Brian, Nyah e eu saímos discretamente para não chamarmos a atenção de nossos colegas e professores. Aliás, eu ainda estou desautorizada a sair da escola sem a supervisão de Jon, Godric ou algum superior. Chegamos à biblioteca e Brian fez um feitiço para abrir a porta em silêncio
sem que nenhum cidadão ali nos notasse. Entramos de fininho sem dizer nenhuma palavra e continuamos os próximos passos na ponta dos pés.
Ao adentrarmos, sinto-me encantada. Por dentro, esta deve ser a maior biblioteca que já vi.
— Temos de ser rápidos, aqui é perigoso e extremamente importante para a cidade... Se souberem que nós estivemos aqui, entraremos em grandes problemas, minha querida — comenta Nyah rindo.
Nós seguimos Brian e vamos até uma sala secreta de arquivos sigilosos sobre os Maytreels e a cidade.
— Duas garotas certinhas estão me tornando um cara maligno. — Brinca Brian.
Nyah fica fascinada por um livro com uma Phoenix repleta de pétalas em torno de seu corpo. Pego o livro de sua mão ansiosa pelo que pode estar escrito, e juntas nós começamos a traduzi-lo.
Por sorte, está em uma língua que somos capazes de compreender.
— Até hoje, ninguém nunca encontrou a chave secreta guardada na muralha de gelo, por atrás do monte branco — diz com dificuldade. — Esta é a única nota do autor, seu nome é Robert Presly...
— É o homem da profecia! — grito eufórica.
— No tempo dos Antigos, as Águias Celestes protegiam as Phoenix e as levavam em segurança para casa... — diz Nyah entretida com o livro. — Aqui fala sobre um Velho de Branco...
— Eu já tive uma visão com O Velho de Branco e suas águias... — confesso. Brian e Nyah se entreolham confusos, suspeitando de que possa haver alguma coisa errada.
— Aqui diz que o velho foge das sombras em cima de uma... — Nyah tenta continuar, mas eu a interrompo.
— Águia branca — digo e Nyah confirma. — Eu a vi, mas não me recordo de todos os detalhes.
— Como ele conseguiu estas informações? Aqui há lendas sobre Maghoonior, o Senhor das Sombras, criatura que perambulava atrás de poder e morte... — diz Nyah, movendo-se inquieta. — Em cada página, há um desenho e embaixo há uma mensagem, no caso, uma explicação ou definição para o conteúdo anterior.
— Gostei disso, podemos levar? — pergunto.
— Não! — grita uma voz atrás de mim e nós três estremecemos ao notar que não fomos nós quem gritamos.
Meu coração para de bater e procuro a mão de Brian ao meu lado. Quando a encontro, a aperto fortemente. Viro o canto do olho e avisto em meio à escuridão uma pessoa com uma lanterna vindo em passos lentos até nós. Há policiais atrás de uma velhinha de branco, e os três parecem furiosos conosco.
Este é o momento em que nós deveríamos sair correndo.
— Vocês não vão roubar nada daqui, seus jovens delinquentes... Irão pagar caro por terem invadido o arquivo histórico da cidade — grita a velha.
— Os três estão presos por tentativa de furto e invasão de patrimônio histórico de uma propriedade privada — diz o policial nos algemando.
— Fique calma, vamos dar um jeito nesta situação — comenta Brian, soltan- do-me com tranquilidade, enquanto somos algemados por eles.
Eu estou sendo presa mesmo?
Nada disso faz sentido, eu não tenho certeza se será tão simples assim para nós sairmos desta situação. Que ironia do jogo da vida. Eu, uma Phoenix, sendo presa junto com um feiticeiro e mais uma de minha raça.
— Não é porque vocês são seres mágicos — diz o policial me algemando com algemas de prata e meus pulsos ardem. — Que não podem ser presos e julgados com nossas regras e leis...
— Ele está certo — diz Nyah. — E ele pode ler sua mente, só para avisar. Portanto prive seus pensamentos dele... — sussurra.
— Cale a boca. — Um policial bate um cassetete em sua perna, e ela fraqueja quase caindo no chão.
— Não toque nela! — alerta Brian furioso, quase se soltando. O policial que está comigo me leva para dentro de uma sala da biblioteca e eu olho para trás atônita.
— Mas o que é que está havendo aqui? — pergunto ao policial e as algemas começam a me queimar lentamente.
De repente ele retira uma seringa com algo azul dentro e meus olhos se ar- regalam assustados, além de confusos. Nyah e Brian estão sendo segurados por outros dois policiais e este que está me segurando tem três seringas nas mãos, mas nenhuma arma na cintura.
Estranho. Por que estes policiais não estariam armados?
— Para quem vocês trabalham? — pergunto e ele começa a sorrir contente. — Vamos ver se isto funciona em você — diz inserindo a agulha em meu braço. — O que vai fazer comigo? — grito debatendo-me. — Socorro! Brian! Nyah! — grito e o policial fecha minha boca com sua mão asquerosa. Não consigo me defender ou relutar, além de não ter controle nenhum sobre meus poderes.
Sinto nojo e repugnância em continuar aqui.
Estou enfraquecendo rapidamente por conta das algemas, se não, eu já teria destruído este homem.
— Cale a boca — diz me dando um soco, mas não dói tanto, isso só foi um aviso pelo meu silêncio inevitável. — Você irá ganhar um presentinho em seu sangue e então iremos ter uma conversinha — diz com uma risada diabólica. Estremeço e tento gritar, mas é impossível que isso seja feito.
Ele pega as seringas e injeta algo em mim, fazendo-me sentir aquele líquido entrar em minha pele como pequenos cristais.
Quando ele acaba de inserir, ele me conduz para fora da sala apoiada em seu ombro, pois estou fraca e confusa. Sinto meu pulso queimar, enquanto ele as aperta ainda mais e elas começam a corroer minha pele. Vejo o sangue começando a sair e escorrer pelo meu braço até o chão, assustando-me.
— Tatuagem bonita, garota... — diz o policial. Dou-lhe um chute bem no meio de suas pernas e ele cai no chão. Brian aproveita o momento e bate no outro policial. Nyah dá uma cabeçada no policial que a segura, em seguida enxergo pequenas chamas saindo de suas mãos.
— Está bem, podem ir embora, aberrações — grita o policial mais fraco.
— Me perdoem — grita a velha se afastando de nós, desapontada. — Achei que fossem invasores e não desejava que vocês se ferissem...
Pego a chave da porta da biblioteca com a boca e saímos correndo.
Nyah e Brian não sabem que fui drogada e a princípio não sinto nada além de uma leve fraqueza.
— Velha louca! — grita Nyah. — Só queríamos um livro!
— Me perdoe, Senhorita... — ela diz atordoada e nós saímos correndo. Fugimos com o livro escondido embaixo de minha blusa e embaixo da blusa
de Nyah está o outro, que fala sobre a vida do autor. Corremos sem parar até a praia, mas não consigo acompanhar o passo deles com tanta velocidade.
Estou quase chorando e as algemas estão apertando meus pulsos cada vez mais. Infelizmente nós nos esquecemos de retirá-las e no início não pareceu incomodar-me tanto como no momento.
Sinto sangue escorrer até o chão e paro um pouco para tentar resolver isso.
— Espere — diz Brian a Nyah e ela para de correr. — Como me esqueci disso? Prata e ouro enfraquecem as Phoenix — ele diz tirando um pedaço de metal de seu bolso para destrancá-las e puxa as algemas com cuidado de meus pulsos. Ele joga a chave para Nyah e ela retira suas algemas correndo até mim.
— Vou buscar seu amigo curandeiro — diz Nyah correndo até a casa.
Brian tira sua camiseta exasperado, limpando meu braço com ela, e em seguida ele o enfaixa.
— Está doendo? — pergunta. — É claro que está Brian, não seja idiota! — murmura para si mesmo e eu começo a rir de sua paranoia. — Está rindo do quê? Eu estou preocupado e você fica rindo de mim? — pergunta. Ele fica bonito e engraçado quando está preocupado. Olho para seu tórax discretamente e con- tinuo sorridente. — Está doendo ou não?
— Sim, está doendo — respondo e começamos a rir juntos.
Sinto minhas pernas fraquejarem então caio de joelhos no chão. Meus ca- belos cobrem minha visão e minha vontade é de me deitar na areia para dormir. Olho para o lado e não enxergo nada além do vento vindo de encontro a mim. Deito aos poucos meu corpo no chão e observo Brian murmurando coisas
de um modo rápido demais para que eu possa compreender.
Viro meu corpo para cima. Sinto a areia se movendo comigo enquanto olho para o alto. Brian se senta à minha frente e me coloca em seu colo, tentando me
reanimar.
Meus pulsos estão enrolados com sua camiseta e sangrando o suficiente para
que eu desmaie por perda de sangue. Fecho os olhos e espero o vento vir com força novamente até nós.
— Acorde, Harriet! — grita Brian.
— Prefiro dormir aqui — ironizo e começo a rir outra vez.
— Estas algemas mexeram com sua cabeça?
— Não, mas o policial me drogou... algumas vezes — digo estendendo meu
braço a sua frente com dificuldade.
— Ela precisa ser levada para o hospital, foi drogada... — alerta Brian e sinto
meu corpo ser carregado para a casa.
Avisto borboletas acima da minha cabeça, gatos conversando ao meu lado,
um lobo fora da janela que está uivando para a lua.
Estão certas estas coisas que estou vendo? Ou estou começando a delirar? Não estava fazendo sol agora? Estranho. Fecho meus olhos e deixo de relutar
com o restante das forças presentes em meu corpo, rendo-me enfraquecida ao espaço ao meu redor.
Ao abrir meus olhos enxergo um teto branco, sinto as paredes gélidas e percebo que estou fora de casa e dos dormitórios de Claverd.
— Onde estou? — pergunto e olho para a poltrona a meu lado. — Brian, é você?
— Hospital — responde. — Você foi drogada por três Maytreels que se fantasiaram de policiais e que agora estão presos. — Olho para meus pulsos, eles ainda estão com as cicatrizes dos machucados. — Sua cicatriz no braço lhe tornou um pouco mais humana e isso fez com que Pool não conseguisse curar suas feridas, ele apenas tirou sua dor. Os médicos já retiraram a droga de seu organismo e segundo eles, você ficará bem, mas deve retornar logo para casa, ou no caso, para a escola e repousar — completa e sinto uma breve inquietação em sua voz. — Vamos embora agora, Harriet — ele diz me ajudando a levantar.
— Jon e Godric já sabem o que houve? — sussurro.
— Eles sabem, mas não estão irritados e não vão lhe punir por isso.
— Por que não?
— Espere, e verá. — Brian sai do quarto e me dá um pouco de privacidade. Troco de roupa sozinha e saio do quarto sentindo o espaço em torno a mim
em câmera lenta. Surpreendo-me com eles a minha frente e sinto meu coração disparar devido à ansiedade em reencontrá-los.
Meus pais estão lá fora me esperando.
Quando me aproximo, eles me abraçam e me ajudam a caminhar até a cadeira mais próxima.
Isso é um sonho, delírio ou pesadelo?
Meu coração está disparado e apertado. Tenho vontade de sair correndo, porém permaneço ao lado de Brian com um computador em seus braços.
O que ele faz com um computador ali?
Encaro minha irmã crescida e totalmente diferente comparado à última vez em que nós nos vimos. Minha mãe também está linda e jovem, já meu pai está sereno e forte como sempre.
— Minha menina — diz minha mãe me puxando para um forte abraço. Não me contenho. Estou precisando chorar mesmo. Desabo em lágrimas no ombro de minha mãe adotiva e sinto como se fôssemos uma família novamente.
— Como senti sua falta — murmuro com os lábios fraquejando.
Ando até Kiara e ela me agarra em seus braços chorando. Sinto dor e alegria em suas lágrimas. Parece que sentiram minha falta. Papai está me olhando com um olhar perdido e inocente. Eu o abraço lentamente sem muitas emoções.
Não é porque eles estão aqui, que eu irei esquecer tudo o que passei com a ausência deles até agora. Ainda por cima, passei porque eles me deixaram.
— O que fazem aqui? — pergunto friamente, engolindo as lágrimas em seco.
— Soubemos de tudo o que houve... — murmura papai. — Estivemos por perto aguardando o momento certo para lhe contarmos por que a deixamos, mas depois de ontem nós percebemos que nunca haverá um momento certo para dizer a verdade.
— Parece meio tarde para explicações...
— Harriet, apenas ouça — impõe Brian. Olho para ele e sinto sua mão aper- tando meu braço.
— Vamos para outro lugar — diz mamãe nos puxando.
— Não — corto irritada. — Digam o que vocês têm de dizer aqui e agora... — Nós fomos ameaçados... Disseram que iriam matar você se não a deixás-
semos ir com eles...
— Fizeram o mesmo comigo — diz Jon aparecendo subitamente ao nosso lado. Como foi que ele veio parar aqui? Ainda mais agora?
— O que faz aqui? — indago.
— Por isso enviei você para cá. Aqui ninguém iria lhe procurar e você acabaria
descobrindo com mais facilidade sobre seu passado.
— É claro — falei rindo sarcasticamente. — Meu passado até parece morar
aqui em Claverd, New Orleans e Wickle — digo sinalizando para o espaço ao meu redor.
Todos estavam espantados e julgando suas expressões pareciam estar real- mente contando a verdade.
— Quem os ameaçou? — pergunto.
— Não sabemos, mas eles eram muito perigosos... Seres que mexem com muita magia negra e...
— Eu sei quem foi... — murmuro erguendo minhas mãos ao alto. — Maghoo- nior! Ele me quer morta e tentou me atingir de diversas maneiras nos últimos meses... Ainda tenta, pelo visto.
— Você está tão linda — diz mamãe.
— Por que voltaram até aqui se ainda continua perigoso?
— Os mercenários feiticeiros que nos chantagearam fugiram para longe quando queimamos nossa casa e destruímos tudo por lá para que ninguém nos achasse. Eles sequestraram Kiara depois de lhe deixarmos — diz mamãe quase chorando. — Eles a levaram à noite de casa e a torturaram — continua e então olho para Kiara, através de um manto de lágrimas. — Eles disseram que se pegassem você, iriam fazer algo pior ainda.
Kiara mostra marcas de queimaduras e cicatrizes de cortes em seus braços. Ao lado de seu pescoço há também vários pontos que parecem recentes.
Não estou surpresa com esta história, pois eu mesma matei os demônios que a torturaram no ano anterior.
— Estes não sararam ainda — diz Kiara. — Eles me torturaram até eu dizer que você havia ido embora de casa, mas quando perceberam que eu estava mentindo, eles me... Você sabe o que cerca de dez monstros do Submundo são capazes de fazer com alguém como eu? Ainda mais se eles praticarem magia negra? A tortura não foi apenas física, foi psicológica!
— Eu sinto muito — digo abraçando-a e ela começa a chorar. — E o que farão agora?
— Agora estamos indo morar em New Orleans, para ficarmos mais perto de você — diz Kiara. — Por favor, nos perdoe. — Ela começa a chorar novamente. — Eles disseram que a iriam sequestrar na escola, ou roubar sua alma em seus sonhos, não pudemos arriscar tê-la conosco e correr este risco em perder você.
— Por favor — papai segura minhas mãos e começa a chorar. — Não nos faça perder você novamente. — Ergo seu rosto e o abraço.
— Tenho que ir descansar, hoje foi um dia difícil... Voltem amanhã, para conhecerem meus amigos, eles ficarão honrados em saber quem são vocês.
Mamãe me abraça fortemente e caminha para a saída do hospital. Papai me dá um beijo na testa e Kiara me fez cócegas antes de abraçar-me e enterrar seus cabelos em meu rosto.
— Kiara? — digo antes que eles virem à direita e saiam para o corredor que os levará para fora de Claverd. — Obrigada por voltarem. — Ela assente e orgu- lhosa sai ao lado de seus pais.
Estou aliviada.
Eles não me deixaram em vão, tentaram me proteger, de uma forma dolorosa em alguns momentos, mas até que eles conseguiram.
Mas mal sabem eles o inferno que veio me perseguindo até aqui desde que saí de nossa antiga casa.
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O Renascer - O Legado Maytreel Livro 3 (Degustação)
FantasíaApós dois anos vivendo no intrigante Instituto de Claverd, Harriet Montgomery encontra algumas respostas que explicam partes de sua trajetória. No entanto, ela e seus amigos agora sabem que possuem a missão de concluírem O Legado Maytreel, escrito e...