Vou para a sala atrasada e me encontro com Rebecca no corredor. Graças a Deus ela retirou aquelas cores do seu cabelo, mas continua esquisita com este estilo de gata borralheira que tenta ser sexy, mas
acaba sendo uma vaca vulgar.
— Eu sinto muito, Harriet — ela diz me abraçando e eu recuo assustada. Como? Será que perdi algo por aqui ou ainda estou sonhando?
— Você está se sentindo bem, Rebecca?
— Quero que saiba que por mais que nos odiemos às vezes, eu estou aqui
se você precisar de algo. — Rebecca apoia suas mãos em minha face, afasta-se e depois continua em direção ao seu quarto.
Tudo bem, sociedade?
Eu acordei no local certo ou errei de corredor?
Caminho para a sala de aula confusa e noto que há poucos alunos pela escola
hoje, principalmente nas salas de aula. Estão chorando, lamentando-se e sussur- rando coisas estranhas uns para os outros.
— Encontraram o corpo de Samantha — diz Melina se aproximando, mas eu me afasto tensa. Abaixo minha cabeça e olho para o chão enquanto ela sai da sala. Fico em choque, procurando processar e aceitar o que acabou de ser dito, parece que estou vivendo um pesadelo de olhos abertos.
As mentiras, as mortes, o caos, tudo isto é culpa minha. Se eu não tivesse vindo para cá, ninguém teria sido colocado em risco ou passaria por este tipo de desastre.
— O velório será daqui a pouco — diz Nyah vindo me abraçar. — Sinto muito, Harriet, de todo meu coração...
— Ela morreu para nos salvar — digo sentindo o nó na garganta, e sorrio segurando as lágrimas nos olhos. Nyah me abraça novamente e eu procuro Josh pela sala de aula, mas ele não está.
Não há quase ninguém ao redor. Meghan corre para me abraçar assim que Nyah me larga, e por um longo tempo não quero soltá-la também.
Largo nossas diferenças, e mantenho-me firme, dando a ela o suporte que também sinto que preciso. Nós ficamos alguns minutos nos segurando, uma tentando conter o choro da outra, e em seguida, vamos em frente.
Nos arrumamos para irmos até o velório e eu permaneço em silêncio para evitar atritos com qualquer um que passe pelo meu caminho. Lá encontro as famílias de várias pessoas, mas ninguém da de Samantha. Todos estão chorando e muitos estão desesperados com o tamanho da perda que tivemos em nossa escola.
Samantha foi como um anjo para mim, ela sim salvou minha vida.
Olho para os lados atônita, com a vista completamente embaçada e o cora- ção acelerado. Procuro por Josh com meus olhos aflitos, mas não o encontro. Recuso-me a dizer qualquer coisa, por isso afasto-me e caminho até o topo das colinas. Fico bem atrás de uma árvore, sentada no gramado, enquanto observo o cemitério de Claverd a nossa volta, lotado de pessoas desconhecidas.
Continuo sentada encolhida e escondida de todos e ouço passos lentos vindo até mim. Josh senta-se ao meu lado e eu respiro fundo abaixando meu rosto entre minhas pernas enquanto tento segurar o choro. Ele está vestindo uma jaqueta de couro preta, calça jeans skinny e botas escuras. Aperto meus braços fortemente ao meu corpo e escondo meus olhos dos seus.
Ele passa seu braço por minha cintura, mas eu tento relutar e me afastar.
— Pare com isso, Harriet... — murmura erguendo meu rosto de maneira que nossos olhos possam se encontrar. — Você não precisa fingir que não sente. — Eu não posso — digo abaixando meu rosto e ele o ergue novamente, de encontro aos seus olhos e a sua face.
— Pode sim... Você não irá morrer se sentir algo. — Ele entrelaça suas mãos
na minha e eu me afasto mais uma vez.
— Talvez esta seja a mesma sensação — digo olhando em seus olhos azulados
e noto que ele também esteve chorando. O suficiente para ficassem inchados e escuros. — Partir parece mais fácil do que continuar aqui.
— Não diga besteira — ele diz dando um cutucão em meu braço de leve. — Sam iria querer que você encarasse isso de uma maneira...
— Não venha me dizer o que ela queria! — Eu o interrompo e deixo com que minhas lágrimas caiam sobre meu rosto. — Eu sabia o que ela queria! — berro e desabo na árvore em prantos. Josh se aproxima de mim novamente, desta vez canso de relutar e deito a cabeça em seu peito.
— Acalme-se — ele sussurra.
— Eu sinto muito, Josh, eu sinto tanto que dói — digo com dificuldade. As palavras parecem rasgar minha garganta e dói, de verdade.
— Shh... — ele sussurra acariciando meus cabelos. — Você vai ficar bem... Eu vou cuidar de você — murmura com sua voz suave em meus ouvidos. — En- quanto eu puder, estarei aqui, com você. — Eu o abraço com todos os sentimentos de meu ser.
Não insisto em ser fria ou dura com ele, apenas deixo com que me conforte com sua companhia. Saímos para caminhar logo em seguida pelo campo e não me solto de seu corpo, muito menos digo algo sobre estarmos andando abra- çados pela escola.
Nunca imaginei esta cena em minha mente, mas aos poucos quando me deixo perceber, já estamos abraçados feito um casal, por mais que não sejamos. — Harriet — diz Josh interrompendo nosso silêncio. — O que você sente
por Michael?
— Eu o respeito apesar de tudo... — digo da boca pra fora, friamente, e ele
me solta de seus braços franzindo os traços de sua testa.
— Você alguma vez já o amou?
— Amor, isto é algo complexo, coisa para gente adulta, não para nós.
— Mas você gosta dele?
— Ele é meu Guardião, não uma paixão de colegial — corrijo-o. — Você
pergunta isso com uma entonação estranha, você está apaixonado por alguém e quer introduzir o assunto? — pergunto e começo a rir.
— Você quer?
— Não — digo em seco. — O amor pode machucar, ele dói às vezes, no entanto, segundo Ed Sheeran, esta é uma das maneiras para sabermos que esta- mos vivos. Da forma com que você quer que eu acredite, se sentirmos algo, por mínimo que seja, esta é uma maneira de ainda estarmos ali, presentes com toda nossa vulnerabilidade e fragilidade.
— Acredito que mesmo depois de partir eu ainda seria capaz de continuar gostando da mesma pessoa de antes — diz Josh, mas não sei se ele está sendo irônico ou isto foi uma indireta. Paro de andar e o encaro. Josh não está sorrindo, ou está com aquele olhar de busca nos meus. Está apenas preso com aquele olhar indefinido e sério dele.
Não sei o que fazer ou dizer a ele, apenas continuo olhando em seus olhos. Ele se aproxima de mim, mas eu o afasto com a palma das mãos, notando que estou sem minha luva. Não posso machucá-lo, então o empurro com o braço para trás e ele insiste.
— Não! — digo vendo sua esperança desaparecer dentro de seus olhos.
— Pare de fingir que não sente, Harriet!
— Eu não estou fingindo! — grito e ele se confunde, passando seus dedos de forma apressada em seu cabelo.
— O que você está fazendo comigo, Harriet? Vamos, me explique! — exige,
batendo suas mãos em suas pernas. — Te protegendo!
— Do quê? — sussurra inquieto. — De mim mesma.
Vou embora caminhando um pouco mais rápido do que o costume. Sigo até meu quarto e me deparo com Melanie na porta me esperando. Afundo meu rosto em seu ombro e choro o máximo que posso.
Por que a vida tem de ser tão cruel assim com as pessoas? Por que pessoas que amamos tanto devem morrer? Isto não é o ciclo da vida, é uma tragédia ambulante. Histórias assim se repetem todos os dias, talvez não como as que vivemos aqui, mas se repetem por todos os lados a todo o momento.
Deito em minha cama com Melanie segurando minha cabeça em seu colo e encaro sua face pensativa. Meghan entra no quarto e senta-se conosco, esperando que eu diga algo.
— Obrigada por não desistirem de mim — digo apertando suas mãos.
— Não foi fácil concordar Melanie e Blaire no plano juntas, mas nós nos esforçamos. A tentativa era só te acordar, Harriet — acrescenta Meghan.
— Está tudo bem, uma hora toda angústia há de passar. Nenhuma dor dura para sempre, nenhum rancor é eterno e nenhum sentimento de mágoa pode durar muito tempo sem que lidemos com ele de alguma maneira — respondo.
— É assim que se sente?
— Vazia, vaga e um tanto deslocada, sem saber o que estou fazendo aqui depois de tudo o que eu fiz.
— Harriet, ninguém é o resultado de seus atos, nós somos um resultado de tudo aquilo que somos e ao mesmo tempo fazemos. Você mudou, e isso já a tor- na uma pessoa ainda mais madura e pronta para seguir em frente — diz Blaire entrando no quarto.
— Quando foi que aprendeu estes conselhos maravilhosos?
— Eu sempre tive conselhos lindos, as pessoas é que não me escutavam.
— Mentira — diz Meghan.
— Quem iria suportar receber conselhos de uma Conjuradora como você, Blaire?
— Como soube o que estávamos discutindo? — pergunto a ela, interrompendo
sua discussão com Melanie. Estas duas se davam sempre mal, eram como água e óleo, nunca se misturavam.
— Me desculpem, mas eu estava escutando atrás da porta sim — diz mo- destamente.
— Bem típico de você — intervém Melanie. — não que isto me surpreenda, porque não o faz.
— Não vamos ficar brigando — diz Pool entrando no quarto também.
— Mais alguém aí quer entrar? — pergunto olhando no corredor e tranco a porta, enquanto todos me encaram. — O que foi? Aqui não é o clubinho das melhores amigas não.
— Que clube é, então? — diz Pool.
— Dos azarados e malucos em busca de um significado para a própria exis- tência.
— Explicativo — murmura Meghan dando de ombros e eu mostro-lhes uma chama mais escura que aprendi a fazer com a palma de minhas duas mãos juntas. Quando eu afasto uma da outra, sinto a chama saindo delas, no início ela é escura, sombria e gélida, depois segue aquecendo e torna-se uma chama avermelhada com tons leves de laranja dentro de si.
— Você é luz — diz Pool. — E nós nunca deixamos de pensar que não. Nós só tememos que você mantivesse isso esquecido por muito tempo em seu ser.
— Nos preocupamos de sua fúria não passar e das sombras lhe consumirem — diz Blaire, segurando algumas mechas de meu cabelo em suas mãos. — E nós ficamos imensamente arrasados quando vimos o quão errado e desastroso era o que nós havíamos planejado para puxá-la de volta. Mas infelizmente, era tudo o que tínhamos naquele momento.
— Por isso você precisa desculpar Michael — diz Blaire. — Tudo o que ele fez foi na tentativa de tentar salvá-la, protegê-la.
— Não é tão simples assim — explico e Meghan me abraça.
— Todos merecem uma segunda chance, ainda mais se esta pessoa for o seu Michael.
— Meu?
— Não iremos falar sobre isso — diz Pool cutucando-a e franzindo sua testa para tentarem disfarçar o assunto, mas eu estou bem aqui, com eles, não há como disfarçar muito.
— Parecia que a dor nunca iria embora, que a raiva e o rancor jamais fossem passar ou se desfazerem de você — explica-nos Pool.
— Tudo passa, Pool, desde as sombras, até os falsos reflexos que temos so- bre quem achamos que somos, mas que não são reais — digo refletindo sobre a partida de Samantha. — É terrível o que muitos de nós sacrificaram para que estivéssemos aqui agora — seguro um retrato de Sam e fico pensando, esperando que a ficha caia.
É, Samantha... espero que você esteja em um lugar melhor que este em que vivemos.
Se não estiver, qual o sentido disso tudo, não é?
Qual seria o sentido de sacrificarmos tudo por aqueles que amamos, se no final não valer a pena?
O Amor e a vida sempre valem a pena.
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O Renascer - O Legado Maytreel Livro 3 (Degustação)
FantasyApós dois anos vivendo no intrigante Instituto de Claverd, Harriet Montgomery encontra algumas respostas que explicam partes de sua trajetória. No entanto, ela e seus amigos agora sabem que possuem a missão de concluírem O Legado Maytreel, escrito e...