio quando sabia que havia um belo par caro de saltos impecáveis a esperando.

Não eram altos e muito menos vulgares, mas tinham uma cor belíssima de rosas sangue que contrastavam perfeitamente com sua pele. Ela os calçou rapidamente, pegando a bolsa de couro preta, outro presente que queria esquecer, indo em direção a porta se despedindo temporariamente do cubículo velho.

A diferença das ruas onde morava para o lugar onde trabalhava era discrepante, de vendedores ambulantes com lojas de peixes a avenidas movimentadas com lojas de grife estampando cada esquina. Era torturante a diferença, o quão podre os pobres eram tratados.

𝐀𝐍𝐆𝐄𝐋, toji fushiguro Onde histórias criam vida. Descubra agora