5. Inferno no playground 👿

20 2 0
                                    

Na estação fria, Elza e Eliza passaram semanas sem pisar na escola. Era responsabilidade inquestionável estar com toda a matéria em dia para poder ajudá-las quando voltassem.

♏♏♏
Atividades recreativas na quadra esportiva, uma ova. Aquilo era sinônimo de uma Tita chorosa fugindo das boladas que Cássia e as outras crianças teimavam em acertar na minha cabeça. Elza nos defendia daquelas monstras protegidas pela conivência da professora, mas sem as irmãs por perto, eu era presa fácil. 

Foi numa fatídica ocasião que acertaram a bola de basquete com tanta força na minha cabeça que só me recordo de cair na calçada da quadra. Para que Meire e Félix se encontrassem no hospital, o incidente foi muito sério. 
Não sei quem me salvou, mas expresso aqui a mais sincera gratidão. Segundo a professora Dulce, machuquei-me "sozinha" durante a aula de Educação Física. 

Se até o lado ruim tem vantagens, passei alguns dias longe daquele inferno. Félix vinha me visitar depois do trabalho e sempre trazia um doce, um brinquedinho, mas não parecia nada satisfeito com a versão da professora, por isso tentava fazer com que eu me abrisse acerca do "acidente". O nó na garganta fazia as palavras vacilarem, o queixo tremia e os olhos ardiam de tanta dor.

— Você não pode falar para a mãe — implorei. 

— Por quê? ― Rebateu Félix, amuado. 

— Eu não quero mais voltar à escola! 

— Mas por quê? — ele insistiu. 

— Porque... eu não gosto da escola. 

— Sim, eu entendi, mas você precisa me contar o que está acontecendo, princesa. O papai não consegue adivinhar. 

— As meninas sempre jogam a bola para acertar a minha cabeça. — Mordi o lábio inferior sem coragem de fitá-lo: — Todo mundo me trata mal e me chama de favelada na escola. — Chorei abraçada ao papai. 

— Por quê? 

— Eu não tenho um tênis. — Eu não conseguia nem concluir a frase de tanto que chorava porque meu único par de tênis estava muito apertado e a sola tinha se arrebentado, mas o abraço terno de papai me fazia perder o medo de desabafar, ainda que mais tarde Meire me batesse o dobro por "reclamar da vida" e fazer chantagens. 

Félix reparou que eu estava mais magra e abatida e insistiu para que Meire aceitasse uma ajudinha com as despesas de alimentação. Ela era orgulhosa demais para aceitar qualquer coisa que viesse do ex-marido, entretanto, em razão da lastimável situação, engoliu a raiva e concordou com o auxílio. 

— Assim que você melhorar mais um pouquinho, nós vamos sair para você comprar o tênis mais bonito que você encontrar — prometeu-me Félix. 

— Não mime a Renata! — advertiu a troglodita. — Não se preocupe com essa questão, minha mãe vai fazer um crediário para comprar um tênis novo para a Renata. 

♏♏♏ 

Vovó abriu um crediário numa lojinha no centro da cidade, no entanto, o único modelo disponível para o número que eu calçava e dentro do orçamento era uma chuteira. A alegria não foi plena porque eu tinha consciência de que as outras crianças ririam de mim. 

Dito e feito. Além de pisarem em cima do calçado de super-heróis para "batizar", saíram correndo atrás de mim até que eu tropeçasse em falso e despencasse de um monte de terra onde outras crianças apostavam corrida. 

Simplesmente TitaOnde histórias criam vida. Descubra agora