cânticos

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Enfim, novamente em Gold Coast! Devido as ruas estarem mais vazias, como evidenciamos depois que saímos da Galeria, o caminho de ida e volta que deveria ser duas horas somou-se uma hora e quarenta minutos. Por esse motivo, além do tempo que passamos na casa de Amelie, ainda falta uma hora e meia para o ano que há de vir, ou seja, são 22h30.

Num embalo, parei para pensar em como eu já acreditei numa Austrália idealizada, onde veria cangurus a cada esquina, como a maioria das pessoas estrangeiras no país, acredito. É bom saber que não vivo numa idealização ou estereótipo, embora também saiba que teria sido interessante encontrar um canguru hoje. Traria mais ênfase à palavra "aventura", e eu e Ame poderíamos viver algo semelhante ao prestigiado filme Canguru Jack.

Então, felizmente ou não, Amelie estaciona bem próximo a Surfers Paradise. O que isso deveria significar?

— Por que estamos aqui, Ame? Não me diga que a história da cabana foi um blefe apenas para irmos e voltarmos! Não deveríamos ir para lá?

— E nós vamos. — Ela dirige seu olhar a mim. — Mas, só para fazer com que parte da programação ainda seja seguida, vamos ficar apenas meia hora aqui. Tudo bem, Mary?

— Tudo bem, vamos.

Sem muitas enrolações, saímos do carro, pegamos meu violão e algumas comidas e cobertas compradas, e vamos para um lugar meio isolado da praia, como o roteiro original previa. Ficamos sentadas sobre um lençol, confortavelmente.

— Um dia você me disse, Clara — num ímpeto, Amelie profere —, que não tínhamos o que conversar, porque já conversamos sobre tudo, mas não é verdade. Vamos conversar, Mary Claire. Hm... Deixe-me pensar. — Ela se cala por uns instantes, até que, mais uma vez, eu reconheça o som da sua graciosa voz. — Já sei. Se "não temos o que conversar", que tal conversarmos sobre o que já conversamos, como pessoas que mal se conhecem? É sempre bom reviver porquês e memórias, a fim de compartilhá-los com as queridas amizades.

O cheiro da maresia é captado pelas minhas narinas. Uma mistura de areia com água salgada interessante, somada ao frescor da brisa de verão, sob a cintilante lua no céu.

— Tudo bem. Por que não, não é, Ame? Pode começar — concordo, enquanto ela abre um pacote de salgadinhos.

— Vamos lá, senhora Maria Clara, você faz faculdade?

— Sim, faço. Psicologia na Universidade de Queensland.

— Você já adiantou duas perguntas, mas muito bem. Por que você faz Psicologia? Agora que vem o falatório — brinca.

Ela já me perguntou isso algumas vezes, e geralmente falo demais quando digo o porquê faço o curso que faço. Hoje, porém, vou buscar encurtar o que seria um "discurso", sempre muito bem recheado de exemplos.

— Estudar o cérebro é fascinante. Pensar que um órgão tem o poder de certa forma reger o resto do corpo é surpreendente, ao mesmo tempo que enfatiza a bondade de Deus para com a humanidade.

— Vou sair do personagem, Clara, porque preciso dizer que eu amo seu amor pela psicologia. E te amo também.

— Você é um amor, Amelie. Diga-me, então, como se eu não soubesse: quais motivos levaram você a escolher Antropologia? Já ouvi dizer que não combina com uma pessoa rica.

— Se não combinar, eu não ligo — começa, com uma bela frase de entrada. — Eu gosto de estudar o ser humano, assim como você, só que de uma forma diferente. Um professor meu uma vez comentou a respeito das ciências humanas: história estuda a história do ser humano, geografia estuda onde o ser humano vive, sociologia estuda o comportamento do ser humano em meio as relações sociais, filosofia busca entender o ser humano e a realidade em que ele vive, enquanto a antropologia estuda o ser humano em si. É interessante pensar que a origem dele aconteceu quando o Soberano Criador, em amor, criou o ser humano, mesmo sabendo que ele se rebelaria. Não sei explicar muito bem, mas adoro entender todo esse processo científico sobre a humanidade. A possibilidade de cursar isso na UQ, é claro, também contribui.

Pelas ruas da Austrália: um conto de ano-novoOnde histórias criam vida. Descubra agora