V - Monitor Hospitalar

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- Bem-vinda ao Shoney's, sinta-se a vontade para fazer o seu pedido.

Sophie ergueu os olhos um pouco mais, cruzando seu olhar com o do homem a sua frente, ele tinha olheiras fundas que denunciavam sua falta de sono, usava uma camisa azul de manga longa amassada e seu cabelo era prateado, quase poderia ser confundido com azul claro. O homem parecia não se importar com os olhares dos outros clientes, na verdade parecia não se importar com nada ao seu redor.

Na porta do local percebeu que os pedaços de tinta ja pendiam soltos dos tijolos. Ela entrou e se sentou, logo uma garçonete estendeu o cardápio em cima da mesa.

- Bem-vinda ao Shoney's, sinta-se a vontade para fazer o seu pedido.

Ele tinha olheiras fundas que denunciavam sua falta de sono, usava uma camisa azul de manga longa amassada e seu cabelo era prateado.

- Bem-vinda ao Shoney's.

Tinta vermelha pendendo dos tijolos.

Ela virou algumas ruas, seguindo a placa vibrante, e, apenas há alguns quarteirões fora de seu caminho regular, ali estava.

As desbotadas marcações amarelas no chão.

Olheiras fundas, camisa azul, cabelo prateado.

- Shoney's.

- Pra já, Rick.

- O Rick... É melhor não se aproximar muito.

Rick. O Rick.

Onde ele está? Onde eu o vi? Shoney's.
Quando? Ontem. Ontem de manhã.
Pra onde ele foi? Eu vi pra onde ele foi? Eu saí antes.

- Perdeu alguma coisa na minha cara, porra?

Eu saí.

- Você consegue entrar no sistema?

Eu o vi na empresa. Ele me...

- Mas você vai.

O punho cerrado.

Marcações amarelas, placa vibrante, panquecas voadoras, entrar no sistema, tijolos, gosma verde, jaqueta desbotada, camisa azul, arma de fogo, dois buracos negros, minutos, segundos, efeitos de tempo e espaguetificação.

O que é isso? O que está acontecendo?

As imagens das últimas horas se repetindo dezenas e dezenas de vezes sem parar. Talvez ela estivesse finalmente ficando maluca.

Espera.

Não eram todas as imagens. Eram as imagens dele.

– Rick?!

– Porra! – Ele gritou.

Ele socou a mesa a sua frente, e o computador que estava apoiado sobre ela tremeu. Assemelhava-se a um monitor hospitalar, exceto pelo excesso de fitas adesivas ao seu redor.

– Por que você tem que deixar tudo mais difícil? – Rick virou se para ela, seu olhar continha um misto de raiva e frustração, e Sophie não fazia a menor ideia do motivo para tal.

– O que? – Suas palavras saíram arrastadas, parecia que havia tomado 50 cápsulas de remédio para dormir. – Me desculpa.. – Por que estava se desculpando? – Eu não sei do que você ta... Falando...

Sophie tentou se mexer, embora meio embriagada, e, ao se concentar em seu corpo, chegou a conclusão de que estava quase 100% imobilizada. Exceto por uma folga em sua cabeça, que a permitiu curvar um pouco seu pescoço para baixo.

A mulher estava tonta e sua visão oscilava, então quando olhou para baixo, para si mesma, demorou alguns segundos até que conseguisse identificar o que viu. Ela estava presa — possivelmente com a mesma fita que impedia o monitor ao seu lado de se desfazer em sucata — a um pedaço retangular de metal, que mal chegava a ser uma maca apropriada.

— Mas que merda de dia. Que merda de vida. — O homens começou a xingar e resmungar enquanto jogava algumas coisas do balcão para o chão.

Depois de um momento de surto, ele sentou-se em uma cadeira velha de escritório que havia ali e colocou as mãos na cabeça. Parecia que estava prestes a arrancar seus próprios fios de cabelo, que já não estavam em seus melhores dias.

— O que... O que você tá fazendo... — Ela pensou se deveria dizer seu nome. — Rick?

Seu sequestrador estava preso em introspecção, até ouvir seu nome escapar arrastado dos lábios dela. Ele olhou para a mulher, dessa vez estava desesperado.

— Onde? Onde você o viu? Pra onde ele foi?

As palavras dele foram rápidas demais para o cérebro embriagado de Sophie, que fechou os olhos e balançou levemente a cabeça, agora dolorida.

— Quem? Eu não sei de quem você está falando. — Ele deveria ser muito bom intérprete pra entender as palavras tortas de Sophie.

— O Rick! Esse Rick! — Apontou exasperado para um holograma atrás de si, que ela sequer havia notado.

Era uma imagem luminosa e azulada em 3 dimensões do mesmo homem que estava agora mesmo a sua frente. A imagem girava lentamente e permitia que a mulher notasse as roupas diferentes e o cabelo em um corte e penteado estranhos.

Entretanto, por mais que se esforçasse, não conseguia enxerga-los como pessoas diferentes.

— Eu não... Esse é você. Eu te vi no Shoney's de manhã aí você apareceu na empresa e tentou me... — O efeito estava diminuindo. Agora sua voz estava um pouco mais firme, porém não firme o suficiente.

— Eu ja sei disso, eu vi nas suas memórias e... — Ele estava gritando como se Sophie fosse uma crianca estúpida. — Ah, quer saber? — Ele balançou as mãos no ar, e pegou uma faca pequena de cima da bancada. — Eu vou tirar e scanear o seu cérebro. É mais fácil.

Ele avançou em Sophie, não havia sequer uma fagulha de hesitação em sua voz ou em suas ações. Mas a mulher não se permitiria morrer assim. Não nas mãos desse lunático.

— Você não pode fazer isso!

— Eu posso fazer tudo o que eu quiser. — E ele estava certo. Ela era a pessoa amarrada numa maca e ele era a pessoa com uma faca.

Seria uma ideia completamente idiota zombar de seu agressor assim. Mas afinal, ela já não tinha mais nada a perder. Então tentou persuadi-lo com algo que ela sabia que ele precisava.

— Você não pode entrar no sistema! Eu posso!

— Mais um motivo pra scanear o seu cérebro.

Rick agarrou a peruca de Sophie. Ela sabia que era apenas sua peruca, porque no momento em que ele forçou sua cabeça contra o metal, parte dela se soltou, como um capuz frouxo, exibindo a coloração prateada de seus fios.

Por um instante o homem parou sua ação e a mulher sentiu seu rosto aquecer. Ninguém nunca tinha visto seu cabelo real,  pelo menos não nos últimos 30 anos.

Ele soltou um riso curto.

— Uma peruca? Que ridículo. Você sabe que todo mundo tá pouco se fudendo pra cor do seu cabelo né? — Ele arrancou de uma vez os fios falsos da cabeça de Sophie, e jogou o objeto no chão longe deles, como se não fosse nada. Seus poucos centímetros de comprimento estavam desgrenhados, suados e quase brilhavam sob a luz artificial do lugar e das máquinas ao seu redor.

Entretanto, ele estava certo, não era nada, era insignificante. Porém aquela ação impensada de Rick, aquelas palavras, derrubaram alguns muros que existiam dentro da mulher. Ela ainda não sabia a resposta, mas uma pergunta surgiu em sua mente e foi o suficiente para ela naquele momento.

Do que eu estou me escondendo?

— O tempo que você está perdendo aqui, o tempo que você perdeu tentando ler minhas memórias, eu teria usado para pegar as informações que você precisa.

Rick a encarou, e percebeu ferocidade nas palavras e no olhar de Sophie. Definitivamente não é o que ele planejava ou queria naquele momento, mas aparentemente, era o que ele precisava.

Seres de mente única. - A Rick Sanchez Fanfiction.Onde histórias criam vida. Descubra agora