Não se sabe ao certo quando o primeiro dominó foi derrubado para que toda essa sucessão de fatos acontecesse, mas em algum momento ele caiu, e em algum momento muito específico, esse que não sei definir qual, eu caí junto.
ATLAS
Os primeiros raios de luz de uma manhã de sol ameno adentraram pela janela entreaberta do quarto onde jazia um pequeno rapaz diante do espelho, esse que tentava a todo custo ajeitar o nó da gravata marrom sob a gola da camisa. Apesar de estar frustrado, não havia nenhum traço em seu rosto que indicasse isso. Olhou para o relógio pendurado na parede ao lado de sua cama e suspirou ao ver marcado nos ponteiros exatamente 7h15 da manhã. Iriam sair da casa em Toscana e precisavam estar na estação às 10h, para partir e talvez nunca mais retornar à bela Itália.
Aquele pensamento escureceu ainda mais os olhos de um profundo castanho, bem escondidos pelas lentes arredondadas e grossas dos grandes óculos que usava.
Atlas respirou fundo mais uma vez, sequer se dando conta da figura silenciosa que adentrou o quarto como um espectro de luz quando invade a janela e só se percebe quando sente o calor do toque na pele. Com Martina, a sensação era similar. Ela tocou seu ombro, assim compartilhando o calor morno e agradável de seu gesto gentil, retirando-o de imediato dos devaneios de uma saudade que ainda estava por vir. Os longos cabelos cor-de-mel escorreram pelos ombros pequenos, destacados pelo babado de renda sobressalente. O restante do seu corpo delgado era encoberto pelo tecido fino do vestido de algodão azul-claro que caia reto até a cintura, tornando-se mais triangular do quadril para baixo, onde passava um palmo dos joelhos que marcavam o tecido.
Sua irmã mais velha era uma jovem de grande beleza e inteligência, e Atlas, sempre que a olhava no fundo daqueles olhos dourados, sentia-se triste por perceber que era uma das poucas pessoas que a enxergavam daquela forma. Alheia a piedade do irmão, ela sorriu com doçura e apertou seus ombros pequenos, uma forma terna de acalentá-lo assim que o menino tornou-se cabisbaixo. Martina soltou um grunhido baixo, cavernoso e retraído, como se pedisse para que o mais novo a olhasse. Atlas teve que erguer a cabeça mais uma vez para que seus olhos alcançassem o olhar âmbar de Martina.
No fim, encararam-se por alguns segundos, antes que ela o abraçasse. Não a abraçou de volta, por mais que sua mente insistisse que era o certo a se fazer, mas sabia que ela não se incomodaria com a falta de retorno. Os dois se entendiam bem. Atlas escutou uma voz feminina, estridente e imperativa, vinda do andar de baixo, chamar pelo nome da menina e então desfez o toque com a mesma suavidade que foi gerado. Sinalizou para ela com as mãos, algo que dizia:
"Genoveva está te chamando", isso foi o suficiente para Martina erguer as sobrancelhas finas e dar um passo para trás, alarmada.
Ela sinalizou de volta:
"Papai quer falar com você" seu último gesto foi esticar o indicador na direção do menino. "Precisa ver se o coração está bom."
O jovem Carpentiere apenas assentiu, esperando a irmã se retirar do recinto com certa pressa, deixando os cabelos soltos a seguirem esvoaçantes como um véu. Sabia que a governanta da casa não era uma mulher que apreciava esperar — o que era bem diferente de seu pai, que também não apreciava, mas era mais tolerante.
Atlas voltou a se olhar no espelho e suspirou em frustração. Havia esquecido de pedir para Martina o ajudar a fazer o nó da gravata. Não tentaria de novo, então jogou a peça sobre a cama e saiu andando pelos corredores tão familiares. Esticou a ponta dos dedos, sentindo pela última vez a textura do papel de parede florido que outrora tanto detestava.
A casa estava terrivelmente silenciosa, a não ser pelo salto baixo de seu sapato que chocava-se contra o assoalho e emitia um som característico que alcançavam os cômodos mais próximos, denunciando sua localização. Particularmente, o jovem Atlas apreciava muito o silêncio e muitas vezes via-se mal-humorado e rabugento por ter que exigir quietude múltiplas vezes em um curto intervalo de tempo.
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A Graúna Dourada
AdventureO mundo parece fantástico no século 19, onde zepelins sobrevoam os céus e os cidadãos possuem uma vida confortável, graças à tecnologia a vapor que revolucionou toda a sociedade. Porém, a Crise do Carvão se espalha, ameaçando todo o progresso alcanç...