6. Presente de desaniversário 💔

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Três buzinadas sincronizadas na sexta-feira à tarde em frente à minha casa não podiam significar mais nada senão a chegada de Félix Linhares. Àquelas alturas, a mochila azul de alças amarelas já estava pronta e o coração palpitava de emoção.

Como parte do acordo estabelecido, papai tomava conta de mim aos finais de semana. Juntos íamos ao cinema, ao teatro de bonecos, passear nos parques e no reino encantado de uma casa azul de alvenaria, eu era a linda princesinha, o maior orgulho da vida dele.

Aqueles fins de semana compensavam o inferno dos dias letivos, representava um descanso na dor, o bálsamo para a alma solitária que não encontrava amor e proteção em parte alguma. Em contrapartida, as noites de domingo me transtornavam, embora fossem melancólicas por natureza.

Eu ainda não tinha idade suficiente para me sentar no assento do carona, mas ajustava direitinho o cinto de segurança atrás na maior expectativa. Papai sempre me recebia bem na casa dele: servia hambúrgueres, batata-frita, pizza, bolo, sorvete, me ajudava com os problemas de matemática e assistia à televisão até eu adormecer.

Frequentávamos assiduamente o parquinho, o teatro de bonecos e também o cinema. Ele sintonizava na minha estação de rádio predileta, aumentava o volume quando tocava alguma música de que eu gostava. Se o fim de semana tivesse cores específicas, seriam dos balões comprados lá no Passeio Público; se tivesse gosto, seria de algodão-doce.

Nas proximidades do meu aniversário de oito anos, pedi um cachorrinho de presente. Havia tantos peludinhos órfãos na Sociedade Protetora dos Animais e nossa casinha, embora pequena, tinha um quintal para o bichinho brincar. Meire fez de conta que não escutou nada. 

Tudo que poderia dar errado naquele ano, deu. A festinha na escola foi cancelada na última hora, Meire refutou a ideia de Elza e Eliza pousarem em nossa casa. Vovó avisou por telefone que não poderia visitar a aniversariante porque teria de trabalhar, algo compreensível, não daria tempo de sair do plantão e vir para a minha casa. Além disso, ela era justa. Desde o início do ano, guardava um dinheirinho para comprar presentinhos para todos os netos, sem fazer nenhuma distinção. 

Papai, que sempre foi o primeiro a me cumprimentar, parecia ter-se esquecido. Aquela demora toda me deixou angustiada. 

— Será que o papai se esqueceu do meu aniversário? — Perguntei à Meire enquanto ela cobria a mesa redonda da cozinha com a toalha especial utilizada apenas em aniversários e outras datas comemorativas, ou seja, raramente. 

— E eu lá vou saber o que se passa naquela cabeça de pudim? — Resmungou ela, raivosa. 

— É que já são quase seis da tarde e ele não me ligou... — murmurei, amuada. 

— Anda, me ajuda a colocar os pratos — ordenou mamãe, impaciente. — Daqui a pouco o Horácio chega e a gente acaba logo com essa palhaçada. 

— A senhora acha que o meu aniversário é uma palhaçada? 

— Aniversário é só um dia como qualquer outro... — rosnou ela. — Tem gente que pensa que é o centro do mundo. 

— E o cachorrinho? 

— Que cachorrinho? — Devolveu ela, com um grito. 

— A gente não pode ter um cachorrinho em casa? 

— Criança já dá um trabalho dos infernos e vem você me falar em cachorro? Que cachorro, o quê! 

— Mas eu queria tanto um... 

— Vai ficar querendo!

— Era só o que eu queria!

— E não vai ter! Ou pensa que sou boba? Você vai só passar a mãozinha na cabeça dele, mas a responsabilidade ficará toda em cima de mim. Sem chance! 

Simplesmente TitaOnde histórias criam vida. Descubra agora