III - Subindo? Descendo.

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Ela bateu a porta do carro com mais força do que o normal, como alguem conseguia ser tão estúpido? A garçonete, no fim, estava certa, e Sophie havia devorado seu café da manhã tão velozmente que sabia que possívelmente teria dor de barriga pelo almoço.

Enquanto ela dirigia em direção a corporação, visualizou em sua mente o olhar de desprezo e total desinteresse do homem, seus olhos eram tão escuros, tão perdidos, tão solitários, que a moça sequer conseguiu se recordar da cor de sua íris, apenas de dois pontos sombrios e acusadores. Ela balançou levemente a cabeça, focando no caminho para o trabalho, porque é o que deveria fazer, trabalhar, ser útil, e não pensar em estranhos em restaurantes suspeitos.

Sophie estacionou na vaga de sempre e verificou sua peruca pelo espelho do retrovisor. Perfeito, como todos os dias, embora um pouco emburrada pelo acontecimento matutino. Ela pegou sua bolsa e se dirigiu a entrada da corporação com passos firmes, seguindo o mesmo trajeto de todos os dias. A mulher entrou pela recepção, cumprimentou todos com um aceno e um sorriso simples e foi até a copa, onde uma máquina de café - velha e que só coava café puro - permanecia a pedido do chefe de seu departamento, aparentemente era o único café do mundo que o fazia feliz. Outros funcionários já enchiam o local de papo furado e fofocas mal contadas quando ela entrou, mas dessa vez, quando estava prestes a se dirigir a cafeteira, um baque forte em seu ombro seguido de um calor estranho, a interrompeu.

"Por favor, me diz que isso não está acontecendo." - Ela pensou imediatamente, fechando os olhos e respirando fundo, antes de se virar para o autor desse desastre.

- Me desculpe, Senhorita Quinn! - O jovem desengonçado correu desesperado para pegar lenços de papel, e logo começou a tentar secar os resquícios de café do casaco de Sophie.

- Ei, para. Tá tudo bem. - Ela tentou se afastar do garoto, que insistiu. - Para, ei! - Ela agarrou os pulsos do rapaz e olhou nos seus olhos. - É só um casaco. Esquece isso e volta ao trabalho.

Ele olhava para a mulher como um cachorrinho, por um momento ela teve medo de que tivesse sujado as calças, ou, de maneira mais rude, se cagado.

- Você me entendeu? - Ele acenou rapidamente, parecia ter lágrimas nos olhos, então ela o soltou.

Ela respirou fundo e tirou o casaco, pendurando-o no braço e em seguida passou a mão na nuca, checando se havia sujado sua peruca. Estava tudo bem, pelo menos por enquanto. O dia mal havia começado, porém já era estranho demais e ela sabia que só poderia piorar dali pra frente.

Sophie passou a mão na saia lápis, recuperando a postura e olhando ao redor. As pessoas observavam e cochichavam, porém ninguém se aproximava, e era melhor assim. Ela pegou o café da máquina velha em silêncio, e então suas coisas e saiu, em direção ao gigantesco elevador de paredes de vidro. Ela observava os engravatados do térreo ficando cada vez menores e distantes enquanto o elevador parava em praticamente cada um dos 32 andares da construção. Neste momento, sua cabeça se inundou de pensamentos pela primeira vez. Como aquele homem tinha a coragem de aparecer e se portar tão grosseiramente em público? Ele com certeza não tinha aparências ou carreira para manter. Entretanto, mesmo com o olhar apagado que tinha, ele fez muito mais do que Sophie havia ousado em toda a sua vida, ele foi impulsivo, honesto, não hesitou, exatamente o oposto de tudo o que ela havia sido ensinada a fazer ou ser. Pela primeira vez, olhando para as pessoas minúsculas e cinzentas no térreo, ela percebeu como era substituível, como existiam centenas de pessoas, apenas naquela construção, que faziam exatamente o mesmo que ela, e como muitas dessas pessoas passaram décadas fazendo o mesmo em troca de uma vida chata, calma, simples e segura. A mesma vida que ela mesma estava procurando. Mas qual era o sentido disso tudo se Sophie teria que passar toda sua vida sem identidade, sem mostrar quem era de verdade?

Vigésimo quarto andar.

Balançou a cabeça, espantando os pensamentos e voltando-se para a porta do elevador que se abria, essa seria a única porta que se abriria para ela, dia após dia, pelo resto de sua vida.

O carpete escuro fazia seus passos soarem secos. Sophie nunca foi de cumprimentar muito, era importante para manter-se anônima, então sempre passava pelos corredores de cabeça baixa, olhando para seus pés. Geralmente essa estratégia funcionava e ela conseguia chegar em sua mesa em segurança, tendo evitado conversas sobre o clima ou aborrecimentos com o bebedouro quebrado. Mas como hoje era um dia atípico, certamente que seu curto e silencioso caminho até a mesa não foi como planejado. No momento em que colocou a mão em sua cadeira, prestes a sentir o assento duro e reconfortante, ouviu a voz irritante de sua colega.

- Sô, que aconteceu lá em baixo? - "De novo não." Sophie odiava quando as coisas saiam de seu controle.

- O que? - Voltou-se para a moça, tentando puxar sua cadeira, mas sendo impedida por uma mão em seu ombro. Quase deixou uma expressão de horror escapar.

- Você tá bem? Disseram que aconteceu alguma coisa na copa. Eu só vim te perguntar o que foi.

A mulher tentou não revirar os olhos ao se dirijir a sua colega.

- Está tudo bem. Um estagiário esbarrou em mim e derrubou um pouco de café no meu blazer. Só isso. - Ela deu um pequno sorriso forçado, torcendo para que fosse o suficiente para afastar as perguntas inconvenientes da sua colega.

Sua colega colocou uma mão sobre os lábios, demonstrando uma falsa surpresa.

- Um estagiário? - "Só para de falar comigo, por favor." - Ah! - Começou a rir. - Só pode ter sido ele. - Olhou para cima, como se tentando lembrar de algo.

- Ele... Quem? - Sophie já estava perdendo o resto de sua paciência.

- Gerald Smith, mas todo mundo chama ele de Jerry, é um nome bem ridículo né, Sophie.

Seres de mente única. - A Rick Sanchez Fanfiction.Onde histórias criam vida. Descubra agora