Sinto uma pontada infeliz nas costas e me seguro na barra de apoio do elevador, é inevitável não me encolher, tento respirar fundo e depois vejo que alguém no andar da presidência pediu elevador.
Eu não sei de quem foi a ideia idiota, bem, mentira, eu sei, de colocar essa prioridade para o andar do Guilhermo, contudo, me chateio de pensar que o elevador volta a subir ao invés de descer.
— E aí? Animada para as festas? — João Paulo pergunta digitando bem rápido na tela do Iphone novo.
— Estou, e a viagem? Animado?
João Paulo usa terno, gravata, sapato social, barba aparada e cabelos penteados para trás, tem um tipo físico bem trabalhado e não é um homem tão alto, mas é bonito.
— Esse ano eu não vou — ele responde e guarda o celular no bolso. — Você parece pálida.
— Nada — dou meu melhor sorriso para ele. — Não vai para o surubão de Orlando?
— É isso o que falam de mim por aí? — ele ri mesmo assim. — Estou profundamente desapontado.
Acabo rindo, mesmo que a dor esteja se dissipando ainda é dor, João Paulo vai para o lado e as portas do elevador se abrem, bem diante de mim meu chefe está também mexendo no celular, ele entra e me lança um olhar surpreso.
— Você nem leu os contratos — falo em tom chateado. — É sério?
— Eu só preciso de mais um café — ele justifica dando a mínima para mim.
Não pensei que viveria para ficar dando bronca num cara de quarenta e dois anos, é sério. Ele faz isso com frequência, mas me dá mais raiva quando ele faz isso com prazo, em cima do prazo ou quando sabe que não deve.
— Bom dia João, animado para o Natal com seus pais? — indaga ele.
— Um pouco, estava falando com a Katarina sobre isso — ele diz e se volta para mim. —, mas e você? Onde passará as festas?
— Acho que na casa do Francisco — minto.
Todos os meus natais desde que eu fiz dezenove anos eu passava na casa dos pais do Francisco em Caçapava, os pais dele moram no interior e de alguma forma era bom, sempre fui bem recebida e acolhida, a mãe dele até hoje não superou o fato de que terminamos.
Ela me manda mensagem todos os dias me perguntando se eu estou bem, pelo que vejo nas redes o Francisco já superou o término e já está em outra, ele não faz a mínima questão de esconder de ninguém o quanto está feliz em seu novo relacionamento.
Uma garota de vinte e dois anos recém-formada em educação física, fico me perguntando em qual momento da evolução humana os homens ou alguns deles pararam, se isso de alguma forma em algum momento da vida vai mudar.
Sinto outra pontada e isso interrompe o fluxo dos meus pensamentos, a pontada é tão forte que faz com que eu me encolha e sinta dor também no pé da barriga, me seguro na barra, mas isso não parece o suficiente, solto um gemido e vejo o meu patrão se virar meio assustado.
— Katarina! — exclama se aproximando.
— Estou bem — estendo a mão para frente impedindo-o que se aproxime.
Sopro e me ergo, nesse momento olho para o chão e vejo o líquido empoçado no meio das minhas pernas, a minha calça jeans toda marcada com o líquido e molhada, tento respirar fundo, mas não consigo muito, porque me vem outra onda dolorosa e forte, como um choque insuportável que me faz soltar outro gemido.
— Senhor! — berro me segurando na barra com a outra mão.
Me inclino para frente e olho para a o teclado do elevador notando que ele desce lentamente, ainda estamos no décimo nono andar, me ergo respirando fundo e aperto o botão do décimo sétimo andar depressa.
Sinto que ao mesmo tempo que estou sentindo as contrações, a bebê se revira na minha barriga, também nesse momento olho de novo para Guilhermo e ele arregala os olhos todo confuso, João Paulo está tirando o terno.
— Vamos, você precisa se deitar e tirar a calça, não vai dar termo de sair daqui — João Paulo estende o terno no chão do elevador depressa.
Eu tinha esperança de que desse tempo, mas sinto que conforme vou tendo mais contrações, a bebê está já descendo. Abro o zíper lateral do meu jeans e o puxo para baixo, João Paulo me ajuda a tirar o Jeans e sinto outra contração infeliz, ele puxa a minha calcinha e depois passa álcool em gel nas mãos depressa, me seguro nas barras e ele se abaixa afastando os sapatos da parte de dentro do terno.
— Quando sentir dor faça força!
Não consigo pensar em nada só nessa dor insuportável e indescritível. Puxo o ar e me inclino para baixo fazendo força, ele afasta mais minhas pernas e vou sentindo mais dor conforme vou me esforçando ainda mais.
— Eu não consigo — digo para ele e percebo que além de suar também estou chorando.
— Consegue sim, vamos, eu já consigo ver a cabeça.
Consegue?
Tento respirar fundo mais uma vez e a dor vem me atravessando toda, me abaixo empurrando a pélvis para baixo, nesse instante a cabeça começa a sair, João Paulo a segura, então faço mais força então assim de uma forma rápida ela sai, ele a segura nos braços e depois passa a mão nas costas dela devagar, me sento em cima do terno e nesse momento vejo meu chefe cair desmaiado no chão do elevador.
Ouço o primeiro choro dela, estou total e completamente exausta, mas a dor se foi, e quando olho para ela começo a sorrir sem parar, o choro dela se espalha pelo lugar, tão zangada, tão forte, João Paulo me entrega ela e tira a camisa social do corpo depressa.
As portas do elevador se abrem, mas é algo do qual não ligo.
João Paulo a cobre e pega o celular no bolso, ele começa a digitar o número que eu sei que é da emergência, as pessoas do departamento vêm na direção do elevador, não é algo do qual eu dê importância.
Bem, agora só consigo olhar para uma pessoinha no mundo, chorona, barulhenta, perfeita.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Garota Feia - CONTO - DEGUSTAÇÃO
ContoKatarina Costa trabalha para um gigante na área da construção, ela se vê numa situação complexa ao ter sido abandonada grávida depois de um relacionamento de cerca de quinze anos. Logo no momento em que ela mais precisou o ex a abandonou. Agora ela...