Capítulo I - As Segundas-Feiras são detestáveis

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 Alicia  

A minha tia-avó está quase arrombando a porta do meu quarto. É algo muito comum no nosso cotidiano, principalmente quando a semana começa.

- Alicia! Querida, já está na hora de se levantar – ela diz – Você vai acabar se atrasando desse jeito!

- Já vou! Já vou! – resmungo. Jogo o lençol para o lado e passo as mãos no rosto. Não sinto nenhuma vontade de levantar e ir para escola, especialmente hoje – O quão errado vai ser se eu fingir que estou doente?

- Você disse alguma coisa, meu bem?

- Não! – despisto. Tia Maria tem uma audição tão aguçada quanto a de um gato do mato – Vou começar a me arrumar para descer.

- Acho bom! Se não descer logo, os rapazes irão acabar com as panquecas! Você sabe como eles são vorazes no café!

Após esse alerta, ouço seus passos descendo as escadas. Bom, se tem algo que presta na segunda-feira, são as panquecas. Acho que é uma das únicas coisas boas, na verdade

Reúno toda minha energia – que é quase nula – e levanto da cama. Arrasto meus pés até a penteadeira e ali me sento. Pego um pente e entre bocejos, começo a pentear meu cabelo cacheado. Não posso reclamar do meu sono, afinal, isso foi minha culpa. Virei a madrugada fazendo um desenho por causa de uma inspiração repentina. Não posso dizer que fiquei arrependida, afinal, o desenho ficou bonito, só falta pintar. Sorrio para meus amigos pendurados na moldura do espelho. Mais tarde eles ganharão vida.

Ah, a alma de artista! É algo tão kauzig! Nunca para de trabalhar, mesmo nas horas de sono. Meu quarto é uma prova concreta disso. Com desenhos e algumas pinturas penduradas por quase todos os lugares e de brinde, uma parede pintada com um céu estrelado. Tia Maria vive reclamando do meu quarto. Ela sempre diz que é muito "bagunçado", mas nunca mexe em nada. Acho que no fundo, a tia gosta da minha bagunça.

Ao terminar de pentear meu cabelo, faço um rabo de cavalo e o prendo com uma fitinha verde, uma das poucas cores que posso usar na escola. Vou até meu armário e pego meu uniforme. Rapidamente, minha camisola é substituída por uma blusa branca que pinica e uma saia parda estúpida. A única coisa boa desse uniforme são as botas. São bem confortáveis para um calçado usado por militares.

Por último, junto alguns dos meus materiais. Enfio alguns livros, um caderno, tinteiros e penas dentro de uma bolsa de uma forma um tanto quanto desorganizada. Espero que a tinta não vire dentro dela, senão a minha tia vai me matar.

Antes de sair do quarto, volto para a penteadeira e pego minha caixinha de jóias. Tem alguns brincos e umas pulseiras, mas não são elas que me chamam a atenção. Pego um colar com uma corrente dourada e tem um pingente em formato de coração. Sorrio diante da jóia. Meus pais me deram ela quando completei seis anos. Sempre que a uso, sinto que eles estão comigo. Isso me dá forças.

E em um dia como hoje, irei precisar de todas as forças que conseguir.

Coloco o colar em meu pescoço e me apresso para sair do quarto. Se eu demorar mais, minha tia voltará a bater na porta perguntando o motivo de eu não ter descido ainda.

Desço as escadas tomando o máximo de cuidado para não tropeçar na barra da saia. Não quero morrer logo no início da semana. Já posso sentir o cheiro das panquecas e algo a mais... Seria bolinho de chuva? Sim, é sim! Minha boca começa a salivar e apresso um pouco o passo – por mais perigoso que seja. Sou louca por bolinho de chuva, e se todos eles forem comidos antes que eu chegue lá, não irei me responsabilizar pelos meus atos.

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